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Região conta com 1.130 moradores de rua

População é flutuante entre os municípios; cidades dispõem de apenas 490 vagas em albergues no inverno

Por Aline Melo
Diário do Grande ABC
13/08/2018 | 07:00
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Nario Barbosa/DGABC


As administrações municipais estimam que 1.130 pessoas vivam em situação de rua em cinco das sete cidades do Grande ABC. O número de vagas em albergues, no entanto, é de apenas 490 nas cidades citadas durante o inverno (nos outros meses, são 365 disponíveis). Ou seja, a média é de 2,32 pessoas por vaga. As prefeituras intensificam as ações de atendimento a esse público durante a estação.

Santo André acolhe a maior população: 370 pessoas. A administração destaca que esse número é a soma entre acolhidos, itinerantes e os que optam em permanecer nas ruas. A cidade conta com 95 vagas de acolhimento noturno, podendo ser ampliado para 130 caso haja necessidade. Em noites frias é intensificado o serviço de abordagem social e do Centro POP (Centro Especializado de Referência para População em Situação de Rua).

Desde o fim de maio, na Operação Inverno, equipes da Secretaria de Cidadania e Assistência Social procuram sensibilizar essas pessoas a acessar o espaço de convivência para higiene pessoal, alimentação, encaminhamento para albergue conveniado e inserção em acolhimento na rede socioassistencial.

O Centro POP atende todos os dias, 24 horas. É ofertado à população em situação de rua atendimento técnico especializado (acolhida, orientação e/ou encaminhamento, articulação com rede socioassistencial e demais órgãos do Sistema de Garantia de Direito).

Em São Bernardo, a Operação Cobertor que Salva intensifica no inverno as abordagens e a oferta de serviços de acolhimento; e amplia as 150 vagas (130 masculinas e 20 femininas) do Centro de Acolhimento 24 horas, na Vila Scopel, com mais 70 vagas para acolhimento noturno e outras 30 na Moradia Provisória, no Riacho Grande. Em casos emergenciais, mais espaços são disponibilizados. Em julho, foram atendidas 360 pessoas.

Mauá estima ter 350 pessoas na cidade em situação de rua e conta com apenas 25 vagas em albergue, ampliadas para 50 durante a Operação Inverno, quando equipe composta pela Secretaria de Promoção Social (Centro POP e Albergue), Segurança Pública (GCM e Defesa Civil) e Saúde (Samu) atua na abordagem e conscientização das pessoas. São feitos, em média, 1.800 atendimentos por mês. As abordagens são diárias, com atendimento no Centro POP e encaminhamentos para serviços públicos, quando necessário.

Em São Caetano, existem 45 vagas de albergue para população estimada em 51 pessoas. O Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) realiza abordagens de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h, com intensificação nos meses mais frios. “A abordagem social realizada com equipe multidisciplinar leva para locais de acolhimento itens de higiene e alimentação, e a Secretaria da Saúde disponibiliza serviços quando necessário”, relata a administração, em nota.

Ribeirão Pires tem a menor população entre as cidades da região, com apenas oito pessoas em situação de rua, porém, “recebe cidadãos de outras municípios que se deslocam durante o dia para pedir esmolas e retornam para seus locais de origem”, informa a Prefeitura. São ofertadas 50 vagas para abrigamento noturno na ONG Casa de Acolhida, e o serviço teve aumento de 40% na procura este ano.

As abordagens são feitas diariamente na região central nos períodos mais frios. Nos outros meses, ocorrem três vezes por semana. Além das vagas na ONG, o Creas presta atendimentos a essa população. Em todas as cidades, o abrigamento para homens e mulheres é feito de maneira separada. Diadema e Rio Grande da Serra não responderam.

Movimento cobra políticas de inserção no mercado de trabalho

Coordenador no Grande ABC do MNPR (Movimento Nacional de População de Rua), Reginaldo Alexandre Alves faz diversas críticas ao atendimento prestado a essa população no Grande ABC. Há cerca de dez meses vivendo nas ruas, Alves utiliza os serviços de São Bernardo e cobra políticas mais efetivas para reinserção dessas pessoas ao mercado de trabalho.

