Setecidades Titulo Reinserção de jovens
Ações socioeducativas são falhas na região
Por Bia Moço
Especial para o Diário
22/04/2018 | 07:00
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 “O crime vicia”, destaca João (fictício), 19 anos, ao tentar justificar quatro passagens pela Fundação Casa ao longo de sua adolescência. Morador de São Bernardo, ele revela que a escolha de abandonar o mundo do roubo e do tráfico de drogas se deu apenas quando atingiu a maioridade, por medo da reclusão em presídio. Hoje, ele é um dos 295 jovens inseridos em programa de atendimento socioeducativo em meio aberto em quatro cidades da região (Santo André, São Bernardo, São Caetano e Ribeirão Pires). O serviço, realizado em parceria entre municípios e Estado, ainda encontra dificuldades para cumprir sua função, muito pela falta de recursos e de trabalho capaz de promover a reinserção social de forma completa.

“Por que vou trabalhar 30 dias, durante oito horas, para ganhar menos de R$ 1.000, se no tráfico tiro muito mais fazendo pouco?”, questiona João. “Hoje penso que isso não vale de nada. Prefiro trabalhar duro e dar valor a cada centavo, mas quem está com a cabeça no crime, mesmo que cumpra as medidas socioeducativas, demora para mudar o pensamento”, explica o jovem.

As medidas socioeducativas em meio aberto são regulamentadas pelo Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo) – Lei 12.594/2012 – e destinadas a adolescentes que cometem atos infracionais, exceto nos casos de grave ameaça ou violência à pessoa, quando o menor deverá ser internado em unidade da Fundação Casa mais próxima de seu local de residência.

A lei determina que os programas de atendimento socioeducativo devem oferecer desde programa psicossocial até auxílio de equipe multiprofissional com perfil capaz de acolher e acompanhar os adolescentes e suas famílias em suas demandas. Na prática, entretanto, faltam recursos adequados, profissionais e o acompanhamento necessário.

“Os programas sozinhos não podem fazer milagre. Eles precisam de número adequado de profissionais, de apoio das áreas de Educação, Saúde, Assistência Social, escolas técnicas, de projetos de estágios e aprendizagem e programas de bolsas de estudos”, considera o advogado e coordenador da Comissão da Infância e Juventude do Condepe (Conselho Estadual de Direitos Humanos), Ariel de Castro Alves. Além disso, a efetividade do trabalho depende do acompanhamento dos jovens. “Muitas vezes o jovem diz aos educadores que está estudando e trabalhando, quando na verdade está envolvido em crimes e com drogas”, completa.

“As medidas socioeducativas fazem diferença, mesmo que demore, uma hora entra na cabeça deles que a vida não é o que eles pensam. Só que não é tão rápido, infelizmente leva muito tempo para funcionar”, destaca Ana (fictício), 62, a respeito da neta, Júlia (fictício), 18, mulher de João, também com quatro passagens pela Fundação Casa e que hoje cumpre medida socioeducativa. “Agora ela terá oportunidade”, confia a avó.

Em sua última reclusão, Júlia passou um ano e oito dias na Fundação Casa de Pirituba, na Capital. “Ficar tanto tempo longe das pessoas que amo mexeu profundamente comigo. Quando sai, cumpri a liberdade assistida e, aos poucos, fui vendo que eu não queria mais aquela vida para mim”, observa a jovem, grávida de 7 meses. “Hoje, a única coisa que penso é que quero dar uma vida diferente ao meu filho. Quero que ele seja criança, que brinque, seja feliz e jamais, nunca nessa vida, faça as besteiras que eu e seu pai cometemos”, comenta.

 

Taxa de reincidência de adolescentes é de 20%

De acordo com a Fundação Casa, as medidas socioeducativas em meio aberto tendem a diminuir a reincidências dos jovens ao crime. Dados da instituição apontam que a taxa de menores que voltam para o mundo do crime é de 20%.

Para o advogado e coordenador da Comissão da Infância e Juventude do Condepe (Conselho Estadual de Direitos Humanos), Ariel de Castro Alves, entretanto, o índice de jovens que retorna para o crime ao invés de mudar de vida poderia chegar a 10%, caso houvesse investimento nos programas de reinserção social mantidos pelas prefeituras.

Entre as sete cidades, São Bernardo concentra o maior número de menores em programas de reinserção social – 194. Na sequência, aparecem Santo André (68), São Caetano (30) e Ribeirão Pires (três).

Já em relação aos jovens internados nas sete unidades da região, o número era de 391 em 2017, índice 7,12% maior do que em 2016. A única unidade de semiliberdade fica em São Bernardo e pode atender 20 jovens, no entanto, concentrava 24 no ano passado.

 

Longe do crime, casal planeja vida nova com a chegada de bebê

Júlia (fictício), 18, e João (fictício), 19, se conheceram no mundo do crime e contaram com a ajuda de surpresa inesperada para decidir mudar de vida. Os dois acreditam que a gravidez de Júlia, hoje com 7 meses de gestação, foi um presente, que os fez despertar para uma nova trajetória, longe das drogas, do tráfico e do roubo.

Com sorriso largo e brincalhão, João revela que conheceu as drogas aos 12 anos, pouco antes de ser incentivado a praticar roubos. “Meus amigos me chamaram para meter um BO (roubar, na gíria do crime). Lembro quando assaltamos os comércios de uma avenida inteira. Quando conheci o tráfico, vi que podia ter grana fácil. Só que tive consequências por conta desse deslumbre”, diz.

Ao lembrar das internações na Fundação Casa, ele diz que se arrepende. “Dormia no chão, me deixavam sem comer, sem banho, no frio. Para que passar por isso se posso viver livre? Cansei de correr de polícia, de ter medo e de ver minha mãe chorar”, ressalta João.

 

SONHO

Já Júlia revela sonho de ser estilista. Filha de pais separados, ela passou a viver com o pai e a madrasta aos 5 anos. A jovem se recorda de ir, diariamente, com o pai a beco, onde ele dizia que buscava remédio para dor de cabeça enquanto consumia cocaína. “Quando estava com 10 anos briguei com minha madrasta e meu pai me bateu demais. Estava com dor de cabeça, fui ao armário dele e encontrei o remédio. Usei tudo. Fiquei quase um dia inteiro alucinada. O desastre da minha vida começou ali.” Aos 11, ela passou a traficar e a roubar. “Naquela época estava com a cabeça virada. Saíamos da Fundação Casa revoltados. Não queria saber de nada.”

 

 




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