Foram feitas cerca de 70 entrevistas com judeus que fugiram da Europa
Anna Gedankien tem o mesmo tempo de vida que a comunidade judaica no Grande ABC: são 90 anos de história. Foi em dezembro de 1929 que os primeiros judeus vieram refazer a vida aqui na região, mais precisamente em Santo André, e desde então ajudam o arredor de onde moram crescer. A trajetória dessas famílias que formam este grupo – que já foram 150 e hoje somam 100 – está no livro que acaba de ser lançado Coragem, Trabalho e Fé – A História da Comunidade Judaica na Região do ABC Paulista (168 páginas, R$ 40). O exemplar pode ser adquirido na Arisa (Associação Religiosa Israelita de Santo André – Rua Onze de Junho, 172. Tel.: 4438-1568.)
Com a ajuda de Mireille Lerner e Eliza Leibruder, dona Anna, idealizadora do projeto e coordenadora do trabalho de pesquisa e redação do livro, realizou, durante dez anos, cerca de 70 entrevistas com judeus que fugiram da Europa no meio-tempo entre a Primeira e Segunda Guerras Mundiais. “Eles sentiam que a Primeira Guerra havia acabado oficialmente, mas não de verdade. Ainda havia muita coisa estranha no ar.” Tinham razão.
Vinham, portanto, para o Rio de Janeiro – a família de dona Anna alocou-se em Niterói – e para o Porto de Santos. “Soube que Wolf Gordon, que estava há meses no Brasil, trouxe sua família, que chegou de navio em Santos.” Uma vez em solo brasileiro, trataram de pegar o trem da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí e seguiram rumo a Santo André, onde o judeu lituano havia escolhido para viver.
Encontrou, posteriormente, outras duas famílias, os Davidvich e os Hershovich e assim iniciou-se a formação da comunidade. E uma das funções que assumiram de trabalho na região era a de mascate. “Aqui (Grande ABC) se tornou atrativo porque era um lugar em desenvolvimento, havia a promessa de abrir fábricas, principalmente em São Bernardo. Era um lugar ótimo para encontrar compradores para suas mercadorias.”
Com mais clientes, mais recursos, o que deu segurança para abrirem suas primeiras lojas, tanto na Rua General Glicério quanto na Oliveira Lima, ambas no Centro. “No momento que escutou que haviam judeus estabelecidos aqui e ao menos dez homens, o número mínimo para fazermos nossas rezas, começaram a vir famílias do Interior do Estado.”
Dona Anna, por ter visto, principalmente, memórias de outras comunidades que vieram para cá, como a japonesa, por exemplo, achou importante guardar a história deles para a posteridade. “É importante que as próximas gerações saibam o que fizemos, quem somos. Até para que não sejam antissemitas. Hoje, na França, por exemplo, está havendo um antissemitismo besta, que não sei por que existe. O que os judeus estão fazendo de mal lá? Estão fazendo o mesmo que nós aqui: procuramos viver a nossa vida, ganhar o nosso pão e contribuir para o desenvolvimento da região”, finaliza.
‘Paranapiacaba se transformou no que a gente queria’, diz Anna
Dona Anna, que há 60 anos faz parte da comunidade judaica da região – veio para o Grande ABC quando casou – fundou o Movimento Pró-Paranapiacaba e o Instituto do Patrimônio Histórico do ABC, do qual é diretora. Sempre foi ferrenha defensora de que a vila, que pertence a Santo André e pela qual se apaixonou, mantivesse seu patrimônio histórico e se tornasse ‘viva’.
Diz que há pouco visitou o local e sentiu-se muito feliz. “Estive lá há uns meses e fiquei encantada. Estava cheinha de gente como eu nunca tinha visto. A gente não tem mais onde estacionar um carro lá. Vi muita gente com carrinho de criança, pessoas com cadeira de rodas, aquilo se transformou no que a gente queria: um lugar de lazer”, comemora.
A sua única preocupação, reforça, é que se preserve o patrimônio. “Fico contente que alcançou esse público, mas é preciso que ela permaneça intacta para as próximas gerações.”
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