“Sou arte-educador, tenho formação, e assim como eu muitos poderiam estar trabalhando”, afirma. “As políticas para atendimento deste grupo, tanto em âmbito estadual quanto nacional, prevê que isso seja feito, mas fica só no papel”, reclama ele.

Alves questiona também alguns critérios adotados pelos serviços municipais de abrigamento. “Não raro, pessoas que tiveram algum tipo de problema, seja de convivência, seja por uso de droga, passam longos períodos sem poder utilizar o serviço”, pontua. Na avaliação do coordenador, essa medida acaba afetando quem mais precisa. “Observamos também que muitas vezes as pessoas têm algum tipo de distúrbio psicológico, e nem sempre contam com atendimento adequado”, completa.

O MNPR promove, neste mês, três eventos destinados a conscientizar e levantar necessidades dos moradores de rua. Dia 19, às 13h, na Praça da Sé, no Centro de São Paulo, haverá ato político, que se repete no dia 22, também às 13h, no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (Rua João Basso, 231, Centro de São Bernardo). No dia 23, uma marcha vai da prefeitura de São Paulo até a Câmara, às 11h. “Teremos várias atividades de conscientização e também para levantar demandas da população em situação de rua”, diz Alves.

“Queremos agregar um número cada vez maior de pessoas ao movimento. Não é porque está vivendo na rua que o cidadão não pode se organizar e lutar pelos seus direitos. Sem informação, moradores de rua aceitam que existem prazos de permanência em equipamentos públicos, o que não está previsto na lei, por exemplo”, cita.

Convencimento é feito aos poucos, diz agente

São 20h30 de uma quinta-feira, no Centro de Santo André. A noite está fria e com vento, prenunciando chuva. A equipe de agentes de apoio da Casa Amarela se prepara para mais uma abordagem à população em situação de rua. A primeira pessoa encontrada é Samir de Lima Rodrigues, 40 anos, que há dois anos vive nas ruas e olhava carros na Praça do Carmo. Após longa conversa com as agentes, aceita ir ao equipamento para tomar banho e trocar de roupas. Concorda também em conversar com a equipe de reportagem enquanto toma um lanche.

Natural de Santo André, Rodrigues tem duas filhas. Formado em Engenharia Mecânica, acabou nas ruas por causa da dependência do álcool. “Já bebi um pouco hoje, não vou mentir. Aprendi com meus pais que mentira é coisa do diabo”, relata. Ele já é um velho conhecido da equipe, mas nem sempre aceita passar a noite ou o dia no equipamento público. “Os funcionários são muito bons, mas às vezes as pessoas bebem demais, usam drogas, é complicado”, justifica.

O andreense desconversa quando é questionado sobre o motivo que o levou para as ruas. “Brigas, né? Muitas brigas. Minha mulher é alagoana, sabe como é. Mas nunca relei a mão nela. Só que da última vez ela puxou o facão para mim. Nisso ninguém acredita, né?”, conta. Rodrigues queria esperar o fim da missa para receber algum dinheiro por ter vigiado os veículos. “Se saio sem receber, sei que amanheço tremendo (de vontade de beber)”, conclui.

“É uma população que não é enxergada, é invisível. Quando a gente começa a conversar, conhecemos advogados, professores, engenheiros. As histórias são muitas, mas sempre começam com rompimento de vínculos”, explica a agente de proteção social Nilza Camacho Cardoso, 49. “É um trabalho de convencimento feito aos poucos. A gente conversa, fica atenta para identificar algum risco”, ressalta.

A equipe também aborda um casal, que não aceita ir ao albergue, mas recebe água, alimentos e cobertores. Nilza relata que quando as pessoas que estão há muito tempo sem qualquer assistência aceitam ir ao equipamento, tomam banho e trocam de roupa, recuperam a sua dignidade “É esse tipo de coisa que nos motiva”, finaliza. 




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