É no fundo do mar que Ivan Reis, de São Bernardo, busca novas aventuras. Após cinco anos ilustrando as histórias do Lanterna Verde, o desenhista deixa o personagem que o levou ao estrelato no ramo das histórias em quadrinhos para tentar reerguer outro super-herói da DC Comics: o Aquaman.

A mudança ocorreu em novembro, quando a editora norte-americana reformulou toda sua linha editorial. O projeto "Os Novos 52" chega ao Brasil neste mês, trazendo alterações significativas nas revistas e em todo o universo DC. Por aqui, a saga do "Rei dos Mares" encabeça o título "Universo DC", completada por contos independentes que envolvem nomes como Gavião Negro, Nuclear e Mulher-Maravilha.

O primeiro contato com o Aquaman foi na saga 'O Dia Mais Claro', quando ele foi um dos personagens que voltaram à vida graças ao poder do Anel Branco. Ao ficar sabendo que não havia qualquer projeto para o herói aquático, resolveu tomar a frente do desafio.  

"Todos acharam estranho e ninguém botou muita fé na iniciativa, até mesmo o Dan DiDio (editor executivo da DC), que não era muito fã do Aquaman. Falaram que eu poderia escolher qualquer outro personagem da casa, mas já estava decidido. É importante falar: eu quis fazer o Aquaman!", explica Reis. "Em 'O Dia Mais Claro' só fiz alguns layouts do Aquaman com um ‘lápis mais solto' e senti que estava em débito com ele. Isso foi uma das razões de ter embarcado nessa viagem."

Ele afirma que não estava cansado de lidar com as viagens intergaláticas do Lanterna Verde e que ainda não está completamente familiarizado com a nova etapa. "Não me saturo tão fácil. Me divirto com as possibilidades e dificilmente você fica preso a algo. O universo de cada figura te leva para vários lugares. A história é um elemento vivo. Com o tempo, você aprende a trabalhar da melhor maneira com o herói em questão. Acho que depois de cerca de um ano com um personagem, me sinto bem à vontade para fazer coisas diferentes", analisa.

DO ESPAÇO PARA O MAR
A parte gráfica do Aquaman sempre chamou a atenção de Reis. Suas memórias têm como base o visual do personagem em contos antigos, como a elogiada fase em que perde a mão esquerda e a substitui por um gancho, e nos episódios da animação "Super Amigos", da década de 1970. "É legal vir dos confins do espaço para o fundo do oceano. São dois extremos bacanas de se trabalhar. Tudo no Aquaman é relacionado com texturas, desde seu uniforme até o farol onde ele mora, sem contar os animais aquáticos. Achei que seria legal treinar essa coisa mais orgânica e não tão tecnológica que era o mundo do Lanterna Verde."

Após levar o Gladiador Esmeralda para o topo das HQs e para o cinema, será que o herói atlante também tem potencial para voos tão altos? "O Aquaman tem uma possibilidade de história e visual maravilhosos para um filme. O universo submarino, o drama de família e a divisão entre dois mundos formam uma trama com ótimos elementos. Só é preciso saber dosar", diz.



Herói tenta retomar a vida

A primeira edição da nova "Universo DC" é aberta pelo arco "O Fosso - Parte Um", que traz Aquaman surgindo de maneira inesperada no meio da cidade, interagindo com o público (perplexo por vê-lo longe da água) e revelando para Mera, sua mulher, os desejos após retornar dos mortos. Em paralelo, estranhos seres do fundo do mar iniciam invasão atrás de alimento - ou melhor, dos humanos.

A revista é praticamente uma HQ brasileira. Além do desenhista, as páginas contam com trabalho do arte-finalista Joe Prado do colorista Rod Reis (sem parentesco com Ivan), ambos de São Paulo. Os roteiros ficam a cargo do norte-americano Geoff Johns, outro responsável por revitalizar o Lanterna Verde nos últimos anos ao lado de Ivan Reis.

"A equipe encontrou uma linguagem para o personagem que ninguém tinha feito e que as pessoas estão aceitando. E estamos fazendo isso com um personagem clássico. Talvez a maior dificuldade foi fazer algo com esse uniforme verde e laranja que é tido como ridículo e ninguém aceita", comenta o desenhista, ressaltando que fez questão de manter o estilo da indumentária original na nova fase do herói criado na década de 1940. "O desafio foi fazer os fãs aceitarem esse lado bizarro. Quebrar a barreira da aceitação visual foi complicado e acho que conseguimos um bom resultado."

O público norte-americano parece ter aprovado a revitalização, uma vez que o atlante nunca se deu tão bem nas vendas como agora. 



Polêmica homossexual

Enquanto as atenções dos leitores brasileiros estão voltadas para a chegada do novo Aquaman, no mercado internacional a polêmica da vez envolve um personagem quase esquecido. O roteirista James Robinson, da DC Comics, anunciou que Alan Scott, o Lanterna Verde original, é homossexual. Vivendo na realidade alternativa da Terra 2 da editora, ele é recebido ao retornar de uma viagem de maneira calorosa pelo companheiro Sam.

A primeira aparição de Alan Scott ocorreu em 1940. Seus poderes e nome serviram de inspiração para o super-herói intergaláctico conhecido atualmente pelo grande público.  

Ivan Reis acredita que esse tipo de mudança é fruto de como as HQs estão sempre atualizadas com o mundo real. "Hoje, os direitos homossexuais fazem parte da discussão social e política de maneira mais comum. O assunto é uma realidade e os quadrinhos sempre refletiram o seu tempo. Da mesma forma que a Segunda Guerra e o terrorismo já ganharam as páginas, a liberdade sexual atualmente é muito relevante."

Mas ele faz uma observação sobre o personagem com o qual trabalhou: "olhando bem, o Lanterna Verde tem muito a ver com o universo homossexual. As tropas coloridas podem ser uma espécie de bandeira."