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Caju, o jardineiro das palavras e da poesia
Por Camila Galvez
Do Diário do Grande ABC
11/07/2011 | 07:07
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O nome de batismo é Gelson Azarias de Sousa, Azarias com ‘z', Sousa com ‘s'. Mas o nome que o mundo lhe deu foi Caju. Se perguntarem qual a sua profissão, ele não hesita em dizer: sou jardineiro da Mãe Terra. Tudo o que ele fala e escreve é poesia. E o fato de ter sido alfabetizado após os 18 anos nunca o impediu de ter "os olhos bem abertos para as belezas do mundo".

Caju tem 60 anos e 21 deles passou no Departamento de Parques e Jardins da Prefeitura de Santo André. "Estou exatamente onde deveria estar", garantiu. Mas ele trilhou um longo caminho para chegar até aqui.

Sua história começou na Paraíba, em uma cidadela chamada Santa Fé. Trabalhava na lavoura desde menino. Virou poeta aos 10 anos, depois de perder seu melhor amigo, seu exemplo, seu pai.

Foram quatro meses de sofrimento até que algo mágico aconteceu. "Tenho até vergonha de contar, as pessoas vão achar que sou maluco".

O menino chegou cansado do trabalho na lavoura. A comida ainda não estava à mesa. "Mainha não conseguiu terminar, filho". Ao que ele respondeu: "Tudo bem, mãe". A travessa de barro com o arroz se espatifou no piso da cozinha. Caju não falava desde a morte do pai.

Assustado, o menino correu e se escondeu no canavial. O doce da cana ajudava a aplacar seu sofrimento. Mas ao passar o facão pela planta, ouviu uma voz de mulher. "Dou a minha vida para garantir a sua". No começo achou estranho, mas depois percebeu que tinha o dom de ouvir o que a natureza tinha a dizer. Ele jura que a história é verdadeira. "E não chupei mais cana desde então", recordou.

Os sons da natureza nunca mais foram embora, e ele os transformava em palavras mesmo antes de saber desenhar as letras. Pedia para quem sabia escrever seus poemas e guardava na gaveta da cômoda. Eram seus tesouros.

Mudança

Caju assumiu a posição de chefe da família. Para buscar condições melhores para os seis irmãos e a mãe viúva, mudou-se para São Bernardo. Na cidade grande percebeu que se não soubesse ler, não conseguiria sobreviver.

O jardineiro aprendeu o bê a bá no supletivo. Fez até a oitava série. "Mas ainda não desisti de terminar o colegial."

Desde que aprendeu a escrever, junta as letras em forma de verso para fazer poesia. Tudo serve de inspiração. Até mesmo o trabalho de poda da figueira centenária do Parque Celso Daniel, que realizou na semana passada. "Escrevi um poema sobre a árvore. Mas ainda quero autorização da família da aposentada que morreu por causa da queda do galho antes de divulgar para todo mundo", explicou.

A vida na cidade, crimes como o assassinato da jovem Eloá Pimentel e da menina Isabela Nardoni, temas religiosos e a própria natureza permeiam suas produções. Enquanto está no trabalho, porém, ele é sério: "Só anoto minhas ideias quando estou em casa, fora do horário de trabalho".

E você não esquece, Caju? "Que nada. Se esquecer, o vento sopra para mim. Os meus poemas são como sementes, planto e quero ver se multiplicar na mente de cada pessoa."




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