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Bacurau: se for, vá em paz

Resistência e união mostram que o longa ‘Bacurau’, em cartaz nos cinemas a partir de quinta, é essencial

Miriam Gimenes
Do Diário do Grande ABC
26/08/2019 | 07:50
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Victor Jucá/Divulgação


Não dá para identificar em que ano se passa a história retratada no filme Bacurau, que entra em cartaz quinta-feira nos cinemas e é um dos mais cotados para representar o País no Oscar 2020. O que se sabe é que ele está em um futuro não muito distante e, embora uma placa que aparece ainda no início da trama indique que os visitantes do local levem paz, isso é o que menos existe nessa cidade com o nome de um pássaro bravo e que fica no sertão de Pernambuco.

Idealizado por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles há dez anos, o contexto conversa com a atualidade. Bacurau é um pequeno povoado que, sem explicação, some do mapa. Até mesmo o prefeito, Tony Júnior (Thardelly Lima), só se preocupa com o local, que pode ser definido em uma rua, quando se aproxima as eleições e leva alguns ‘donativos’ – se é que livros velhos e alimentos vencidos podem assim ser chamados.

Como a violência é uma realidade histórica no local, que tem Lunga (Silvero Pereira) como líder, uma espécie de Lampião – a associação com o cangaceiro, para quem assistir, será mais clara no fim do filme –, matar é questão de sobrevivência.

E, ao mesmo tempo em que se percebe que a cidade sumiu, sem explicação, situações estranhas começam a ocorrer. Forasteiros aparecem para especular sobre o local e mortes passam a ocorrer a esmo – além da presença de um drone que mais parece um disco voador, que segue alguns moradores. A saída é a união e resistência do pequeno povoado para combater esse inimigo, até o fim da trama, desconhecido.

A linguagem do longa, um tanto diferenciada, carrega as cores do sertão, as agruras de quem tem de lutar até para encher um copo de água e a consciência de que a vida é quem encaminha a conduta dos indivíduos. E vem a pergunta: para um lugar onde só se viu violência, o que fazer para se defender? Há de se refletir.

É isso que pede Sônia Braga, que há tempos tem um discurso de resistência e no longa assume o papel de Domingas, uma médica respeitada no povoado que luta para que as pessoas fiquem vivas. “Tenho esperança que esse filme venha a trazer uma revisão, que as pessoas assistam e se coloquem no ponto de rever o Brasil, as nossas necessidades. Porque no fundo todos queremos a mesma coisa, pessoas com comida no prato, crianças estudando... Então como a gente vai recomeçar isso? Eu tenho esperança, como artista, que Bacurau abra uma discussão, que a gente volte a conversar e realmente encontre um caminho, e rápido, porque, se não encontrarmos, o mundo acaba em dez anos”, analisa a atriz, que completou dizendo que dedicou a sua personagem à ex-vereadora de Rio de Janeiro Marielle Franco, do Psol, assassinada no ano passado.

Já Mendonça, que ao lado de Dornelles tem divulgado o filme há três meses, inclusive no Festival de Cannes, onde ganhou o Prêmio do Juri, diz que a ideia nunca foi passar mensagem. “O próprio Lunga é um assassino. O Pacote (Thomás Aquino, um dos protagonistas) é um herói relutante, porque antes era um assassino e quer esquecer disso. E é deste tipo de nuance que eu gosto. Não trabalho com mensagens.” Só que o povoado, que conversa bem com todos os tipos de pessoas – de prostituta a professor –, é defensor da cultura, rechaça políticos egocêntricos, não é preconceituoso e tem senso de união. Com isso apresentado, o diretor quer que o público tire suas próprias conclusões.

Dornelles é mais direto. “As motivações dessa construção vêm deste mundo todo troncho e errado que a gente está cansado de viver. E acho que ao mesmo tempo a gente gosta de fazer cinema, quer se divertir, precisamos ser um pouco cínicos para lidar com certas coisas que estão nos machucando, agredindo e jogar isso na tela, uma espécie de resposta disso. Vivemos em um País muito rico em absurdos, em contradições, em violência e em deseducação. Isso tudo daria alimento para mais de 2.000 filmes, Bacurau é só mais um.” Amanhã será sabido se ele é ‘só mais um’ ou se poderá representar o País em Los Angeles.  




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