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UFABC derruba mito sobre cotas
Illenia Negrin
Do Diário do Grande ABC
09/09/2006 | 19:18
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O primeiro vestibular da UFABC (Universidade Federal do ABC) mostra que o sistema de cotas pouco interferiu na classificação final dos candidatos. Entre os aprovados, alunos que estudaram em escolas públicas e privadas tiveram desempenho parecido. A nova instituição destinou 50% das 1,5 mil vagas para estudantes egressos de unidades públicas. Cerca de 90% dos convocados para efetuar matrícula seriam chamados houvesse ou não a reserva.

O resultado derruba o mito de que universidades adeptas ao sistema abrigariam entre os calouros uma leva de alunos despreparados, o que levaria à queda na qualidade de ensino das instituições públicas.

A média dos aprovados foi de 64,1 – a prova valia 100 pontos. Num cenário que se não levasse em conta a procedência do estudante, seriam selecionadas as 1,5 mil melhores notas. A média da nova lista seria de 64,4, uma diferença de menos de meio ponto. Sem a reserva, passariam no vestibular 908 alunos (60% do total) de escolas particulares e 592 das públicas.

O reitor da UFABC, Hermano Tavares, 65 anos, considera o dado positivo. Para ele, as cotas incentivam que alunos de escolas públicas concorram a uma vaga na universidade. “A reserva de vagas garante ao estudante de baixa renda uma possibilidade real de cursar o ensino superior. O sistema era criticado porque, teoricamente, o cotista passaria no vestibular com nota bem inferior que a obtida pelo candidato da particular. Os resultados mostram o contrário”, avalia.

Dos quase 13 mil inscritos para o vestibular, cerca de 9 mil vieram das escolas gratuitas e 3,4 mil de particulares. O estudante formado em unidade pública precisou superar 11 concorrentes para ser aprovado na UFABC. Entre eles, a média foi de 61,1 pontos. A relação candidato/vaga para alunos vindos de famílias com melhores condições socioeconômicas foi menor, 4,5, com a média de 67,1 pontos.

O ministro da Educação, Fernando Haddad, em visita à região na última quarta-feira, afirmou que a experiência do Grande ABC servirá de parâmetro para outras universidades. O MEC (Ministério da Educação) pretende que todas as instituições federais de ensino superior adotem o mesmo sistema de cotas.

Hoje, segundo dados do MEC, 15 das 54 universidades do governo adotaram voluntariamente o sistema de cotas. “Mas a UFABC é a única que segue à risca o que diz o projeto de lei que queremos aprovar”, sustenta. Desde o início do ano, a Câmara dos Deputados discute a medida, que destina 50% das vagas em instituições federais de ensino superior aos egressos de escolas públicas. Dentro da cota, há ainda reserva para afrodescendentes e indígenas, respeitando a proporção dessas populações, que variar entre os Estados. Na UFABC, 204 vagas foram destinadas a negros e pardos, e duas para indígenas.

Haddad e o reitor Hermano Tavares acreditam que a pequena diferença de notas entre os dois grupos de candidatos indica que a defasagem no ensino diminuiu. Cauteloso, o reitor preferiu não entrar no mérito das semelhanças. O reitor não avaliou se, afinal, foi o ensino público que melhorou ou o privado que piorou.

Otimista, o ministro disse que o aumento da oferta aos alunos carentes deu uma “injeção de ânimo” na escola pública. Ele diz que o sistema de cotas e as vagas do ProUni – bolsas de estudo em universidades particulares – abriram os horizontes de quem conclui o ensino médio em unidades gratuitas.

Discussões pedagógicas à parte, a boa performance dos candidatos de escolas públicas é principalmente atribuída ao esforço dos estudantes. Fernando Haddad diz não ter dúvidas quanto ao futuro desempenho acadêmico dos cotistas.

Desempenho – “A Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) também criou mecanismos para incluir estudantes de baixa renda na graduação e a experiência revela que os universitários vindos de escolas públicas têm notas melhores que os vindos das particulares”, disse o pró-reitor de pós-graduação da UFABC, Armando Milioni.

O vice-reitor recorre à história de dois atletas para ilustrar o que acontece quando realidades tão diferentes se encontram no mesmo ponto de partida. “Imagine dois corredores, que se classificaram para a final de uma prova de atletismo com índices muito parecidos. Um deles treinou todos os dias com um tênis de última geração, com técnicos experientes e em pistas adequadas. O outro treinava tanto quanto seu adversário. Porém descalço, sem supervisão e no asfalto. Mesmo assim, nas provas classificatórias conseguiram o mesmo tempo. Em quem você apostaria?”

O professor apostaria todas as fichas no segundo. “Se na adversidade ele evoluiu tanto quanto o outro, em condições iguais ele se destacará.”



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