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Rentabilidade financeira de aplicações desafia indústria

Com ganhos no curto prazo, investimentos acabam migrando ao sistema bancário e não às empresas

Yara Ferraz
Do Diário do Grande ABC
15/07/2018 | 07:04
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EBC


Destacado como o principal pilar da economia do Grande ABC, o setor industrial está cada vez mais reduzindo postos de trabalho, plantas e também seus ganhos. Além da crise econômica dos últimos anos e do avanço na tecnologia, outra questão também pode estar influenciando no cenário e desafiando as fábricas: o rendimento das aplicações financeiras. É o que aponta estudo elaborado pelo Conjuscs (Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura) da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), divulgado com exclusividade para o Diário.

Em 2016, enquanto o lucro dos bancos aumentou em até 33,03% – média dos cinco maiores bancos – as empresas na região tiveram média de prejuízo que chegou a 0,43%. Ao mesmo tempo, a taxa Selic encerrou o ano aos 14%. Isso em plena crise econômica. Um ano antes, por exemplo, enquanto os bancos lucraram média de 624,43%, as empresas tiveram perdas de 4,62%. O principal problema é que as instituições financeiras acabam sendo mais atrativas para o lucro no curto prazo do que as indústrias, o que pode influenciar diretamente o crescimento da atividade industrial nos próximos anos.

Conforme o professor e coordenador do estudo, Jefferson José da Conceição, este fenômeno, chamado de financeirização da economia, é explicado pelo fato de ser mais rentável investir numa aplicação financeira do que na própria indústria. “Isso foi causado por processo de desregulamentação do sistema financeiro de diversos países. Por exemplo, se você tiver R$ 10 milhões e colocar no tesouro direto, pode ter lucro de 8%, dependendo da aplicação financeira. Não é necessário um bom gestor, não precisa pagar IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), negociar com fornecedor e não vou ter série de dores de cabeça. Hoje, boa parte da indústria nacional só sobrevive por conta de empresários que estão há muito tempo no ramo e acreditam no futuro, já que cada vez mais eles têm menos lucros”, explicou.

Segundo Conceição, o cenário é extremamente prejudicial para a economia da região. “É importante que o sistema financeiro sirva para que empresários consigam fazer investimentos. Este lucro só não pode ser maior que a atividade produtiva, que é a que de fato que gera empregos. Se você tem uma aplicação mais atrativa que o lucro de atividade industrial, gera anomalia, baixa geração de empregos, não gira a economia e o PIB (Produto Interno Bruto) não cresce como tem de crescer”, destacou.

A Febraban (Federação Brasileira dos Bancos) justifica que o valor absoluto dos lucros no setor bancário é alto porque o capital que gera esses lucros também é elevado.

Para o coordenador dos cursos de graduação presencial de Administração, Gestão Financeira e Processos Gerenciais da Faculdade Fipecafi, Estevão Garcia de Oliveira Alexandre, outro ponto é que, para se empreender no País os gastos são grandes. “A taxa de juros no Brasil, mesmo sendo uma das menores da série histórica (hoje em, 6,5% ao ano), ainda é muito atrativa para aplicações financeiras. Você simplesmente deixa seu dinheiro lá e não tem trabalho e nem mais despesas, e já tem o retorno no próximo mês. O Brasil precisa ter mais incentivos, já que a carga tributária prejudica muito.”


Febraban destaca média de rendimento de 16,2% em 2016

De acordo com a Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), estudo realizado pela consultoria Accenture no final do ano passado apontou que a rentabilidade média dos cinco maiores bancos no Brasil, em 2016, ficou em 16,2%. Porém, de acordo com a federação, quando acontece o desconto da taxa básica de juros, o País chega a uma rentabilidade média de 8,8%.

Segundo a federação, o índice das instituições financeiras do Brasil fica próximo à média de outros países em desenvolvimento com mercado desenvolvido como o brasileiro. No Chile, o indicador é de 17,8%, na África do Sul, 15,2% e, na Colômbia, 14,8%. E, após o desconto da taxa de juros respectiva de cada país, no Chile o índice chega a 14,7% e, na África do Sul e Colômbia, 11,22%.

Segundo dados do Banco Central, cerca de 75% do spread correspondem aos custos da intermediação financeira, por exemplo, os custos com a inadimplência, compulsórios, impostos, despesas operacionais, entre outros. Com isso, apenas 25% do total representaria de fato, a margem de lucro dos bancos.

O alto custo no Brasil pode ser explicado, conforme dados do estudo, por conta de maiores alíquotas nominais de compulsórios que também geram alto volume de recolhimento e direcionamento de crédito a taxas e spreads regulados que limitam o potencial de rentabilidade dos recursos captados dos créditos direcionados.

Além disso, de acordo com a Febraban, o mercado de capitais no País é pouco desenvolvido, e a estrutura de passivos das instituições financeiras tem prazos relativamente mais curtos e custos mais elevados que os dos outros países utilizados na amostra, que além dos citados também incluem Alemanha, Inglaterra, México, Rússia, Austrália e Estados Unidos, entre outros.


Grande ABC perdeu 58% das grandes empresas desde 1989

Conhecida tradicionalmente como uma região industrial, o Grande ABC perdeu cerca de 58,3% de suas grandes empresas desde 1989. Conforme dados levantados pelo Conjuscs (Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura) da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), desde então, até 2016, as indústrias com mais de 500 funcionários passaram de 120 para apenas 50.

Conforme reportagem publicada em fevereiro deste ano pelo Diário, entre as principais consequências deste processo está a drástica redução no número de empregos no segmento, que caiu quase que pela metade durante o período de 28 anos. Os 363.333 postos de trabalho em 1989 recuaram a 186.378 em 2017, índice com o menor número de empregos indústrias desde o início da série histórica.

De acordo com as informações, o número total de indústrias cresceu 42,2% ao longo deste período, de 4.166 para 6.164, o que foi impulsionado principalmente pela disparada de pequenas firmas (de um a 19 trabalhadores), que em 1989 somavam 2.596 estabelecimentos e, em 2016, passaram a 4.784, ou seja, uma alta de 84,2%. Apesar da aceleração, isso não se reflete na quantidade de empregos criados nas sete cidades.

Entre as razões para o aumento deste tipo de estabelecimento estão a fragmentação das grandes empresas, a terceirização de serviços e a própria tecnologia, que acabou reduzindo a mão de obra utilizada nas grandes indústrias. Outro fator que também influenciou foi a crise econômica pela qual o Brasil passou durante os últimos anos, da qual os sinais de recuperação começaram a aparecer somente em 2017.

“É a indústria que gera o progresso no País e, principalmente, na região. Pois é ela que movimenta a atividade econômica e gera empregos. Seu crescimento é fundamental”, destacou o professor e coordenador do Conjuscs Jefferson José da Conceição. 




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