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A Proclamação da República foi mesmo na data de hoje?

Historiador aponta equívoco no registro do episódio que derrubou a monarquia brasileira

Rogério Santos
Do Diário do Grande ABC
15/11/2013 | 07:04
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O dia 15 de novembro de 1889 é apresentado nos livros escolares como a data da Proclamação da República no Brasil, quando o País passou do regime monárquico para tornar-se uma República Federativa.
Mas, para o jornalista e historiador Laurentino Gomes, que após três anos de pesquisa escreveu o livro 1889, detalhando os fatos que antecederam o episódio, a versão retratada diverge do que de fato ocorreu, a começar pela data do acontecimento.

“Existe um erro histórico: a Proclamação da República ocorreu, na verdade, na madrugada do dia 16, quando o Marechal Deodoro se juntou aos militares que ocupavam o centro do Rio de Janeiro”, declara Laurentino.
Lembrado até hoje ser o responsável pela Proclamação da República, tornando-se o primeiro presidente do Brasil, Marechal Deodoro da Fonseca não é o personagem principal do período.

“Ele teve um papel mais institucional do que de protagonista. Estava idoso e doente, mas decidiu se juntar aos demais soldados, pois estava acostumado a liderar tropas”, frisou o jornalista.

Para o historiador Renato Alencar Dotta, Deodoro desejava derrubar do poder Afonso Celso de Assis Figueiredo, o Visconde de Ouro Preto, primeiro-ministro da época. “Essa rusga entre os dois também serviu de pano de fundo para a atuação dos republicanos que desejavam destituir o Império”, considera o especialista.

Detentor da mais alta patente do exército brasileiro, o alagoano Deodoro da Fonseca tinha prestígio na caserna, atuando em missões como a Guerra do Paraguai (1864-1870).

Foi justamente após o conflito armado que as divergências entre os militares e o Império ganhou corpo. Os soldados se sentiam desprestigiados, reforçando o apoio ao movimento republicado, culminando no golpe de Estado que tirou o trono do imperador Dom Pedro II, feito prisioneiro antes de ser enviado para exílio na Europa. Segundo Laurentino, o bloco republicano teve participação efetiva de intelectuais e militares insatisfeitos com as decisões da família real. Integravam o grupo o militar Benjamin Constant, o advogado Campos Sales, o jornalista Quintino Bocaiúva e o representante da aristocrata cafeicultora paulista Prudente de Moraes.

A insatisfação com a monarquia também foi desencadeada pela iminência de a princesa Isabel ser imperatriz do Brasil, já que ela era a terceira na linha sucessória.

A aristocracia brasileira não aceitava a ideia de uma mulher governar o País,principalmente Isabel, casada com o frânces Gastão de Orléans, o conde D'eu. Para os nobres, o Brasil acabaria governado pelo europeu.
Outro fato determinante para a onda republicana foi a abolição da escravatura, promulgada um ano antes, por meio da Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel, fato que desagradou a elite, pois acabou com umas das maiores fonte de lucro dos fazendeiros, sem nenhuma indenização. “Os aristocratas se sentiram traídos pela monarquia, reforçando ainda mais o movimento republicano”, ressalta Laurentino.

No movimento republicano, os radicais consideravam que o novo regime seria um meio para ampliar a democracia. Já oligarcas viam a chance de maior autonomia nas províncias do País.

DISPUTA AMOROSA
Em seu livro, Laurentino Gomes relata outro episódio curioso que ocorreu nos bastidores que antecederam a Proclamação da República: a disputa entre o Marechal Deodoro e senador gaúcho Gaspar Silveira de Martins pelo amor de Maria Adelaide Andrade Neves Meireles, a baronesa do Triunfo. Eles rivalizaram desde 1883.
O senador levou a melhor sobre o militar e conquistou a baronesa. Foi o início do atrito entre os dois, culminando na decisão de Deodoro em aderir de vez ao movimento republicano.

Sistema conviveu com ditaduras

Há 124 anos o Brasil adotou o sistema de governo presidencialista, referendando o chefe da Nação através do voto direto. Entretanto, a história das eleições no Brasil foi marcada por dois regimes ditatoriais e pela prática do voto de ‘cabresto’, ou seja, o controle do meio político pelo abuso de poder.

O primeiro regime ditatorial brasileiro foi o Estado Novo, que durou de 1937 a 1945, liderado por Getúlio Vargas. Na época, o Brasil vivia a expectativa de eleições diretas para presidente, que seriam realizadas em 1938.

“O Brasil não tem tradição democrática, que vem se consolidando aos poucos. Mesmo antes do Estado Novo, o voto de cabresto era comum, fraudando as eleições”, avalia o historiador Renato Alencar Dotta.

Com o fim da ditadura de Vargas, o Brasil viveu nova onda de euforia protagonizada pela sensação de democracia, que caiu por terra em 1° de abril de 1964, quando outro golpe derrubou o presidente eleito João Goulart, estabelecendo os militares no poder até 1985.
Marcado pela repressão aos que contestavam o regime, a ditadura militar atingiu o ápice em dezembro de 1968, durante o governo do general Costa e Silva, fechando o Congresso Nacional e pondo fim à pouca liberdade de imprensa que havia.

Em 1989, o Brasil voltou a eleger um presidente da República através do voto direto. Fernando Collor (PRN) foi eleito derrotando Luiz Inácio Lula da Silva (PT), oriundo do movimento sindical do Grande ABC.

“Esse período foi significativo, sobretudo pela força da organização dos trabalhadores, que vislumbravam a possibilidade de conquistas maiores com atuação política”, considera o historiador Paulo Rezzutti.

O especialista recorda que em 1993 ocorreu consulta popular, prevista na primeira constituição brasileira, de 1891, para que fosse realizada futuramente consulta popular sobre o sistema de governo adotado no Brasil. Ou seja, a República ficou clandestina por 102 anos.

O sistema presidencialista foi mantido, prevalecendo sobre parlamentarismo e a monarquia. “A ratificação da República ocorreu mais de 100 anos depois do golpe militar arquitetado pelos republicanos”, disse Rezzutti.

 




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