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Estudante de Diadema 'dobra' presidente de banco
Danilo Angrimani
Do Diário do Grande ABC
13/09/2003 | 17:05
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Keyla de Souza Silva, 16 anos, estudante do 2º ano do ensino médio da Escola Estadual Senador Filinto Müller, em Diadema, recebeu uma missão do professor de Geografia: fazer um trabalho sobre privatização. Após uma breve pesquisa, ela descobriu que o Banespa (Banco do Estado de São Paulo) havia sido comprado por um banco espanhol, o Santander. Era um bom exemplo de privatização.

Para melhor entender como isso tinha acontecido, Keyla achou que a pessoa mais indicada para explicar essa história era o presidente do Santander. Mas quem era ele? Como se chamava? E onde o banqueiro trabalhava? Isso aconteceu nos primeiros dias de agosto. Começava aí a longa peregrinação da estudante em busca do presidente do Santander.

Keyla mora em um apartamento de dois quartos-sala-cozinha-e-banheiro do conjunto habitacional do Parque Real, em Diadema, com o pai (funcionário público do INSS), a mãe e duas irmãs mais novas. Keyla faz o gênero perfeccionista. Se o professor pede uma pirâmide, ela se arma de massa corrida, papelão, tinta, cola, cimento e faz um modelo de uns 50 cm, que poderia servir de inspiração para arquitetos egípcios. Quando lhe pediram para contar a história da Grécia, ela montou um pergaminho. E por aí vai.

Agora era a vez do presidente do Santander...

Na primeira semana de agosto, Keyla saiu da escola, acompanhada pela colega Simone Fernandes Silva, 16 anos. As duas tomaram ônibus, metrô e desceram na estação São Bento. Subiram as escadas rolantes e viram o antigo prédio sede do Banespa, com sua arquitetura inconfundível, velho símbolo da cidade.

Keyla chegou na portaria do banco e foi direto ao que interessava:

“Por favor, eu gostaria de entrevistar o presidente do banco.”

Recepcionistas, seguranças e até um bombeiro engoliam em seco e não sabiam o que fazer com aquela menina insistente. Keyla foi recebida por uma gerente, que lhe mostrou uma publicação interna do banco e lhe apresentou o presidente, retratado em uma reportagem: Gabriel Jaramillo, um colombiano de 53 anos. A gerente avisou: “Ele é uma pessoa muito ocupada. Vai ser um pouco difícil você conseguir falar com ele.”

Keyla voltou para casa, mas não se deu por derrotada. Retornou outras vezes para São Paulo. Descobriu até onde o sr. Jaramillo trabalhava: em Santo Amaro. O pessoal do Santander procurava não encorajá-la: “Nem eu que trabalho aqui consegui ver o presidente, imagine você, que é só uma estudante”.

A história foi parar na assessoria de imprensa do banco, que enviou um e-mail para a Presidência, com o pedido da estudante solicitando a entrevista. A assessoria sabe que Jaramillo tem uma agenda disputada. Grandes redes de comunicação costumam esperar até 60 dias para entrevistas que duram às vezes escassos 15 minutos.

A resposta da Presidência veio mais depressa que qualquer otimista exagerado poderia supor: sim, Jaramillo concederia a entrevista para a estudante. Melhor ainda: a conversa aconteceria no dia 12 de setembro, justamente, no dia que Keyla completaria 16 anos.

Na sexta-feira à tarde, Keyla saiu de casa com uma antecedência de duas horas. Conseguiu uma filmadora emprestada e ganhou a companhia da mãe Ivone. A amiga Simone se encontraria com ela na sede do banco.

Mãos geladas, tremendo de emoção, Keyla entrou no prédio high-tech, com seus corredores silenciosos, portas de vidro e gente escondida atrás de computadores. Da recepção até a sala de reuniões, ela foi cumprimentada por meia dúzia de pessoas. Todos elogiavam a perseverança da menina.

Às 17h, no horário combinado, Keyla, a mãe e a amiga Simone entravam em uma sala ampla, decorada com mapas, quadros sofisticados, dezenas de cadeiras de couro e uma longa mesa de madeira, com uns quatro metros de comprimento.

De repente, tudo que poderia dar errado, dá mesmo. A filmadora quebra e Keyla lembra que está sem caneta e papel. Um assessor consegue esferográficas e blocos de anotações. Surge alguém com uma filmadora profissional.

A porta se abre e entra o presidente, acompanhado pelo vice, Miguel Jorge: “Estoy mui nervioso com esta entrevista”, disse Jaramillo, com sotaque espanhol. Entrega cartões e a entrevista começa. Bem-humorado, fazendo o gênero bonachão, ele se diverte com a articulada Keyla, que conta todas as suas peripécias.

A estudante pergunta tudo que desejava sobre privatização e anota as respostas do presidente. Ela não o poupa nem das questões desagradáveis sobre demissões. Uma hora depois, a entrevista termina. Alguém entra com um bolo coberto de morangos, com direito a vela de aniversário daquelas que soltam estrelinhas. Keyla cai na choradeira. O presidente agradece e abraça a menina. Ele vai embora da sala com o semblante iluminado. No fim da história, parece que ele também foi premiado.




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