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Economia perde de goleada da política

Qualquer semana dessas, se estiver com a macaca, vou aferir o total de caracteres...

Daniel Lima
06/09/2015 | 07:00
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Qualquer semana dessas, se estiver com a macaca, vou aferir o total de caracteres, de palavras, dos textos dedicados à política partidária e compará-lo ao material publicado sobre a economia regional neste Diário. Para dizer a verdade, nem preciso dar a esse trabalho. A diferença é flagrante. Vivemos a maior crise econômica da região em todos os tempos e seguimos, como no passado, cedendo espaços generosos demais ao varejismo político-partidário-eleitoral. Ainda se fossem, em larga parte, sobre gestão pública no sentido nobre do termo, seria possível atenuar o desastre.

Os jornais da região se repetem na generosa cobertura de assuntos políticos cuja importância restringe-se a poucos agentes. Dá-se valor demais a uma atividade muito mal vista pelos leitores. Basta recorrer às pesquisas sobre o que os brasileiros menos respeitam: os políticos lideram a tabela de ponta cabeça. No caso do Grande ABC, a submissão do noticiário econômico à espacialidade privilegiada de gente que não sai da zona do agrião da política pela política é demais.

Este Diário dará um salto em direção à sociedade consumidora de informações se decidir equilibrar esse jogo. Menos política, mais administração pública, mais economia regional. Eis uma conjugação perfeita para que a Carta do Grande ABC não patine – como está a patinar.

Estatísticas furadas

Também este Diário daria um peteleco nas fontes de informações interesseiras se passasse a questionar determinados indicadores econômicos. O balanço mensal da Fipezap sobre o mercado imobiliário é enrolação sofisticada. E todo mundo cai no conto de dados edulcorados. A realidade das ruas, das construções, é muito mais grave do que quer fazer crer essa instituição das Organizações Globo e mantida no cabresto por grandes construtoras, muitas das quais em decomposição por causa da retranca nas vendas e a aceleração de distratos. A queda média do valor do metro quadrado no Grande ABC – e qualquer corretor de imóveis sabe disso – ultrapassa a 20% nos últimos 12 meses. Pior que isso só a constatação que não há compradores.

Consumo desmilinguido

Aliás, este Diário sabe muito bem que a maré não está para peixe. Tanto que noticiou na edição de sábado passado que o comércio da região perdeu R$ 618 milhões em vendas neste ano. E vai perder muito mais. Instituições especializadas e sem rabo preso com anunciantes e mandachuvas da mídia projetam números ainda mais tenebrosos. Falta salário, sobra inflação e escasseia crédito. Uma infernalíssima trindade.

Por essas e por outras quando este Diário publica como publicou na edição de domingo passado que supermercados planejam expansão na região há algo de estranho no ar. Quem vai pagar a conta desses novos investimentos? É claro que os pequenos comércios. Então, por que os pequenos comércios não foram ouvidos. A reportagem deixa vácuo em cada parágrafo.

Milagre em serviços

Pior mesmo durante a semana foi digerir a informação do Dieese/Seade sobre o saldo de 30 mil vagas de trabalhadores no setor de serviços da região em julho, em contraste com o quadro metropolitano de perda de 103 mil postos de trabalho. Independentemente da metodologia, o contraste entre um Grande ABC em crise maior que a Grande São Paulo, porque somos dependentes demais do setor automotivo, não poderia deixar de ser questionado. Nenhum jornal fez uma pergunta simples ao emissário de boas notícias da Fundação Seade e do Dieese: afinal, de onde saíram tantas vagas se é generalizada a crise no País? A explicação e a prova de que os números não são surreais mereceriam a manchetíssima da edição, não a veiculação da matéria em estado bruto.

Mauá encalacrada

Também o crescimento demográfico na região, publicado em reportagem da edição de sábado, 29 de agosto, poderia ser mais explorado. Faltou o que tem faltado à quase totalidade das matérias: contextualização em termos estaduais e nacionais. Não se deu, por exemplo, importância ao fato de Mauá ter explodido com o maior avanço relativo na região ao atingir 24,74% no período de 15 anos completados em 2014. Quase 40% acima da média regional. Por que Mauá cresce tanto e para onde tem se dirigido esse contingente? Rio Grande da Serra cresceu 30,23%, mas o menor município da região, com 48 mil habitantes, não altera a regra do jogo de forma tão expressiva quanto Mauá.

Bandido vira suspeito

Para completar, o que chamaria de pré-judicialização de reportagens foi abalroada pela efervescência de fechamento editorial na edição de terça-feira. Na página de Setecidades o que foi chamado de suspeito de assalto e agressão na Avenida Dr. José Fornari virou bandido quando transposto à chamada de primeira página. Quem errou? Quem meteu no noticiário que o eletricista Fernando Nascimento dos Santos, embora tenha agredido e assaltado a assistente social Rosa Maria de Lima Costa, arrancando-a do veículo e atirando-a ao chão, não passava de suspeito. A reportagem não deixa dúvidas sobre o autor do crime. A inexplicável suspeição foi descartada na primeira página. Há circunstâncias em que o excesso de zelo jurídico vira bomba de contrassenso jornalístico.

* Daniel Lima é jornalista responsável pela revista digital CapitalSocial. 




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