Política Titulo Resgate à memória
Sto.André cria comissão antiditadura e tenta contrapor linha do governo federal

Comitê na Câmara foi formado com objetivo de registrar relatos de mortos e toturados durante o regime

Daniel Tossato
Do Diário do Grande ABC
29/04/2019 | 07:00
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Celso Luiz/DGABC 11/2/19


 Vereadores da Câmara de Santo André instituíram comissão provisória de assuntos relevantes tendo como principal objetivo resgatar a memória de mortos e torturados durante a ditadura militar (1964-1985) na tentativa de contrapor a linha do governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL).

O comitê, intitulado comissão de resgate da memória das vítimas da ditadura, é formado pelos parlamentares Eduardo Leite (PT, presidente), Tonho Lagoa (PMB), André Scarpino (PSDB) e Jorge Kina (PSB) e visa levar ao plenário do Legislativo pessoas que sofreram violência no período do regime militar para relatar histórias de vida.

“A ideia nasceu de uma conversa que tivemos com alguns advogados da OAB (Organização dos Advogados do Brasil) de Santo André. Com a intenção do atual presidente do País em querer negar os abusos existentes naquele tempo e até comemorar aquele período, fica claro que temos que dar voz às pessoas que sofreram algum tipo de violência durante a ditadura”, alegou o vereador Eduardo Leite.

Em 2013, a Câmara criou grupo com objeto parecido, em paralelo à Comissão Nacional da Verdade. Na ocasião, o então parlamentar José Montoro Filho, o Montorinho (sem partido), presidiu comitê municipal da Verdade, sob a ótica de levantar relatos do período na cidade e repassar essas informações ao grupo nacional, entidade vinculada ao governo federal. Na última semana, coincidentemente, Bolsonaro encerrou grupo de trabalho e perícia que investigava ossadas encontradas em vala comum na região de Perus, na Capital. O bloco, instituído por lei federal, tinha o foco de identificar os corpos de desaparecidos políticos entre as 1.047 caixas descobertas no local.

Segundo o historiador Cido Faria, 77 anos, a iniciativa realizada pela Câmara de Santo André é importante para reforçar a memória dos abusos cometidos nos anos de chumbo no Grande ABC. De acordo com Faria, a região desempenhou papel fundamental no “movimento de resistência à ditadura”, referindo-se, em especial, ao período de greve dos trabalhadores. “É nessa época que se inicia a militância de grande líderes que causam eco até hoje no meio político”, pontuou.

Entre os prováveis nomes a colaborar com a comissão de Santo André, Saulo Garlippe, 70, teve a irmã, Luisa Augusta Garlippe, assassinada em 1971 pelo regime militar e seu corpo jamais foi encontrado. “Vivi durante quatro anos na clandestinidade logo após minha irmã ser assassinada. A república onde morava, quando eu era estudante, foi invadida pelos policiais que queriam me prender”, relatou.

Garlippe, que fez vida política junto ao PT, declarou que a comissão é imprescindível para que se possa manter o respeito pela memória daquelas vítimas do passado. “Já sobrevivi a uma ditadura, estou pronto para sobreviver a outra”, afirmou.

CIA aponta que Brasil tentou liderar Operação Condor em 1970

Documentos da CIA (Agência Central de Inteligência Norte-Americana) mostram que o Brasil quis liderar a Operação Condor e só não conseguiu porque enfrentou resistência dos outros países integrantes – Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai e Bolívia. Os serviços de segurança brasileiros resolveram, então, manter-se ‘na periferia’ da organização criada nos anos 1970 para capturar e assassinar opositores políticos exilados.

Os papéis reproduzem até o acordo que formalizou, em 1976, a repressão conjunta na América do Sul. A CIA sabia ainda, “por uma fonte confiável brasileira”, de “um acordo entre o Brasil e a Argentina para caçar e eliminar terroristas que tentassem fugir da Argentina para o Brasil”. O trato teria sido feito após o golpe de 24 de março de 1976, que pôs no poder, no país vizinho, a junta militar liderada pelo general Jorge Rafael Videla.

O alcance da participação brasileira na Operação Condor sempre foi motivo de polêmica. Fontes militares afirmam que esse papel era de eventual troca de informações e treinamento, a fim de combater grupos subversivos e opositores políticos que agiam nos países da América do Sul. Eventualmente, admitem ter apoiado militares de países vizinhos em operações no País.

“Esses papéis são muito importantes até porque a política do governo brasileiro (Ernesto Geisel) de então não era tão agressiva quanto às da Argentina e do Chile. A ação do Brasil, porém, nessa área internacional é menos conhecida, pois aqui os arquivos militares nunca foram abertos”, disse o historiador Daniel Aarão Reis, da Universidade Federal Fluminense.

Os documentos norte-americanos dizem que, no entanto, o Brasil chegou a ser integrante da operação e não só observador. A reportagem procurou o Exército e o questionou sobre os papéis da CIA. Eis a resposta: “Não há nos arquivos do Exército brasileiro documentos e registros sigilosos produzidos entre os anos de 1964 a 1985, tendo em vista que foram destruídos, de acordo com as normas existentes à época”.

Os documentos da CIA fazem parte do Projeto de Desclassificação Argentina, do governo norte-americano, e incluem mais de 40 mil páginas. Duas dezenas delas fazem menções ao Brasil e a sua participação na Operação Condor. Datada de julho de 1976, uma das primeiras é um relatório sobre “recentes ataques contra esquerdistas exilados na Argentina”.




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