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Sarney não faria Plano Cruzado hoje
Por Eduardo Reina
Do Diário do Grande ABC
14/03/2005 | 14:21
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Às vésperas de completar 20 anos do início da chamada Nova República, o ex-presidente e hoje senador José Sarney (PMDB-AP) revela que a publicação antecipada da exoneração dos ministros do governo João Figueiredo, em 14 de março de 1985, evitou que os militares tivessem a possibilidade de continuar no poder, uma vez que o eleito pelo Colégio Eleitoral, Tancredo Neves, estava gravemente doente e internado no Hospital de Base de Brasília.

Outro episódio sobre a passagem para a redemocratização do país divulgado pelo senador foi a reunião dos ministros do STF (Supremo Tribunal federal) na noite do dia 14, que resultou no aval para que o vice naquela época, José Sarney, assumisse a presidência no dia seguinte. “Fiquei com profundo receio do que poderia acontecer. Às 3h, em plena madrugada, lavraram uma ata garantindo que o processo seria concluído e o vice assumiria, de acordo com o que previa a Constituição”, explicou Sarney na sexta-feira, durante gravação do programa Roda Viva, da TV Cultura. A entrevista irá ao ar nesta noite, às 22h30.

José Sarney governou o Brasil de 1985 a 1990. Foi o primeiro presidente civil depois da ditadura militar (1964-1985), eleito na chapa encabeçada por Tancredo Neves, que morreu sem tomar posse na presidência. O senador fez profunda reflexão sobre o período do primeiro governo civil no Brasil após os anos de chumbo. A história teve início com a escolha de Tancredo Neves para a sucessão do general João Figueiredo no Colégio Eleitoral. “A transição é a maior obra de engenharia política no Brasil”, alega Sarney, que em várias passagens citou o deputado Ulysses Guimarães como interlocutor de ações com os militares e a direita no país que resultaram na redemocratização brasileira.

Aliás, José Sarney apostava na dobradinha Ulysses Guimarães e Aureliano Chaves para sua sucessão, que resultou na eleição de Fernando Collor de Mello. “Meu desejo era a chapa Ulysses e Aureliano. Juntos, teriam mais de 20% dos votos e iriam para o segundo turno com Collor. Lula teve 16% no primeiro turno. Ulysses era o candidato. Acredito que ganharia a eleição com essa composição”, destaca.

Outra curiosidade no processo de definição do candidato do então PDS (Partido Democrático Social) para a disputa no Colégio Eleitoral: em 1984, Sarney, então presidente do PDS, viu a maioria do partido impor a candidatura de Paulo Maluf para concorrer com Tancredo. Em reunião nacional do PDS naquele mês de março, ele diz que chegou a ser ameaçado e foi armado com um revólver ao encontro que escolheria Maluf candidato do PDS. “Tivemos uma reação contra a candidatura de Maluf. Alguns adeptos de Maluf se excederam e disseram que iriam usar violência. Outros falaram que iriam me tirar a tapa da presidência (do partido). O sangue de nordestino subiu e achei prudente que fosse armado. Não é do meu feitio, não é do meu jeito. É uma coisa que choca, mas aconteceu”, revela. Paulo Maluf disputou com Tancredo Neves no colégio eleitoral e perdeu.

José Sarney, que prepara livro de memórias políticas a ser lançado até o final do ano, disse que a inspiração para o Plano Cruzado veio de notícia sobre plano econômico heterodoxo adotado pelo governo de Israel. “O Pérsio Arida foi para Israel ver como eram as coisas. Falei com o ministro do Planejamento, João Sayad, e saiu o Plano Cruzado”, conta.

Mas o Plano Cruzado, mesmo com a popular figura do “fiscal do Sarney”, que virou símbolo da defesa da cidadania, não deixou o então presidente da República contente. José Sarney observa que o maior erro do plano foi instituir o gatilho, índice de reajuste salarial que era acionado toda vez que a inflação ultrapassava determinado patamar. No entender do senador, o gatilho inviabilizou o plano econômico porque manteve a indexação da economia e reduziu as possibilidades de combate à inflação.

Outra confissão surpreendente sobre a área econômica refere-se ao Plano Cruzado 2. “Preferiria cortar a mão do que assinar o Cruzado 2. Esse plano custou muito caro (ao país)”, justifica.

Mas nenhuma das revelações sobre os planos econômicos superam o arrependimento sobre a decreto de moratória, em 1987. “Foi uma decisão errada”, confessou Sarney, para quem, hoje, seria melhor ter chamado os bancos credores para negociar.

Já no campo político atual, ele argumenta que, apesar de algumas divergências internas, o PMDB apóia o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e já comanda os ministérios necessários. Sobre a possibilidade de sua filha, a senadora Roseana Sarney (PFL-MA) virar ministra, é enfático: “Não sei. Ela (Roseane) caminha com as próprias pernas. Ela não vai poder vir para o PMDB”, afirma o senador.



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