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Vila Progresso, em Santo André, tem exemplo de garra e superação

Após sofrer AVC, dona Raymunda Santos aprendeu a pintar usando a mão esquerda

Por Vanessa de Oliveira
Do Diário do Grande ABC
31/01/2015 | 07:00
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Nario Barbosa/DGABC


Quem é destro sabe: tentar fazer alguma coisa utilizando somente a mão esquerda parece ser uma missão impossível. Na Vila Progresso, em Santo André, dona Raymunda Carmo dos Santos, 75 anos, não só faz isso, como faz muito bem. Após sofrer um AVC (Acidente Vascular Cerebral) em 2006, que paralisou todo o lado direito do seu corpo, ela começou a pintar quadros como se fosse canhota. O resultado: obras muito bem detalhadas, que não devem nada a um pintor profissional.

Antes de sofrer o derrame, Raymunda, mineira de Santo Antônio do Monte, trabalhou como cozinheira de hospital e em confecção de roupas. Mas a vocação sempre foi voltada para o universo das artes. “Ela adora artesanato. Fazia tricô, crochê, coisas com papel machê e migrou para a pintura quando tinha 64 anos”, conta o filho Alexandre Santos da Poça, 49.

Raymunda, então, entrou em curso para aprender a arte, mas, com o talento aflorado, fez apenas quatro aulas.

Aparentemente, tudo ia bem com a saúde da senhora. Mas não era bem assim. “Ela teve quatro AVCs isquêmicos. Há casos desse tipo de derrame em que a pessoa nem sabe que teve, pois pode interromper a sensibilidade ao sabor ou uma memória específica, afetar um pouco a acuidade visual, são coisas sutis que a família não percebe nem a própria pessoa”, relata Poça.

O quinto AVC, no entanto, veio com força. Quando soube que perdera os movimentos do lado direito do corpo, Raymunda ficou abatida. Um dia, quando a filha Nina Laura Santos Vieira, 51, foi lhe dar o jantar, a matriarca tentou falar alguma coisa, mas não conseguiu. A mensagem veio por meio de um desenho, feito com a mão esquerda. “Ela desenhou um liquidificador (onde a comida era batida, para facilitar a ingestão). Foi quando despertou na gente essa possibilidade de ela se expressar por meio do desenho. A intenção era ela desenvolver a coordenação motora”, diz Nina.

Mas Raymunda viu possibilidade além e, seis meses depois, os desenhos viraram quadros, seguindo também para panos de pratos. A produção, porém, não é comercializada. “O gosto dela é pintar e presentear alguém”, fala Poça.

“No caso dos panos de prato, ela intensifica a produção em dezembro, porque em janeiro faz aniversário e presenteia os convidados”, destaca Nina.

Dona Raymunda tem dificuldades para falar, mas é completamente lúcida. Indagada sobre o famoso ditado “o céu é o limite”, ela sorri e acena com a cabeça positivamente, pois tem ciência que sua história é a mais concreta prova disso.

Bruxa do bairro garante lado esotérico

O misticismo está no ar na Vila Progresso, mais especificamente na Rua Caratinga. É lá que vive um “mix de bruxa e cartomancista”, como se autodefine Nicete de Souza Marques Andrade, 45 anos.

“No ano de 1999 para 2000, uma amiga iniciou um curso de bruxaria e me chamou para conhecer”, relata.

Começava ali seu ingresso no mundo esotérico. Entre as variadas técnicas, uma se destacou. “Quando chegou na matéria baralho cigano, vi que tinha facilidade. Um dia, fiz um curso com o guru André Mantovanni e, ao final, ele me deu um baralho cigano e disse que eu era uma cartomancista pronta, que tinha uma energia muito boa”, recorda.

Composto por 36 cartas, as figuras representam situações do cotidiano. Para que os símbolos e os significados façam sentido, é preciso estar com uma pergunta em mente. Ela salienta que não faz propagandas com promessas, como é comum ver por aí. “Não tenho chamada em poste, não faço anúncio em revista, nem trago o amor em dez dias. Nosso tempo é o tempo da pressa, mas o universo mostra de outra maneira, com o tempo da paciência. Às vezes você precisa tanto daquilo, mas não está no merecimento. E as pessoas não entendem isso.”

Nicete atende de duas a três pessoas por semana e a consulta com uma hora de duração custa R$ 100. Ela traça um perfil do público que a procura. “Os homens querem saber sobre a profissão, já as mulheres, coisas relacionadas à vida amorosa.”

Mas, em algumas situações, a cartomancista acaba fazendo outro papel: o de ombro amigo. “Já aconteceu de nem abrir o baralho. A pessoa sentou, falou tudo o que estava sentindo e não quis perguntar nada, precisava somente conversar. A gente acaba se tornando amiga e um pouco psicóloga também.”

Praça construída por moradores é símbolo da união da vizinhança

Quando Maria Inácia Souza de Almeida, 62 anos, mais conhecida como dona Lazinha, chegou à Vila Progresso, o bairro não fazia jus ao nome. “Vim da Bahia para cá em 1954. Era só mato, mato e mato”, lembra.

Na Rua Biguá, onde mora desde então, havia um terreno vazio e boatos davam conta de que sem teto ocupariam o local. “Os vizinhos se juntaram, bateram o pé na Prefeitura, fizeram abaixo-assinado e tiveram a permissão para realizar um mutirão e transformar o terreno em uma praça. Foi quando me juntei ao pessoal”, conta.

Quando não estava trabalhando na feira, era ela quem recarregava as energias dos moradores que participavam da construção (cerca de 60 pessoas) com café e algumas guloseimas, como pipoca.

Em setembro de 1991, a praça, denominada União Progressista, foi inaugurada. “Foi nela que meu filho mais novo, hoje com 23 anos, aprendeu a andar”, lembra, saudosista.

Atualmente, porém, o espaço está tomado por mato, sendo difícil até caminhar. Mas, segundo a Prefeitura de Santo André, a limpeza da praça será executada na próxima semana.

Dona Lazinha não se intimida para defender o espaço que ajudou a construir. “Um dia uma mulher estava jogando entulho e a repreendi. Ela falou: ‘nunca te vi limpando’. E eu perguntei. ‘Você já me viu sujando?’ Quem colabora é aquele que não suja.” 




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