Cultura & Lazer Titulo
Osmar Prado pensa o ofício
Mariana Trigo
Da TV Press
30/04/2006 | 09:26
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Osmar Prado garante que o temido Barão de Araruna, de Sinhá Moça, não é um vilão – mesmo sendo classificado como tal na sinopse da novela. O ator mergulha no personagem para encontrar detalhes que explicam que, de maniqueísta, o antagonista da trama das seis da Globo nada tem.

Após analisar meticulosamente as atitudes desse representante da elite econômica do Brasil do século XIX, Osmar confessa que busca em suas referências pessoais suas próprias características "politicamente incorretas". "Eu também tenho potencialidade para ser um Barão ou um ditador. E busco isso dentro de mim para fazê-lo", ensina.

Osmar Prado não é o tipo de ator que pode ser visto em festas e badalações. Para passar o tempo e se divertir, prefere acelerar fundo sobre duas rodas. Na verdade, desde sua infância, ao observar o fascínio de seu pai por motos, o ator começou a se interessar pelo assunto. Em plena década de 50, quando os motociclistas desfilavam suas lambretas pela época dos anos dourados, Osmar iniciou uma coleção de fotos sobre motos de diversos modelos.

Pouco depois partiu para a coleção de miniaturas. Daí em diante, o interesse cresceu a ponto de ganhar de presente sua primeira moto bem cedo, aos 17 anos. "Tenho mais que 40 anos como motociclista", anima-se, quase da mesma forma que se orgulha ao citar os anos de carreira como ator.Atualmente, sua maior diversão é viajar guiando uma de suas duas motos, uma Honda CB400, modelo 1980, e uma BMW, ano 1996. "Ando com as duas sempre, faça sol ou chuva. Não sou do tipo de motociclista que tem medo de dia chuvoso". A paixão é tanta que Osmar assume que até já fez parte de um clube de motocilistas, o BMV. "O interessante é que não tenho preferência por nenhuma moto, mas comprei as minhas tinindo de novas. Gosto da tecnologia e do funcionamento dos motores", explica o ator.

Além de guiar suas motos por um longo percurso diário, cerca de 100 km ida e volta do trabalho – o ator vai de Santa Teresa, no Centro do Rio, onde mora, até o Projac, na Zona Oeste da cidade –, Osmar também gosta de colocar a mão na graxa. "Eu não me exibo, mas gosto de mecânica e muitas vezes consigo consertar as motos sozinho", gaba-se o ator, que não tem apenas boas recordações de suas máquinas.

Em 1974, Osmar sofreu seu primeiro acidente, seguido de algumas quedas posteriores. "Felizmente nada de grave nunca me aconteceu. Mas já deu para perceber que moto cai e isso me deu uma certa prudência", garante. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

PERGUNTA: Em seus últimos personagens na TV, o Margarido de Chocolate Com Pimenta e os papéis em Hoje É Dia de Maria havia uma aura de inocência. O Barão se contrapõe a essa linha, é complexo, vilanesco. Um personagem com essa carga dramática traz que tipo de estímulo?
OSMAR PRADO: Diversos personagens me trazem várias nuances de estímulos, desde o Tião Galinha até o Barão. Esses mais densos me instigam muito. Como o Hitler, que fiz no teatro, por exemplo. São tipos que estimulam um ator como eu, que tem prazer em representar. O Barão, da maneira que ele é escrito, é muito interessante por suas contradições. Não é um papel maniqueísta. Ele tem sentimentos, é humanizado. Isso é muito rico, porque não é mau o tempo inteiro. Ele não é particularmente um vilão.

PERGUNTA: Por que o sr. não o classifica como um vilão?
OSMAR PRADO: Sob o ponto de vista da Igreja, Galileu era um vilão, mas para a humanidade, não. Um cientista que consegue provar que a Terra não é o centro do universo contradiz todos os dogmas da Igreja. Eu sempre olho os personagens por diversos ângulos, sob vários pontos de vista. É fundamental para mim que as pessoas não o vejam como um homem mau, mas como um representante de uma política má. Qual é o grande vilão da nossa época, Bush, Tony Blair ou Bin Laden? O grande vilão é o mercado que a tudo destrói, que tenta dizimar as culturas, acabar com tudo em função dos interesses financeiros.

