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Livro 'Jazz Panorama' ganha reedição requintada
Por João Marcos Coelho
Especial para o Diário
22/02/2003 | 16:12
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Aos 86 anos muitíssimo bem vividos, Jorge Guinle, o mais notório dos auto-intitulados playboys brasileiros de meados do século passado, ganha um presentaço: uma reedição requintada do livro Jazz Panorama (Ed. José Olympio, 208 págs., R$ 40), o primeiro volume a falar sobre o jazz norte-americano em português, nos idos de 1953. Mas o livro é sobretudo um banquete para os apreciadores do jazz hoje, neste 2003.

Espanta, para quem não conhecia o livro, o nível do Guinle escritor e profundo expert em jazz, principalmente o jazz clássico, dos inícios até os anos 50. Espanta mais ainda a sua incrível capacidade de se manter atualizado: isso transparece na inteligentíssima entrevista com Guinle conduzida por Luiz Orlando Carneiro, cada pergunta/resposta percorrendo a faixa esquerda de cada página do livro em ‘elegantérrimo’ formato quadrado (veja algumas nesta página). Além disso, uma nova discografia, agora toda em CDs disponíveis ao menos no mercado internacional, e o luxuoso projeto gráfico de Jazz Panorama, que inclui 54 imagens sobre o tema.

Vinicius conservador - Soa até deslocado o prefácio do poeta Vinicius de Moraes, muito mais radical e conservador em suas posições (ele só admitia como jazz o estilo Nova Orleans com a improvisação coletiva, consagrado por Louis Armstrong) do que a abertíssima e lúcida exposição de Jorginho Guinle. “Dele”, diz Vinicius no prefácio da primeira edição, de 1953, “posso dizer que ninguém no Brasil, e muito pouca gente no mundo, possui a sua cultura e o seu cabedal jazzístico”.

Aval desnecessário de um homem que fez de sua riqueza o passaporte inteligente para a curtição do melhor da arte e da cultura de seu tempo (sem falar nas mulheres, claro, pois Guinle foi cama-e-mesa com praticamente toda estrela da época dourada de Hollywood que vier à cabeça do leitor, de Kim Novak a Jayne Mansfield). Fiquemos, porém, no tema do livro, o jazz. Por sua casa, no Rio, passaram Dizzy Gillespie (Guinle tocou bateria e Dizzy piano), Roy Eldridge e outros grandes clássicos do jazz, assim como, claro, todas as estrelas modernas que participaram dos festivais de jazz brasileiros, dos anos 80 para cá. Não só isso. Guinle, que conheceu o jazz aos 12 anos, em 1928, esteve em todos os lugares-chave e sagrados do jazz desde 1939.

Fica difícil selecionar episódios, mas um dos mais hilários é o do trompetista Miles Davis chegando-se à mesa que Guinle partilhava com amigos nova-iorquinos e perguntando se tinham gostado de seu novo safoxonista. “Claro”, responderam todos. Era simplesmente John Coltrane. Ou então sua primeira noitada na Big Apple, onde assistiu a Billie Holiday cantando Strange Fruit, sua marca registrada. Ele gosta e considera mais difícil a improvisação melódica, “já que a harmônica o músico consegue fazer rachando de estudar; já a melodia, ou se é bom ou não”.

Finalmente, espantam suas lucidez e abertura estilística. Corretamente, não considera que haja atualmente grandes gênios criativos, apenas “músicos tecnicamente formidáveis”. Entre os jovens, o multiinstrumentista James Carter é o seu preferido: “Quando o ouvi pela primeira vez, disse pra mim mesmo: ‘Meu Deus! O que é isso?’ Tive um choque com sua técnica monstruosa. E que idéias! Sem nada de ler música... Aliás, nunca gostei desse negócio de ler música, daquelas orquestras brancas todas, tipo Harry James. Com aqueles trombones se levantando ao mesmo tempo, fazendo aqueles movimentos em uníssono, e depois se sentando... uma coisa horrorosa”. É isso aí, Jorginho Guinle. Deus te dê outros 80 anos tão lúcidos como estes.




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