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Quarentena propõe reflexão

Pai e filho aproveitam isolamento social e se reconciliam após quatro meses; estudante retoma contatos antigos

Vinícius Castelli
do Diário do Grande ABC
06/04/2020 | 07:00
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Nario Barbosa/DGABC


Orgulho, a certeza de estar com a razão em determinada discussão, não dar o braço a torcer, a correria do dia a dia ou a preocupação com boletos e outros problemas que surgem no colo das pessoas. Estas são algumas das razões que impedem a resolução de briga entre quem se gosta e também para que pessoas queridas acabem se distanciando. Mas a vida se encarrega de ajeitar as coisas. E o isolamento social, por causa do novo coronavírus, tem feito com que algumas situações sejam repensadas e resolvidas.

Exemplo disso é o designer 3D Pedro Pasquale, 33 anos, de São Caetano, e o pai, Renato, 68, de São Bernardo. Eles estavam desde o ano passado sem se falar. Foram quase quatro meses sem contato algum. Mas daí chegou a pandemia da Covid-19, o nó na garganta aumentou e mudou tudo.

A briga entre eles aconteceu no Natal, após reunião em família. Passou Réveillon, entrou janeiro e Pedro ainda estava de cabeça quente. O pai, por sua vez, mesmo com o sentimento de tristeza que o rodeava, não estava disposto a sucumbir.

“Entramos em conflito porque somos almas gêmeas, independentemente do relacionamento de pai e filho. Temos a mesma personalidade, somos descendentes de calabrês e como dizia a avó dele, ‘calabrês (que é da Calábria, região do Sul da Itália) foi o diabo quem fez’. Este litígio porque cobrei uma atitude dele, que depois reverteu para nós dois. Entramos nesta fase. Algo banal, mas por sermos o que somos, criou esse afastamento”, explica Renato.

Pedro explica que com a chegada da Covid-19 ao País, a empresa onde trabalha, em São Paulo, o colocou para fazer sua função remotamente. Ainda assim, a ficha da gravidade da situação não tinha caído. “Pegava trem e Metrô lotados. A região onde trabalho é cheia, seja para almoçar ou para comprar sorvete. No começo pensava que só tinham dado home office por ter muita gente por lá. Mas daí você vai vendo na televisão as coisas e o grupo de risco. Meu pai é safenado, faz consumo de cigarro. Aí começo a pensar, ‘ele não é tão durão assim para encarar isso aqui’.”

O filho passou a ver o pai como alguém com alvo na testa por ser do grupo de risco. O medo de perder de fato o pai começou a consumir o pensamento de Pedro. Uma semana depois dos primeiros casos no Brasil, ele entendeu que precisava resolver a situação. “Meu pai é motociclista. Meus amigos adoram meu pai. Ele é supercativante. Comecei a ter pesadelos de como seria um velório dele. As pessoas vindo falar comigo, dizendo que ele era demais. Eu sonhava isso e, do nada, acordava. E pensava que precisava voltar a falar com ele.”

Foi então que no dia 27 Pedro procurou pelo pai. “Minha mãe intermediou. Eu busquei aproximação e encontrei alguém que estava atrás da mesma coisa”, lembra.

Renato até pensou em se fazer de difícil, mas não resistiu. “Eu iria dar uma canseira nele. Sei que tenho personalidade difícil. Mas no primeiro aceno eu já sucumbi e abracei meu filho, fiz manifestações verbais, pois não tivemos contato físico ainda. Estou na quarentena”, explica Renato. “Diante da pandemia vem a constatação da fragilidade física das pessoas, de que nada somos, que nada nos pertence. Na verdade, o que temos de mais valioso não são os bens materiais, as conquistas nem eventualmente a sabedoria. O que vale mesmo na vida é o bom relacionamento entre todos, principalmente entre pai e filho.”

As pazes foram feitas e as diferenças deixadas de lado. Mas, por enquanto, nada de beijos e abraços. Pedro e Renato, apesar de próximos novamente, ainda não se encontraram. “É uma festa à distância. Depois que passar (o isolamento social) vai ser cerveja e passar o dia fazendo marcenaria”. Já o pai, brincalhão, diz que dará uma ‘muqueta’ em Pedro, claro que seguido de um abraço bem apertado. “Amo meu filho.”

AMIZADE
Estudante de Direito, Luis Delcides Silva, 44, também está aproveitando a reclusão social de uma maneira positiva. Morador da divisa de Santo André com São Paulo, ele não está brigado com nenhum parente, mas tem dedicado parte de seu tempo para se aproximar mais de amigos que estavam distantes, por meio das redes sociais e aplicativos de conversa.

“Estou há três semanas em casa, de onde trabalho. Desde quando as celebrações dominicais presenciais da igreja onde frequento foram suspensas, decidi que só sairia para o estritamente necessário”, explica Luis.

Ele revela que tem sido uma experiência muito boa encontrar virtualmente seus amigos. “Tem um grupo em que nos reunimos todos os dias, entre 19h e 20h, para conversar, fazer preces. São muitos reencontros.”
 




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