Setecidades Titulo Aumento de casos
Registro de BO por violência doméstica avança 27% na pandemia

Em 2020 foram sete casos por dia; para especialistas, situação se agravou com o vírus e a crise econômica

Aline Melo
Do Diário do Grande ABC
21/02/2021 | 07:00
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Celso Luiz/DGABC


 A percepção de profissionais que lidam com atendimento de vítimas de violência doméstica de que o problema foi agravado durante a pandemia de Covid-19 é confirmada por números. Dados da SSP (Secretaria de Segurança Pública) obtidos pelo Diário por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação) mostram que, de abril a dezembro de 2020 foram registrados 1.952 BOs (Boletins de Ocorrências) denunciando o crime no Grande ABC, sete por dia. No mesmo período de 2019 foram 1.790, e, em 2018, 1.533. Na comparação dos últimos dois anos, o aumento é de 27,3%.

Especialistas ouvidas pelo Diário destacam que os casos que chegam a ser registrados não representam o total de agressões, que pelo seu caráter privado, muitas vezes sequer são denunciadas. E apontam a falta de políticas efetivas para a prevenção da violência e proteção das vítimas, agravadas pela pandemia e pelo aprofundamento da crise econômica da região e do País.

Coordenadora do programa de PLP (Promotora Legal Popular) no distrito de Capuava, em Santo André, e ativista feminista, Marcia Garcia relata que a pandemia atrapalhou a formação anual do programa, que foi substituída por encontros virtuais mensais com as mulheres que estavam inscritas no curso, e quinzenais com as promotoras que já contam com a formação. Muitas demandas e solicitações de acolhimento para vítimas foram feitas nessas ocasiões. “Se antes a gente fazia 50 acolhimentos ao ano, em 2020, isso triplicou”, afirma. “Nunca trabalhamos tanto como no ano passado”, completa Marcia, que é PLP há dez anos.

As PLPs recebem treinamento para ajudar a mulher vítima de violência a acessar a rede de proteção, cuja porta de entrada pode ser a DDM (Delegacia de Defesa da Mulher) ou os serviços de assistência social, como Cras (Centro de Referência de Assistência Social) ou Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social). “A possibilidade de se fazer o boletim de ocorrência on-line, habilitada no ano passado, ajudou algumas mulheres. Mas quem não tem um bom celular, uma boa conexão, não consegue acessar. Ou seja, quem é mais vulnerável continuou excluída”, completa.

A assistente social Sonia Coelho, integrante da SOF (Sempreviva Organização Feminista) e da MMM (Marcha Mundial das Mulheres), destaca que a pandemia ocorre em um momento em que já havia o recrudescimento da violência contra a mulher (de 2018 para 2019, o aumento no número de boletins havia sido de 16,7%). “Vivemos em um sistema neoliberal extremamente patriarcal, misógino e que se aprofunda com o atual governo federal, que reproduz o tempo todo a violência contra a mulher, contra povos indígenas. Com apologia ao machismo e muita misoginia”, pontua.

Sonia lembra que a crise financeira também exerce pressão sobre o aumento da violência doméstica. “Quando os homens ficam vulneráveis economicamente, desempregados, numa situação mais frágil, o último reduto de poder para eles acaba sendo o corpo das mulheres. Esse é o sistema patriarcal onde a gente vive, onde os homens se sentem com mais poder na relação quando podem dispor do corpo e da vida das mulheres”, completa.

Márcia chama a atenção para o fato de que todo o poder público está focado no combate à Covid-19, e que muitas demandas antigas dos movimentos de mulheres acabaram ficando em segundo plano, como a maior presença de DDMs 24 horas na região. Atualmente, apenas em São Bernardo existe um equipamento que funciona de forma ininterrupta. “A pandemia também afetou muito os movimentos sociais, que se antes estavam nas ruas, fazendo o enfrentamento e o diálogo, hoje se mobilizam apenas pela internet e acabam não alcançando muitas pessoas que seriam alcançadas de outra maneira”, conclui.

Comportamento dos políticos valida as agressões, avaliam feministas
Militantes feministas e profissionais com atuação junto às mulheres vítimas de violência doméstica, a PLP (Promotora Legal Popular) Marcia Garcia e a assistente social Sonia Coelho afirmam que o atual governo representa a validação do aumento dos casos. “A violência contra a mulher está legitimada pelas autoridades que estão à frente do nosso País. Como no caso de um deputado preso, que continuou agredindo uma policial no IML (Instituto Médico-Legal). Com a mulher ele gritou e com o homem ele falou com calma”, afirmou Marcia.

A PLP se referia ao deputado estadual Daniel Silveira (PSL-RJ), que foi preso na terça-feira pela PF (Polícia Federal), por ordem do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, após postar um vídeo com incitação à violência e ameaça contra os ministros da Corte e por defender a volta do AI-5 (Ato Institucional-5), documento que instaurou o período mais violento da ditadura militar que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985, crime previsto pela Constituição Federal.

Quando foi realizar exame de corpo de delito, Silveira foi filmado gritando e desacatando uma policial, se recusando a usar máscara. Sonia pontua que os movimentos feminista e o de mulheres estão juntos com outros movimentos sociais, para pressionar pelo impeachment do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). “A gente está vendo que com esse governo é impossível mudar o curso dessa pandemia e é impossível frear a violência contra as mulheres”, avalia. “Enquanto milhares de pessoas estão morrendo e o País precisa de ações coordenadas, a gente vê o governo federal organizando e se mobilizando para aumentar o acesso às armas”, reclama. “Isso é uma coisa que contribui para o aumento da violência contra as mulheres, contra a população negra, porque arma as pessoas, as milícias”, conclui.

Para a assistente social, além de uma mudança no comando do País, é preciso lutar pelo restabelecimento do auxílio emergencial e por vacina para todos, que também é uma forma de garantir mais proteção às mulheres e às populações vulneráveis. “A gente sabe que só vai poder reconstruir o País, ir para a rua e fazer as lutas, com a vacinação. Sem a vacinação a nossa atuação fica mais limitada”, finaliza.




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