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Sobrecarga na pandemia afasta 220 profissionais de saúde no Grande ABC

Pesquisa mostra que 78% dos trabalhadores da linha de frente da Covid apresentam estafa generalizada

Aline Melo
Do Diário do Grande ABC
04/10/2020 | 07:00
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Heudes Regis SEI


 Lidar todos os dias com um número cada vez maior de pacientes infectados pelo novo coronavírus afetou de maneira grave a atuação profissional da enfermeira Simone Arruda (nome fictício), 36 anos, que trabalha na rede pública de uma das cidades do Grande ABC. Com 10 anos de experiência, a pressão e a sobrecarga de trabalho ocasionada pela pandemia de Covid-19 fizeram com que a profissional, na sua própria definição, “surtasse”.

Afastada das atividades há quatro meses, ela segue em tratamento com terapia e antidepressivos e tem previsão de retorno ao trabalho agora em outubro. A jovem não quer abandonar a área, mas reclama da falta de apoio recebida dos superiores. “É muito difícil. Estamos sob muita pressão e eles não fazem nada, deixam as coisas como estão”, reclamou. Por medo de retaliação, a enfermeira não quer divulgar em qual município atua. 

Assim como Simone, 220 profissionais de saúde foram afastados do trabalho nas redes municipais de saúde do Grande ABC desde o início da pandemia por alguma questão psicológica. Além disso, ao menos 680 profissionais procuraram por apoio ou aconselhamento nos serviços que foram criados pelas administrações municipais (exceto Rio Grande da Serra, que não informou os dados) para atendimentos psicológicos e escutas qualificadas.

A situação está longe de ser exclusividade do Grande ABC. Pesquisa realizada pela PebMed, startup que produz conteúdos para auxiliar profissionais de saúde, identificou que 78% dos trabalhadores (médicos, enfermeiros e auxiliares de enfermagem) que responderam ao questionário on-line apresentam sintomas de Síndrome de Burnout. “O Burnout é caracterizado pelo esgotamento físico e mental de uma pessoa. No geral, é causado pelo excesso de pressão, cobranças, exigências de performance e de controle em situações de trabalho”, explicou a mestre e doutora em psicologia,  Ana Gabriela Andriani.

A especialista destaca que a pandemia  intensificou ainda mais as exigências das quais os profissionais de saúde precisam dar conta. “Eles se encontram em um ambiente de muita tensão e tendo que resolver casos com os quais não estão acostumados”, completou. A psicóloga relata que dependendo da intensidade dos sintomas, pode acontecer uma crise de ansiedade, um quadro depressivo ou justamente os esgotamentos físico e mental, que é o que caracteriza a síndrome. Ana pontua que entre os profissionais de saúde, é ainda maior a tendência em se negligenciar os próprios sintomas. “Isso pode agravar uma situação que inicialmente não era tão crítica”, concluiu. 

A psicóloga Carla Guth, que está se especializando em neuropsicologia pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo afirma que o esgotamento mental é visto muitas vezes como sinais de fraqueza e de fragilidade. “Importante dizer que as pessoas que chegam a este estado são extremamente exigentes consigo mesmas e, por conta disso, pode ser difícil assumir o que estão vivendo e sentindo”, citou. “Esse comportamento faz com que, em muitos casos, não exista uma procura por tratamento, o que agrava ainda mais o quadro”, concluiu.

Sintomas como irritabilidade, dificuldade de concentração, lapsos de memória, ansiedade, alterações de humor e sensação de que não faz o suficiente estão entre os indicativos da Síndrome de Burnout, que atinge, normalmente, os profissionais com uma relação  mais direta com os clientes, como profissionais de saúde, professores e policiais, em maior prevalência em mulheres, sobrecarregadas com duplas jornadas. O tratamento com terapias e medicamentos é indicado para a recuperação dos pacientes. Cuidar das saúdes física e mental, avaliar sua rotina e fazer os ajustes necessários estão entre os pontos essenciais para melhora citados pela psicóloga. 