PERGUNTA: Então o sr. faz um paralelo entre a crise na economia contemporânea e os interesses dos latifundiários durante o regime escravocrata?
OSMAR PRADO: Isso! O negro era um sustentáculo desse regime. Sem a mão de obra escrava, o Barão não teria se consolidado. Perdê-la seria uma pena de morte. Infelizmente, o negro foi o único elemento da tragédia humana que conseguiu ser dominado e era forte o suficiente para suportar pesados trabalhos braçais, num período em que se precisava plantar café em grandes extensões de terra. Ele era o produto de sustentação econômica do país. É isso que precisa ser analisado. O Barão apenas dá prosseguimento ao que aprendeu com o pai e com o avô.

PERGUNTA: Esse mote em uma trama de época é extremamente atual, visto que ainda há escravidão no país...
OSMAR PRADO: Sem dúvida. Em vários lugares se prende o trabalhador num local e se faz com que ele assuma uma dívida impagável. Com isso, eles ficam atrelados ao senhor da fazenda. Caso fujam, acabam morrendo. Ainda existem feitores! Até hoje não existe uma reforma agrária séria e conseqüente que possa solucionar o problema da terra.

PERGUNTA: A novela também fala de reforma agrária por meio da personagem Sinhá Moça. Como ator, de que forma o sr. analisa a contemporaneidade desse contexto em uma trama de época?
OSMAR PRADO: Para mim este é o grande barato da novela. Procuro humanizar o Barão na minha interpretação e vejo a Sinhá como a grande progressista dessa história. Ela é a representante de um pensamento generoso, de que todo homem é igual perante a Deus, e que não se tem o direito de aprisionar ninguém em prol de vantagens financeiras. Mas a novela é um folhetim e tem de ser diversão. É interessante ver isso nesse remake da Edmara e Edilene por meio do texto do pai delas (Benedito Ruy Barbosa). O Barão não esconde o que ele é. É sempre coerente com seu pensamento e não disfarça qualquer tentativa de fazer valer seus direitos, idéias e valores. Enfrenta a tudo e a todos.

PERGUNTA: Onde buscou referências nessa composição?
OSMAR PRADO: (pausa) Fiz o Barão de dentro para fora. Busquei dentro de mim, nas mais variadas informações que adquiri nesse tempo de vida. Quis fazer um Barão limpo, sem nenhum tipo de recurso estético. Ele não fuma, não tem cachimbo e nem charuto. A própria roupa e a maneira austera com que ele se veste e o certo humor que ele tem foram resgatados em mim. Procuro as minhas distorções de caráter em potencial para jogar no Barão. Trabalho muito com os olhos, com expressões corporais. É tudo muito limpo, sem enfeites.

PERGUNTA: Ou seja, o sr. utiliza sempre esse recurso de buscar informações pessoais para abastecer seus papéis. Esse tipo de composição se estende aos seus outros personagens?
OSMAR PRADO: Sempre. O ator tem dentro de si tudo o que precisa para qualquer personagem. Não é preciso buscar fora, ler livros sobre o assunto ou assistir a filmes. Evidentemente, com o cabedal cultural que se vai adquirindo ao longo da vida, com o somatório de experiências ao longo do exercício do trabalho, ele só vai aprimorando cada vez mais a capacidade de buscar dentro de si todas as possibilidades. O intérprete deve ser o imitador, o observador do comportamento humano. Um ser humano é feito do equilíbrio das manifestações humanas. Nesse personagem, busquei o Barão que há em mim. Ele está aqui. Existe potencialidade para sê-lo. Evidentemente que não quero escravizar ninguém, mas poderia, se tivesse sido criado para isso. Ou poderia ser um ditador como o Hitler. Se tivesse manifestações de dependência química, também poderia ser um Lobato.

PERGUNTA: O Lobato, em O Clone, foi um personagem de grande repercussão pelo seu confronto com as drogas. Esse tipo de "prestação de serviço" exerce influência ao aceitar um papel?
OSMAR PRADO: Não tenho ilusões com as novelas. Esse produto visa conquistar os telespectadores do horário para vender produtos anunciados. Sinceramente, não acho, por exemplo, que se discutirá a reforma agrária com o papel da Sinhá. Mas isso pode ser visto subliminarmente. O que se reflete nesta novela das seis é a liberdade de existir, de pensar. Por isso, não consigo lembrar de papéis que aceitei pela questão social, nem mesmo os meus preferidos na TV.

PERGUNTA: Nem aqueles que trazem melhores lembranças entre seus 47 personagens na tevê, em 45 anos de carreira, desde sua estréia em A Herdeira de Ferleac, em 1961?
OSMAR PRADO: (risos) Realmente não tenho papéis preferidos. Diria que alguns se destacaram, outros passaram. O Barão me traz prazer no momento. Talvez eu tenha a capacidade de convencer o público de que tudo o que faço é real. (da TV Press)




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