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Bairro Eldorado tem projetista de cinema

Ananias Barbosa, 62, trabalha em salas de exibição desde 1966 e hoje atua em Diadema

Yara Ferraz
Do Diário do Grande ABC
26/05/2015 | 07:00
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Denis Maciel/DGABC


O bairro Eldorado, em Diadema, está localizado às margens da Represa Billings, com belas paisagens e concentrações de casas. É nele que fica o único cinema público da cidade, o Cine Eldorado.

O responsável pela projeção dos filmes é Ananias Mendes Barbosa, 62 anos. Ele trabalha com a sétima arte desde 1966, quando encontrou emprego no antigo Cine Esplanada, localizado na Avenida São João, Centro da Capital. “Tinha 13 anos e estava procurando emprego. Foi quando vi essa vaga. Era para ficar vendendo doces dentro da sala, mas topei”, contou.

Com o tempo, Barbosa foi chamado para aprender o ofício de projetista. Mesmo assim, nunca imaginou que ia se tornar um. “O dono do cinema, um italiano, me falou: ‘Moleque, quer aprender como o filme aparece na tela?’. Claro que quis”, disse.

Com menos de um ano de emprego ele era responsável por colocar as películas de 35 milímetros no projetor e iniciar a sessão. Desde então, não parou mais. “Um dos primeiros filmes que vi foi Ben Hur. Tive a oportunidade de transmiti-lo aqui. Faço o que amo, isso não tem preço.”

Com o fim da maioria dos cinemas de rua, Barbosa chegou a trabalhar em uma das grandes redes, que mantém a maioria das salas dentro de shoppings. Em 2008, recebeu a proposta para trabalhar no Cine Eldorado e topou. O que o motivou a fazer isso foi justamente a paixão pelo ofício. “Foi por acaso que recebi a proposta, mas me emocionei ao saber que ia trabalhar de novo em uma sala de rua. Sem falar no bem que faz para a comunidade”, disse.

A maioria dos filmes exibidos no local não faz uso da película. A programação é composta por longas infantis e de ação que já chegaram à locadora por conta de um acordo para não violação de direitos autorais. Quando ele fica com saudades, não hesita: pega uma película de um clássico e relembra sua trajetória no cinema. “Apesar de a maioria ser em DVD, conseguimos algumas películas por meio da parceria que temos com o Sesc (Serviço Social do Comércio), quando fazemos algumas mostras. Recebemos as películas e ele fica todo feliz em colocá-las no projetor”, disse o coordenador do espaço, Diego Souza, 24.

Barbosa já chegou a receber proposta para trabalhar no Sesc, mas não topou. O motivo é que bem no dia da entrevista o espaço ia exibir uma sessão em película do filme Lula O Filho do Brasil. Não podia perder isso, foi histórico. Gostei do filme, mas achei que faltou muita coisa da história dele.”

Entre os títulos preferidos do projetista estão O Poderoso Chefão e os filmes da franquia 007. Os atores preferidos são Arnold Schwarzenegger e Jean-Claude Van Damme. “Já gostei muito de comédia, mas atualmente o pessoal não sabe fazer filmes bons, como os clássicos”, opinou.

LAZER

O Cine Eldorado fica na Rua Frei Ambrósio de Oliveira Luz, 55, e funciona de terça-feira a domingo. O espaço é mantido pela Prefeitura e tem entrada gratuita com direito a pipoca.

Os ingressos devem ser retirados com meia hora de antecedência. A programação pode ser consultada na página do Facebook.

Lucilene ajuda mulheres que sofrem violência dentro de casa

Pelas ruas do bairro Eldorado, é comum encontrar Lucilene Santos, 28 anos. Ela visita casas de famílias que têm mulheres em situação de violência doméstica na tentativa de reverter esse quadro.

