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Gasto com cesta básica é de 80% do salário mínimo

Em um ano, kit encarece R$ 202,80 e leva valor médio a R$ 881,06, o maior da história

Soraia Abreu Pedrozo
Do Diário do Grande ABC
17/02/2021 | 00:06
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Denis Maciel/DGABC


O morador do Grande ABC tem desembolsado neste início de ano, em média, 80% do valor do salário mínimo, hoje aos R$ 1.100, para comprar a cesta básica mensal. O conjunto com 34 itens de primeira necessidade encerrou janeiro em R$ 881,06. Trata-se do maior valor registrado pela Craisa (Companhia Regional de Abastecimento Integrado de Santo André) desde que a pesquisa teve início, há 20 anos. Em outubro do ano passado, foi rompido pela primeira vez o patamar de R$ 800.

Desta forma, quando se compara com os preços das prateleiras um ano atrás, o desembolso do consumidor nos supermercados da região aumentou em 30%, o que, na ponta do lápis, dá R$ 202,80.

Comparado com o salário mínimo praticado em janeiro de 2020, de R$ 1.045, o kit de produtos essenciais, que à época saía por R$ 678,27, correspondia a 65% do piso do mercado de trabalho ou dos benefícios da Previdência Social, como aposentadoria e pensão.

Outro comparativo que denota o avanço desenfreado dos preços dos alimentos é com a inflação. O salário mínimo foi corrigido em 5,26% no mesmo período, conforme o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) – ou seja, o kit subiu seis vezes mais. Com relação ao IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), a inflação oficial, que avançou 4,52%, foi quase sete vezes mais.

O aumento reflete o cenário de pandemia do novo coronavírus, em que boa parte da população passou a trabalhar de casa, em sistema home office, a fim de reforçar o isolamento físico para conter a propagação da Covid-19, o que elevou a demanda pelo consumo de itens no lar. Ao mesmo tempo, o dólar disparou e passou 2020 inteiro girando em torno de R$ 5,50, o que tanto puxou para cima os valores dos alimentos – que por serem commodities, têm cotação internacional de seus valores –, como respingou em toda a cadeia produtiva, a exemplo dos custos do adubo e do combustível.

NA PRÁTICA

Os valores médios da cesta básica da Craisa levam em conta produtos essenciais para o consumo de uma família de quatro pessoas (dois adultos e duas crianças) durante um mês. Exatamente a formação da família de Ana Cláudia Claudino da Silva, 31 anos, dona de casa de São Bernardo, que carrega bebê na barriga.

“Os preços das coisas estão um absurdo. Acabamos substituindo tudo, arroz, feijão, macarrão e produtos de limpeza por marcas mais em conta. E sempre optamos por itens em promoção do tipo leve três e pague dois”, revelou Ana Cláudia. “Mistura, então, nem se fala. Não tem condição nenhuma de ninguém se manter comendo carne. Trocamos por frango, salsicha, linguiça calabresa, ovo, sardinha em lata. Até verduras agora fazem parte das substituições da proteína”, completou, ao citar que mesmo os hortifrúti estão caros.

O gasto mensal no supermercado, que já era controlado, e chegava a R$ 550, com as substituições foi reduzido a R$ 350. O que preocupa a família, já que o marido perdeu o emprego em dezembro e até o momento não recebeu o seguro-desemprego.

Conforme a pesquisa da Craisa, os produtos que mais pesaram no bolso do consumidor neste período foram o óleo de soja, que disparou 110,38%, para R$ 7,97, e o arroz, com alta de 93,84%, aos R$ 27,10. “Como muitos animais se alimentam do farelo de soja como ração, houve um efeito em cadeia”, explicou o engenheiro agrônomo da Craisa, Fábio Vezzá De Benedetto.
Itens essenciais, como quilo da carne de segunda subiu 22,38%, para R$ 27,89. E, o de primeira, 17,04%, para R$ 35,73. Mesmo os substitutos, como o frango, subiu 12,75%, para R$ 8,51, assim como a dúzia de ovos, 27,99%, para R$ 7,70.

O quilo da batata também disparou 75,36%, para R$ 6,02, e o do tomate, 23,74%, para R$ 7,91. Segundo Benedetto, enquanto o tempo continuar chuvoso, a tendência é a de que os valores dos hortifrúti seja ainda mais pressionado.


Na pandemia, poder de compra é reduzido

Durante a pandemia do novo coronavírus, os preços dos produtos de primeira necessidade atingiram patamares nunca antes imaginados. “Em 26 anos trabalhando na Ceasa do Grande ABC eu nunca vi um ano assim, em que os preços de todos os produtos dispararam e o poder de compra dos moradores foi reduzido drasticamente”, disse o engenheiro agrônomo da Craisa, Fábio Vezzá De Benedetto. “Fatores como a corrida aos supermercados no início da pandemia, a valorização do dólar e o fato de países exportadores reduzirem os volumes a outros países para não enfrentarem escassez reduziram a oferta, diante de uma demanda crescente”, complementou.

Conforme explicou Volney Gouveia, professor da Escola de Negócios da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), é inegável a perda de poder aquisitivo dos consumidores do Grande ABC e da queda do potencial de consumo na região diante deste cenário. “A não renovação da lei que garantia reajustes reais ao salário mínimo desde 2019 explica em boa parte a perda de poder de compra. O governo entende que o salário mínimo é custo para o governo, e não instrumento importante de elevação do consumo, da produção e, por consequência, do próprio crescimento da economia.”

Segundo Gouveia, a disparada do dólar desde o ano passado ainda está produzindo recomposição de margens de lucro das empresas. “Como a demanda por alimento é relativamente pouco sensível a preço, isso garante margem de repasse para os preços dos custos pelos produtores. Além disso, o baixo desempenho da economia, com a estagnação do consumo das famílias e empresas como resultado da austeridade econômica imposta pelo governo federal, diminui a quantidade de bens produzidos, mas mantém a necessidade das famílias em adquirir bens e serviços elevada, principalmente nestes tempos de pandemia. Então, se tem o aumento de custo de produção e das necessidades das famílias por bens essenciais.” 




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