Política Titulo Labaredas da Democracia
Diretas Já faz 30 anos e
sistema pede mudanças

Movimento pediu escolha de presidente pelo povo;
hoje, a reforma política está novamente em pauta

Por Fábio Martins
Do Diário do Grande ABC
25/01/2014 | 07:00
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Celso Luiz/DGABC


“Só um presidente eleito pelo povo, com a força do voto popular, poderá realizar as mudanças que o Brasil inteiro exige.” Embora continue atual e pode ser legitimada no dia 5 de outubro deste ano, dia do primeiro turno da eleição, essa frase estava impressa no panfleto de convocação ao grande comício da Praça da Sé, em São Paulo, realizado há exatos 30 anos.

Em pleno aniversário da cidade, a sociedade se mobilizou para reivindicar o direito de eleger de forma direta o presidente da República, mostrando a urgente demanda por democracia.

Forças políticas, como o PT, PMDB, PCdoB, PDT, artistas, intelectuais e organizações, entre elas a UNE (União Nacional dos Estudantes), OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), CUT (Central Única dos Trabalhadores) e CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) atuaram na efetivação da passeata. Por outro lado, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) foi rejeitada pelo Congresso, frustrando os esforços.

À época, o direito ao voto direto era tolhido, extinto desde o golpe militar de 1964. Fazia 20 anos de cerceamento da liberdade. Com esse cenário, cerca de 300 mil pessoas ocuparam a região central da Capital. Diante de alguns avanços significativos posteriores, como a queda da ditadura no ano seguinte, elaboração da Constituição Federal de 1988 e, sobretudo, a escolha do presidente em 1989, o ato daquele 25 de janeiro de 1984 é considerado um dos mais importantes da história do País, apesar de as demandas da ocasião não serem as requeridas hoje em dia.

No presente, votos são praticamente jogados fora. No pleito de 2010, o último presidencial, 36,3 milhões foram desperdiçados, sendo 29,1 milhões abstenções. Em contrapartida, movimentos populares, surgidos em junho, e parte da classe política suscitaram mudanças na legislação ao estimularem ampla reforma políticoeleitoral. Até agora, as labaredas não surtiram efeitos na prática. Existe ponto convergente de que há falhas no sistema, mas não há consenso sobre os pontos da reformulação.

Militante do movimento Diretas Já e hoje diretor de escola estadual de Mauá, Olivier Negri lastimou o paradoxo das falas daqueles que, com o tempo, mudaram de postura. “Os caras estavam lá no comício e fizeram discurso pregando renovação, mudança, transparência. Chegaram no poder e fizeram o oposto. Tomaram as mesmas atitudes das pessoas que estiveram no poder. Muitas coisas da ditadura permaneceram no governo. Corrupção e falta de transparência são exemplos.”

O cientista político Rui Tavares Maluf afirmou que a democracia, ainda recente, serviu para testar as regras do jogo. “É compreensível que haja alterações. São necessários ajustes pontuais. A legislação é nova, mas são inegáveis os progressos”, disse, citando, inclusive, a “transparência” da urna eletrônica e punições a gestores. O professor alegou que a governabilidade sujou as mãos de políticos. “Havia visão ingênua do passado. O poder é sedutor.”

Militantes esperavam mais resultados

Cynthia Tavares

Três décadas depois, o sentimento de decepção toma conta dos militantes que estiveram na Praça da Sé. Os líderes do movimento pelas Diretas Já discursavam contra práticas e as pessoas que seriam parte de suas vidas políticas anos depois.

Coordenador do projeto Acorda ABC, o pesquisador Cido Faria lamentou as alianças políticas feitas pelo PT, sigla que tomou corpo durante a ditadura militar. “Você olha as propostas na década de 1980 e nota uma mudança radical. Inimigos tornaram-se amigos anos depois. O maior exemplo é aliança do governo (Dilma Rousseff, PT) com a família Sarney, que era ligada ao regime e depois apoiou o movimento das Diretas. Para mim, é uma grande decepção”, disse.

O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), chegou ao posto com apoio dos petistas. O PMDB, atual partido do senador, nasceu como corrente oposicionista à ditadura e teve o deputado federal Ulysses Guimarães como um dos maiores líderes. O parlamentar esteve no comício na Praça da Sé.

Durante o regime militar, Dilma era ligada ao VAR (Vanguarda Armada Revolucionária Palmares), movimento revolucionário contra os militares. Ela chegou a ser presa e torturada em 1970, em São Paulo.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT, 2003-2010) era líder sindical e trazia em suas falas a energia de combater o imperialismo militar e norte-americano no Brasil pregando a participação popular. “Sempre achei que a população fosse ter mais voz ativa”, constatou Cido.

Por outro lado, o pesquisador analisou que a sociedade brasileira também tem sua parcela de culpa. “O governo gosta da pequena participação popular, mas o povo está acomodado. O mais grave é que em 30 anos foram poucos avanços e sem a ajuda da população, que não foi para rua. As manifestações de junho (do ano passado) foram algo pontual.”

Diretor de escola em Mauá e ex-militante da AP (Ação Popular), Olivier Negri não escondeu a tristeza com o atual sistema político-eleitoral, que, na visão dele, está muito aquém do projeto na década de 1980. “É decepcionante. Porém, temos de ser proativos. Hoje está uma porcaria, mas temos que fazer algo. É deprimente ver uma pessoa chegar ao poder porque tem mais dinheiro e não porque tem as melhores propostas”, destacou.

‘Democracia deve seguir se renovando’

Gustavo Pinchiaro

Quando, naquele fatídico 25 de abril de 1984, a Câmara dos deputados rejeitou a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Dante de Oliveira que, enfim, permitiria a votação direta para presidente e frustrou boa parte do movimento Diretas Já, o então operário do Polo Petroquímico e militante da causa Francisco José de Souza Ribeiro, o Chicão, pensou em deixar o Brasil. “Logo vieram outros capítulos, a eleição de 1989. Tínhamos certeza que elegeríamos um operário (Luiz Inácio Lula da Silva, PT), e fomos derrotados. Com o tempo, percebi que a democracia deveria seguir se renovando, e ela se renova a cada eleição.”

Como legado do movimento, o operário exaltou as mudanças positivas promovidas pelos últimos presidentes eleitos por votação direta, mas resgatou mágoas. “Só quem sentiu na carne sabe o que foi a ditadura, o que era aquele maldito slogan: ‘Brasil, ame-o ou deixe-o’. Ia trabalhar e tinha medo de não voltar para casa, era preciso levar carteira de trabalho assinada, se não você sumia. Não quero que isso volte a ocorrer para os meus filhos e netos nunca”, desabafou Chicão, que hoje presta assessoria a entidades sindicais.

Ex-militante do PCB, a funcionária pública Claudia Galvão marcou presença nos atos das Diretas Já e destacou que o legado positivo ainda é muito presente. “Apesar de 30 anos nem ser tanto tempo, vejo que é um processo de evolução. As manifestações de junho, mesmo sem terem foco, marcaram pela cara da juventude. Quem pediu a volta da ditadura não sabe do contexto histórico. Hoje vivemos um Brasil totalmente diferente.”




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