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Rota 2030 deixa ao menos 63 autopeças de fora dos incentivos

Especialistas pontuam necessidade de ajuste para incluir firmas que empregam 13.612 pessoas no Grande ABC

Yara Ferraz
Do Diário do Grande ABC
18/09/2018 | 07:27
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Marcello Casal Jr/Agência Brasil


Programa do governo federal de incentivo à indústria automotiva, o Rota 2030 pode deixar de fora o setor de autopeças, representado por pelo menos 63 empresas, que mantêm 13.612 trabalhadores na região, de acordo com levantamento do Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores) realizado a pedido do Diário.

A iniciativa, que teve o seu lançamento oficial adiado mais uma vez, prevê a inclusão de empresas do ramo automotivo que investirem em P&D (Pesquisa e Desenvolvimento), o que, segundo os especialistas, não é suficiente para fomentar a cadeia, uma vez que essas firmas ainda sentem os impactos da crise econômica e não têm recursos para modernizar a produção, conforme o requisito para usufruir do programa nacional.

Segundo dados da entidade, as 63 unidades empresariais (chamadas assim porque uma empresa pode ter mais de uma planta na região) associadas ao Sindipeças representam 10,9% das autopeças brasileiras em 2017 (582). Em 2011, elas somavam 97 e equivaliam a 13% do total do País (749). De lá para cá, portanto, houve redução de 35,05%. O menor número registrado foi em 2016, com 57 empresas no Grande ABC e 590 no Brasil.

Segundo o assessor executivo da presidência do Sindipeças, Gábor Deák, o investimento vem sendo, aos poucos, retomado no segmento, mas será necessário esperar até 2023 para recuperar o tudo que foi perdido na produção de veículos.

“Entramos em outra década perdida (em 1990, as empresas também sofreram com a abertura da economia e a possibilidade de as multinacionais adquirirem peças em outros países). Lembro dos números de 2015 e 2016, quando tivemos grande número de empresas passando por recuperação judicial. Isso agora está entrando nos eixos”, afirmou Deák, em workshop da Automotive Business, que reuniu representantes e especialistas do assunto para debater a legislação automotiva, incluindo diversos pontos do Rota 2030.

Para ele, aspectos importantes como a simplificação da tributação do setor, a implementação de programa de inspeção veicular em todo o País e, na sequência, um de renovação da frota, ajudariam a fomentar o setor de autopeças. Atualmente, o Rota oferece incentivo às autopeças somente caso haja investimento em P&D. “O Rota 2030 é necessário, mas não é suficiente. Ele favorece série de circunstâncias no setor, mas não é o suficiente para todos os problemas. Hoje não temos o Inovar-Auto (programa antecessor que vigorou até dezembro) e nem o Rota”, definiu Deák.

O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Wagner Santana, o Wagnão, pontuou que as empresas têm dificuldade para se manter após o grosso da crise, e que para reverter o cenário seria necessário o desenvolvimento de política industrial para todo o setor que incentivasse a compra de peças fabricadas no País. “Elas têm deixado de arcar com obrigações legais e há dificuldades em buscar empréstimos que poderiam salvá-las da necessidade de movimentar o capital de giro. Muitas vezes, a firma está cheia de pedidos para produção, mas não tem capital de giro. E sem a certidão negativa elas ficam sem capital, não conseguem se sustentar, precisam comprar matéria-prima à vista e só conseguem comprar mais caro, virando bola de neve”, disse.

O economista e professor coordenador do Conjuscs (Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura) da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), Jefferson José da Conceição, pontuou que as autopeças foram as que mais sofreram durante a crise. “É um segmento muito importante porque mantém a figura do empresário brasileiro. As montadoras são multinacionais e conseguem trabalhar sua organização na produção com estudo de câmbio. Se perdem aqui, podem ganhar nas matrizes e injetar dinheiro aqui. As autopeças não têm isso. Se a economia vai mal, elas também perdem escala e rentabilidade”, afirmou.


Publicação oficial do programa ainda gera preocupação

Mesmo com o anúncio do Rota 2030, na forma de MP (Medida Provisória), o decreto que oficializa o programa ainda não foi publicado oficialmente no DOU (Diário Oficial da União). Isso só deve acontecer na primeira quinzena de janeiro de 2019, após o prazo já ter sido adiado em 120 dias.

De acordo com o diretor de estratégia da Bright Consulting, Paulo Cardamone, o período eleitoral acaba influenciando na indefinição, o que é preocupante. “Se não aproveitarmos essa oportunidade, vai haver perda de esforços de dois anos de trabalho. A medida provisória precisa ser regulamentada. Incertezas não faltam.”

O Rota 2030 ainda precisa passar por análise de comissão mista que vai analisar 81 emendas ao texto, para seguir para a Câmara e o Senado. Apenas após este processo ele estará oficialmente implantado. “Não podemos depender apenas do Rota para sermos competitivos. O custo para se produzir no País ainda é um problema para a nossa competitividade. Atualmente, o cenário é difícil. O câmbio alto, aparentemente, é bom para a exportação, mas não volátil, como está atualmente. Isso sem falar na situação da Argentina, que corresponde a 70% das nossas operações”, afirmou o vice-presidente de estratégia, comunicação e relações governamentais da Ford para a América do Sul, Rogelio Golfarb, durante o evento.
 




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