Política Titulo Entrevista
‘Há risco de anulação da Lava Jato’
Por Raphael Rocha
do Diário do Grande ABC
26/06/2017 | 07:00
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Claudinei Plaza/DGABC


Um dos mais respeitados advogados criminalistas do País, Sergei Cobra Arbex se mostra crítico à atuação do Ministério Público, em especial ao analisar o andamento da Operação Lava Jato. Na visão dele, erros processuais estão presentes no dia a dia da ação e isso pode custar sua legitimidade futura. “Não conheço e não estou no processo, mas vejo que há muitas coisas erradas. Há casos recentes de operações grandes, como Castelo de Areia (de 2009) e Satiagraha (de 2008), que foram anuladas por erros de procedimento, procedimentos ilegais”, relembra Arbex, em entrevista ao Diário. Ele também tece críticas à atuação da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e demonstra preocupação com o sentimento acusatório que tomou conta do Brasil. “Essa metodologia de salvadores da pátria e quem não deve não teme é falácia. Quem não deve teme. Quem não deve teme até mais.”

O sr. tem se mostrado crítico à atuação do Ministério Público na questão da Lava Jato, incluindo a delação feita pelos donos da JBS. O que o sr. lista de erros mais graves?
Não contesto em si só a delação da JBS, mas a forma sistemática com que o Ministério Público tem desrespeitado a organização do Estado, sob a complacência de todos nós. Até cito o editorial do Estado (de S.Paulo) que pedia a renúncia do procurador-geral (da República, Rodrigo Janot). Essa metodologia de salvadores da pátria e quem não deve não teme é falácia. Quem não deve teme. Quem não deve teme até mais. Sua história pode ser colocada no lixo por conta de uma situação que você é acusado e não tem instrumento de defesa.

O sr. acha que passou dos limites o acordo de delação com a JBS?
Os limites foram ultrapassados lá atrás. Não tem mais limites. A Constituição brasileira é muito clara. Todo poder público tem de ter controle social. E o controle social que você tem hoje da Justiça só se dá através dos conselhos nacionais de Justiça e do Ministério Público. Que com todo respeito não estão sendo aproveitados. Hoje são órgãos corporativos. Há movimento corporativo muito forte que extrapola os procedimentos legais para se manter uma estrutura de impunidade. Impunidade não é só corrupção. É ato administrativo, conduta, procedimento. Ninguém gosta quando ofende essa máxima comum no sentido que está buscando a culpabilidade e acabar com a impunidade no Brasil. Então tudo passa a valer. É a regra de que somos detentores de um poder que nos permite ficar acima da lei. Todos componentes e atores da Justiça têm responsabilidade inerente à função, que é buscar a manutenção do Estado democrático de direito.

A opinião pública, por questão da impunidade, sempre crê que absolver um réu, principalmente esses casos dos jornais, significa a impunidade. Como convencer a opinião pública de que Justiça é diferente de justiçamento?
Isso é muito difícil, até para a imprensa. O pessoal fala que jornal se vende com situações desagradáveis. Isso está mudando. Lembro daquela moça no Guarujá que andava com livro preto na rua e foi linchada porque o povo achou que era livro de magia negra, mas era a Bíblia (caso de maio de 2014). É claro que há exemplos emblemáticos. Esses casos são os anunciados. Mas há situações de injustiças diárias. Como traduz para a sociedade? Uma das principais bases de uma sociedade evoluída é como você trata alguém que errou, se você nem sabe se essa pessoa errou. É aí que se mostra a evolução, capacidade de estender a mão, garantir a defesa plena para que se possa ter uma evolução. Uma pessoa condenada errada ou injustamente causa um problema para toda estrutura da sociedade. A população ainda não consegue enxergar isso, porque há problemas sérios no dia a dia. Problemas de impunidade, as pessoas sofrem nos bancos, nos hospitais, planos de saúde. A população não vê Justiça efetiva. Então quando surge um caso de repercussão há sentimento de vingança quase que estatal. Isso virou bola de neve. O Ministério Público capitaneou essa insatisfação. A OAB deveria ter entrado nessa história, se expor, enfrentar as questões de forma aberta, para reverter esse sintoma que é perigoso para a própria sociedade.