Lucilene cresceu no bairro e, desde pequena, observava a situação das mulheres da vizinhança, o que a fazia questionar muitas coisas. Começou a frequentar as oficinas da ONG (Organização Não Governamental) Beija Flor em 2003, após convite de dois amigos, e a experiência acabou mudando a sua vida. “Me identifiquei muito com a linguagem do hip hop de cara. Comecei a fazer aulas, mas também fiquei próxima da comunidade e fiz oficinas nas áreas social e de filosofia. Isso me deu mais forças para os meus questionamentos e a minha vontade”, explicou.

Quando ela começou a trabalhar na ONG, ouviu os primeiros relatos da situação das jovens frequentadoras. Lucilene passou a visitar a casa dessas famílias em 2005, sendo que hoje já esteve em mais de 50 com as mesmas características. “São histórias de abusos sexuais, assédio, entre outros tipos de violência. O que me incomodava é que, para as vítimas, era tudo muito natural, como se o companheiro ou o pai tivesse poder sobre elas e as mulheres tivessem a obrigação de ser submissas”, disse.

Para ajudá-las, a ONG tem parceria com a Casa Beth Lobo, entidade da Prefeitura que auxilia vítimas de violência. No Sítio Joaninha também há um núcleo que ampara as mulheres.

O trabalho de Lucilene não é fácil e acaba sendo exaustivo. “Já fui agredida por maridos durante as visitas. Em alguns casos precisei fazer intervenções para evitar a agressão. Muitas delas têm medo de denunciar e de serem mortas. Tento mostrar que, com a recuperação da autoestima, elas podem mudar essa situação.”

Lucilene também ajuda a disseminar a igualdade de gêneros em aulas de hip hop. “Muitos meninos chegam aqui e torcem o nariz quando sou eu dando aula, porque é uma mulher. Mas não tem isso aqui, no hip hop todo mundo é igual. É importante que aprendam esse respeito na vida, para evitar situações de violência no futuro”, disse.

Davi ensina percussão para crianças

Davi Anderson Silva, 33 anos, mora desde criança no Eldorado. Atualmente dá aulas de percussão para crianças carentes, mantendo a tradição do samba viva na família.

O pai de Silva, Paulo Tadeu Benedito, 64, foi o fundador da primeira escola de samba do bairro, em 1985, a Unidos do Marajá. A escola mudou de nome duas vezes e hoje é conhecida como Eldorado Estação do Samba. “A gente veio para cá de Guarulhos e como todo mundo aqui gostava do ritmo, meu pai montou a agremiação”, contou.

Silva disse que, apesar de gostar de música, nunca se imaginou trabalhando com ela. Mas, por acaso, teve de ajudar a escola como mestre de bateria em um desfile. “Chamamos uma pessoa de São Paulo para executar essa função. Na avenida ele não foi muito bem e a escola perdeu pontos. Foi aí que ficaram insistindo para que eu assumisse e acabei cedendo.”

Nos dois anos em que Silva comandou a bateria, a escola ganhou o estandarte de ouro pela melhor harmonia da avenida. Há dois anos sem desfile de Carnaval em Diadema, ele se entristece pela comunidade. “Não faz sentido ensaiar. É uma pena porque os moradores sentem falta.”

Trabalhando como operador de máquina, ele foi convidado por um amigo para atuar na ONG (Organização Não Governamental) Beija Flor. Não aceitou de início, mas, com a demissão do emprego, acabou entrando na música de vez.

Hoje dá aulas para mais de 40 crianças em três períodos. Ensina técnicas com as baquetas que estimulam a coordenação motora e ritmos como samba reggae, música latina e a bateria da escola de samba.

Silva sabe que faz a diferença para os pequenos, mas um caso que não deu certo o deixa triste. “Tem um aluno meu que começou aqui aos 9 anos e hoje tem 20. Ele usava drogas e vivíamos conversando. Um dia ele participou de um assalto, matou uma pessoa e foi ferido. Fui vê-lo no hospital e ele estava algemado. Hoje a gente se fala por carta e é uma história que sempre penso para motivar o meu trabalho em prol do futuro deles.” 




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