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Globo exibe nesta quinta-feira o longa ‘Lisbela e o Prisioneiro’
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
30/03/2006 | 08:33
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Mais do que mero episódio cinematográfico do nordestês à moda da Globo, Lisbela e o Prisioneiro (2003) é uma comédia com algo a dizer sobre a imagem e o fascínio cego (dá-lhe contradição!) que ela exerce. O terceiro longa de Guel Arraes, visto por 3,1 milhões de espectadores nos cinemas, deve alcançar um público sensivelmente maior nesta quinta-feira, quando exibido pela Globo. Inédito na TV aberta, passa às 22h05, no conhecido horário seguinte à novela das oito – que por força das circunstâncias e do ibope, já virou novela das nove.

O que se dá a conhecer do enredo é pouco para concluir qualquer coisa além do entretenimento (que o filme também proporciona, por sinal): a mocinha Lisbela (Débora Falabella), filha de delegado em um confim no Nordeste, vive a fantasiar sobre a chegada de um pretendente que encarne, sem arestas, os galãs de Hollywood que ela vislumbra na tela de cinema da cidade. Cidadela modesta, daquelas que a igrejinha é o centro do sistema solar e à qual chega Leléu (Selton Mello), misto de malandro, golpista, artista de rua e sedutor mambembe. Alienígena e de intenções hostis, segundo os antagonistas e candidatos a antagonistas da fita, entre os quais o noivo de Lisbela (Bruno Garcia) e o casal formado pela fogosa Inaura (Virginia Cavendish) e por Frederico Evandro (Marco Nanini), justiceiro com corpinho (e figurino) de Reginaldo Rossi.

Por falar em Rossi, existe em Lisbela e o Prisioneiro um impulso para trazer o kitsch como estética dominante, uma legitimação do brega como referencial viável da composição. Talvez por ser tão anunciada essa autenticação, Lisbela não consiga nesse sentido – o de beatificar e assimilar no conjunto da obra as grandes estampas e os excessos do movimento brega – o mesmo efeito e eficácia que obteve o recente Bendito Fruto, de Sérgio Goldenberg.

Longe de ser um defeito, a borrasca estética de Lisbela acaba tornando-se detalhe, uma calha para facilitar (ou atrapalhar, em alguns momentos) o escoamento da verdadeira qualidade do filme de Arraes. Para além do manifesto “eu-não-sou-cachorro-não” e da consolidação do roque-santeirismo e do bangue-bangue verbal das comédias globais, Lisbela insinua uma observação constante da imagem e dos meios audiovisuais como instrumentos da alienação e da negação da comunidade, da vizinhança. As imagens que ela vê no cinema, arquiteturas da encenação e da meticulosidade, entram em contraste com o “mau gosto” doméstico, embora todos (imagens, estampas, cores berrantes e demais fontes de inspiração do brega) tenham chegado clandestinamente àquele lugar. E Leléu, nessa zona toda, é o resultado possível (não necessariamente perfeito) desse contraste. Pode crer: Lisbela, o filme, salva-se ao sustentar Lisbela, a personagem, como uma cineota, uma variação do videota criado pelo escritor Jerzy Kosinski.



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