O sr. vê riscos à continuidade ou legitimidade da Operação Lava Jato?
Claro que tem. Não conheço e não estou no processo, mas vejo que há muitas coisas erradas. Há casos recentes de operações grandes, como Castelo de Areia (de 2009) e Satiagraha (de 2008), que foram anuladas por erros de procedimento, procedimentos ilegais.

Quais os erros mais graves de procedimento na Lava Jato?
Não queria pontuar os erros. Se pegar um processo penal, muitas das condições impostas são desnecessárias. Principalmente a prisão. O legislador criou as medidas alternativas à prisão para que isso fosse realmente analisado e na excepcionalidade. Escuta telefônica tem de ser excepcional. Prisão temporária tem de ser excepcionalíssima. Tornozeleira também. Em vez de usar a forma como a lei determina, usam dessas medidas cautelares como forma de humilhar a pessoa que é investigada. É inversão de valores. É inversão de um dos princípios mais caros constitucionais, que muita gente morreu fisicamente, que é a presunção de inocência. É algo importantíssimo. O sentimento hoje é acusatório, punitivista, linchatório.

Como o sr. avalia a prisão após condenação em segunda instância?
Acho extremamente temerária, injusta, ilegal e inconstitucional. É claro que vão dizer que a legislação fala que não existe recurso ao Supremo. Mas você tem estatística sobre isso. São 25% das ações levadas a instâncias superiores mudadas em seu conteúdo e forma. Há representação grande de pessoas que pode ser levada à prisão injustamente.

Como o sr. vê esse sentimento da antipolítica no Brasil?
A sociedade não acredita em mais nada. Nenhuma instituição serve mais. E me chama muito a atenção da destruição do processo político. Porque você não tem outro caminho. Você tem um processo político. Vejo com preocupações juristas dizendo que são candidatos da sociedade civil à Presidência da República. O que é isso? O processo político, por pior que seja, é o processo democrático, como dizia (Winston) Churchill (primeiro-ministro do Reino Unido durante a Segunda Guerra Mundial), que é o mais difícil de construir, mas é o melhor caminho. Claro que tem de ser depurado.

E é na luta dessas garantias que o sr. acha que a OAB tem falhado?
Falhar é quase um eufemismo para a OAB. Você tem uma Ordem que não tem compreensão do papel do Estado. OAB sempre foi protagonista dos grandes momentos do Brasil. Eu critico a OAB por pedir o impeachment do presidente (Michel Temer, PMDB). Não quero dizer que está errado, mas você tem situações no Brasil, em termo de Justiça, que necessitaria um posicionamento da OAB muito mais complexo.

Como o sr. avalia o trabalho do juiz Sérgio Moro?
Não sei avaliar os detalhes. Mas há condutas muito parecidas com que a magistratura hoje representa. Talvez pelos holofotes ele se contenha um pouco. Mas há defeitos de procedimentos. Há abusos. Não tenho como criticar o trabalho todo das provas porque não conheço. Não sei até que ponto ele está certo ou errado. Na formalidade não acho nem extraordinário nem prejudicial.

Preocupa o sr. o debate sobre politização do STF e, em especial, de seus ministros?
Não me preocupo com a politização. O que me preocupa mais é a formação. É o caráter de vocação do magistrado. Acho absurda a atual formação do Supremo. Não das pessoas que lá estão, mas da forma da indicação. O tempo que ficam lá. Acho que deveria ter mandato, como o Joaquim Barbosa sugeriu certa vez, e bem curto. Escolha mais democrática. O que acontece muitas vezes é que chegam ao Supremo pessoas com formação e conceito de juízes de primeira instância, que também não passam por concurso público para aferir a condição humana para ser julgadora. Há um concurso público que privilegia o conhecimento técnico. Acaba surgindo juiz que não gosta de gente, que não olha na cara das pessoas, não sabe lidar com situação humana. É outro assunto que a OAB não entra. Voltando ao Supremo, não farei citações nominais, mas há gente lá que não tem esse perfil. Isso me preocupa muito mais do que o debate e origens políticos. Todo mundo na vida teve um período de engajamento político. 




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