Prefeituras atenderam 680 profissionais com apoio e escuta qualificadas
Durante a pandemia, foram atendidos 680 profissionais com queixas de problemas emocionais. Em Santo André,  foram realizados 172 acolhimentos por parte dos psicólogos e terapeutas ocupacionais do Nasf (Núcleo Ampliado de Saúde da Família), que ofertaram um espaço de escuta qualificada das angústias vivenciadas por esses profissionais da saúde, por meio de atendimentos em pequenos grupos e individuais (plantão psicológico). Também foram realizadas ações como aplicação de reiki, massagem, auriculoterapia, meditação, alongamento, técnicas de respiração, entre outros.

Em São Bernardo, a  administração municipal implantou auxílio psicológico durante o enfrentamento da pandemia para todos os funcionários da saúde, denominado Cuidando de Quem Cuida. O programa oferece tratamento para possíveis transtornos mentais, muitas vezes associados ao medo de contrair a doença. O projeto se manterá até o fim da pandemia. Até o momento, 36 profissionais aderiram ao serviço, sendo que 23 estão em acompanhamento.

O Projeto Escuta, de São Caetano, atendeu 20 profissionais.  Um grupo de 12 psicólogos, coordenados pela equipe da divisão de saúde mental do município, passou a atuar com a proposta de orientar as ações de escuta psicológica, ressaltando que o objetivo não era o tratamento em psicoterapia. “A ideia era diminuir o impacto psicológico dos funcionários no sistema de saúde e identificar sintomas de possíveis transtornos mentais”, explicou a administração. O programa segue após a pandemia.

Em Diadema, o serviço de saúde mental organizou-se para desenvolver atividades em Pics (Práticas Integrativas e Complementares) e/ou espaços de escuta para os profissionais dos equipamentos de saúde, para que os profissionais pudessem explanar seus medos pessoais e ansiedades. Segundo a Prefeitura, em alguns encontros foram oferecidas técnicas de auto relaxamento, meditação, cromoterapia, técnicas de expressão por meio da arte, entre outros. 

A partir de abril, também teve início a oferta de um serviço de atendimento telefônico por meio do qual, sem serem identificados, os profissionais de saúde podem expressar suas demandas emocionais e serem acolhidos por profissionais qualificados. Até o momento, 20 profissionais buscaram o atendimento de psicoterapia (em parceria com instituição de ensino) e mais de 200 funcionários passaram pelo serviço de ligação telefônica.

O TeleAcolhe, de Mauá, é iniciativa que oferta espaço de escuta, acolhimento e orientação psicológica, com informações e dinâmicas opcionais para melhor enfrentamento do momento atual de pandemia, oferecido pelo grupo multiprofissional de saúde. Foram atendidos 221 profissionais. Em Ribeirão Pires, 11 trabalhadores procuraram por serviço de atendimento por aplicativo de mensagem disponibilizado pela Prefeitura. Rio Grande da Serra não respondeu aos questionamentos.

Enfermeira de Diadema tinha Síndrome de Burnout
Uma enfermeira do Quarteirão da Saúde, em Diadema, que já tinha diagnóstico de Síndrome de Burnout, foi encontada morta em 26 de junho.  Mariana Polizeli, 35 anos, estava no banheiro do hospital. O caso foi registrado como suicídio e, segundo relatos de testemunhas, ela teria cometido o ato após receber advertência de um superior. De acordo com o boletim de ocorrência, Mariana já havia tentado anteriormente.

O Diário mostrou em 10 de julho, após o episódio, que funcionários do equipamento de saúde estavam reclamando de supostos assédios morais praticados pelos chefes. Na ocasião, a Prefeitura de Diadema informou que não há registros de assédio moral junto à Secretaria de Gestão de Pessoas – apesar de as funcionárias ouvidas pela equipe de reportagem terem afirmado que documentaram a situação – e que, se forem feitas, serão apuradas. A administração lamentou a morte e se solidarizou com a família e colegas da enfermeira, que atuava há 11 anos na rede. O prefeito Lauro Michels (PV) afirmou que houve tentativa de politização do episódio. Pré-candidatos a vereador da cidade postaram sobre o caso em suas redes sociais.




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