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Gorbachov: ordem mundial estremece ante bombas
Por Mikhail Gorbachov
Da IPS
13/04/1999 | 01:13
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Os mísseis e as bombas da Otan (Organizaçao do Tratado do Atlântico Norte) que estao sendo despejados sobre a Iugoslávia constituem uma guerra contra um Estado soberano. A Carta das Naçoes Unidas aprova uma açao deste tipo apenas para a autodefesa ou como conseqüência de uma sançao imposta pelo Conselho de Segurança das Naçoes Unidas. Nenhum desses dois casos se aplica à Iugoslávia.  

A Iugoslávia está envolvida em um processo complexo, originado em um conflito interno. Mas há dezenas de outros conflitos parecidos em curso em outras partes do mundo, alguns deles apenas latentes, outros completamente em chamas. Se a atual atitude da Otan for aplicada em todas essas situaçoes, o mundo deslizaria para uma nova Guerra Fria, cujos perigos sao imensos.  

Aqueles que querem demonstrar sua determinaçao para encarar o conflito na Iugoslávia deveriam recordar que os elementos a serem utilizados para solucionar uma situaçao deste tipo sao principalmente visao e responsabilidade. O principal problema da atual política em relaçao à Iugoslávia é a carência desses elementos. Em resumo, o defeito fundamental é a falta de um pensamento estratégico.  

Aqueles que na Casa Branca e em Bruxelas - e em um sentido mais amplo na Europa - planejaram os bombardeios contra a Iugoslávia se equivocam ao pensar que podem atacar impunemente Estados soberanos. Fazer tal coisa pode levar a um beco sem saída do qual será muito difícil escapar.  

O general MacKenzie, comandante das forças da ONU para a manutençao da paz na Bósnia, qualificou de inútil e inoperante o uso da força para resolver a crise na Iugoslávia. Esse militar conhece a Iugoslávia e os sérvios. Os bombardeios da Otan sao triplamente perigosos, porque suas conseqüências sao imprevisíveis para a Iugoslávia, para a Europa e toda a comunidade internacional.  

Nos estudos para explicar ao mundo a necessidade da operaçao militar da Otan contra a Iugoslávia fica claro que os Estados Unidos deixaram subir à cabeça sua vitória na Guerra Fria. Nos últimos anos eu tenho criticado muitas vezes a política exterior da Rússia. No entanto, apóio agora o primeiro-ministro Ievgueni Primakov porque ele está mantendo sob controle a situaçao no país. Ao mesmo tempo sua postura diante da crise da Iugoslávia é construtiva e expressa o interesse nao apenas da Rússia, mas de toda a Europa e do resto do mundo.  

A Rússia deverá continuar com a missao de paz de Primakov e manter-se em estreito contato com os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, assim como com os dirigentes dos países europeus que integram a Otan. Terá, também, que continuar um diálogo ativo com os governantes iugoslavos.  

Nao devemos colocar a Europa em perigo e, por isso, nao podemos permitir que se continue bombardeando a Iugoslávia somente porque alguns Milosevics ou seus regimes pareçam inconvenientes a alguns interesses.  É essencial que os países importantes nao atuem hoje com os critérios que foram aplicados durante a Guerra Fria. Fazer isso seria tao irresponsável como disparatado. Nos custou muito tempo e trabalho solucionar conflitos de importância menor do que o da Iugoslávia, porém com moderaçao e paciência foi possível encontrar soluçoes políticas duradouras.  

A Otan decidiu agora usar a força, e a Rússia deve advertir a comunidade internacional sobre os perigos dessa atitude. Nao é somente uma questao de "irmandade eslava". A questao é nem mais nem menos que a paz.   

Se a Iugoslávia pedir ajuda à Rússia em uma situaçao de crise, Moscou deverá analisar a possibilidade de responder a esse pedido. A natureza dessa ajuda dependerá do que for requerido pela Iugoslávia e da situaçao. Poderia ser, por exemplo, fornecimento de armas.  

As açoes da Otan na Iugoslávia revelam a verdadeira filosofia de sua doutrina militar e de sua política. Por esta razao a Rússia deveria empreender uma revisao de sua estratégia e de suas defesas, incluindo também o reexame de todos os tratados prévios.  

Quando os interlocutores da Rússia dizem uma coisa e fazem outra, quando decidem despreocupadamente bombardear Estados soberanos nós deveríamos nos perguntar: o que ganhou a Rússia ao perseguir uma política de cooperaçao mundial e de acordos? A resposta é que ganhamos apenas a dissoluçao da Uniao Soviética.  

O que poderá acontecer se a desconfiança começa a dominar nos assuntos mundiais, se sao anulados todos os acordos? Hoje em dia tudo está entrelaçado na ordem mundial: se começam a ser rompidas as conexoes existentes, as possibilidades do que pode sobrevir sao impensáveis.




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