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Um livro para Suzuki
Alessandro Soares
Do Diário do Grande ABC
14/10/2006 | 22:17
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João Suzuki não imaginava ter o primeiro livro sobre sua trajetória artística aos 71 anos. Também não cogita encerrar a carreira após a publicação desta obra. “A gente nunca se completa, está sempre iniciando”, diz o pintor nissei nascido em Mirandópolis (SP) em 1935, que vive em Santo André desde 1951. E seu primeiro livro terá apoio do Diário.

Há dois anos, José Armando Pereira da Silva, com colaboração de Enock Sacramento, ambos críticos de arte, elaboraram o projeto. Aprovado em 13 de setembro deste ano pela Lei Rouanet, prevê benefícios fiscais para quem patrocinar a publicação da obra (Lei nº 8.313/91).

Os autores abriram a venda de cotas individuais – de R$ 500 cada – para pessoas físicas e jurídicas. O valor pode ser descontado integralmente no imposto de renda devido. “Se vendermos 60 cotas, dá para publicar com o máximo de qualidade que a obra de Suzuki merece”, diz Pereira. O Diário abre a lista dos que confirmam a aquisição dessas cotas.

Suzuki teve um grande destaque nos anos 60, depois se recolheu. Se não é um nome de grande realce no panorama da arte brasileira foi porque preferiu não seguir modismos nem manter um posicionamento pessoal no circuito das galerias.

Optou pela sua poética particular, uma proposta bastante pessoal de pintura que reinterpreta o figurativo com aspectos do inconsciente, sobretudo voltados para o interior das coisas e dos sentimentos como medo, paixão, angústia. Incomodado com os ângulos retos dos quadros tradicionais, subverteu as telas ao adotar o formato ovóide, sua marca artística pessoal.

O recolhimento deveu-se à repressão da ditadura. Preso no Dops (Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo) entre 3 e 20 de setembro de 1969, ficou impossibilitado de dar aulas de artes plásticas, seu ganha-pão, e de pintar graças aos remédios do tratamento psiquiátrico a que se submeteu.

Suzuki não sabe até hoje o porquê de sua prisão. Se por causa da bomba que jogaram no prédio do jornal O Estado de S. Paulo (fato do qual não participou nem sabia quem teria participado, mas sofreu pois não dizia quem o teria feito), ou se foi motivo artístico.

Segundo arquivos do Dops, seu nome aparece citado por outros presos políticos, os quais Suzuki afirma não saber quem eram. O que ele lembra foi da prisão, quando três policiais do Dops desceram de um Fusca armados de metralhadora em plena rua, mostraram-lhe o catálogo do 1º Salão de Arte Contemporânea de Santo André de 1968 e perguntaram se era ele o cara da foto.

A exposição apresentou a tela Exercício de Interpretação Número 1 (técnica mista sobre madeira, que pertence ao MAC-SP), auto-retrato num pau-de-arara. Pintada antes da prisão, a tela simboliza hoje a representação onírica do que viria a ser um pesadelo.

A coordenação motora não era a mesma, e os traumas psicológicos de uma prisão kafkiana permaneceram com a depressão durante anos. Por falta de condições financeiras para bancar os remédios, abandonou há três anos o tratamento. Mas não abandonou a alegria. “Se estou cercado dessas lembranças, não importa. O que importa é o incentivo que esse livro me traz: nunca parar”.



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