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ONG estende a mão a quem a sociedade rejeita
Por Lola Nicolás
Do Diário do Grande ABC
09/09/2010 | 07:01
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A ONG Delta surgiu em maio, em São Bernardo, determinada a ajudar dependentes químicos e seus familiares. O grupo tem à frente Daniel Oliveira, viciado em cocaína e crack por 15 anos, e que, ao renascer para vida, decidiu estender a mão a todos aqueles que a sociedade vira as costas.

Em parceria com Grupo Invert Assessoria e Intermediação, do próprio Daniel, a entidade não-governamental presta serviço de assistência e de encaminhamento à internação desses dependentes, em clínicas, segundo ele, voltadas para ajudar o paciente a recomeçar a vida sem drogas. Para quem não pode pagar o tratamento (em torno de R$ 3.000 mensais), a ONG está custeando 50% dos custos para 100 vagas. Uma prestação de serviço que deveria ser dos órgãos públicos, mas assumida por quem está decidido a inverter valores: do buraco, da degeneração humana, à luz. "Uma vida não tem preço", diz Daniel.

O crack, tema do 4º Desafio de Redação do Diário, com correalização da USCS e DAE de São Caetano e apoio da Ecovias, é uma das drogas mais danosas a impregnar o ser humano, sucumbido pela conversa afiada de quem a vende como garantia de momentos de euforia e prazer imensuráveis. Droga essa que orbita todas as camadas sociais e que leva seu consumidor da glória à cova.

REFLEXÃO
O Desafio começa no dia 15 e tem como objetivo maior levar estudantes do Grande ABC, professores e pais a discutirem abertamente esse mundo em que vivemos, coberto por névoa de fumaça das drogas ilícitas, que devoram cada vez mais os nossos jovens.

Daniel Oliveira é exemplo clássico desse tropeço social. Entrou para o submundo das drogas atiçado por colegas quanto aos prazeres do álcool ainda na puberdade. Primeiro um copo, depois uma garrafa, dúzias dela, cigarro de maconha, a carreira de pó e, por fim, o crack.

Ele não tem vergonha de abrir sua vida para sociedade, principalmente seu passado. Fazendo isso diz que se fortalece na busca diária por ficar longe das drogas. Esse foi um dos motivos de ter criado a ONG Delta.

"A dependência química é uma doença, assim como o alcoolismo. A Delta nasceu do desejo intrínseco de difundir a mensagem de recuperação e ajudar a mostrar o caminho de volta à vida. Buscamos esclarecer à sociedade que o dependente não é um deficiente moral, como muitas vezes é visto, mas portador de uma doença que pode ser tratada. Acreditamos que todas as pessoas necessitando de tratamento merecem receber o melhor que a recuperação tem a oferecer e serem tratadas com respeito e dignidade. A ONG foi criada na base de amor ao próximo, o desejo de que os adictos que ainda sofrem se juntem a nós na plena caminhada da vida após as drogas, independente de seus recursos financeiros."

MISSÃO
Ao se sentir seguro para encarar novamente as ruas, Daniel partiu para sua mais sublime missão: salvar quem necessita. Ele e um grupo de abnegados, profissionais liberais, montaram o Grupo Invert, empresa especializada na intermediação e assessoria no tratamento do alcoolismo, dependência química e co-dependência (familiares).

"Nosso objetivo é a busca do melhor tratamento para o paciente, familiares e pessoas do círculo social, evitando o abuso financeiro e emocional, em prol do bem-estar comum e da recuperação de todos. A empresa conta com profissionais qualificados, especialistas na área da Saúde, proporcionando a segurança e tranquilidade necessárias para o paciente e para a família antes, durante e após o tratamento."

Mas isso não era suficiente para ele. Quem não pode pagar o tratamento, não tem opção de internação, ficando à mercê das vagas sociais disponíveis em clínicas geralmente conveniadas com o Estado. E as filas de espera, enormes. Dependente químico não pode esperar. Por isso, surgiu a Delta e, com ela, a possibilidade da internação, com metade do custo bancada pela ONG.

Em menos de quatro meses, já atendeu 200 famílias e teve êxito com 25 internações. Muitas alegrias e, pelo menos, uma tristeza. "Uma mãe nos procurou pedindo ajuda para o filho e para o irmão dela, ambos dependentes. Os dois estavam muito loucos, optamos por socorrer primeiro o rapaz, levando-o para uma clínica conveniada nossa, em Nazaré Paulista. Depois, fomos atrás do tio dele, mas infelizmente, ele havia morrido de overdose. Não deu tempo", lamenta-se Daniel.

‘NÃO' É INEFICAZ
O microempresário diz que a sociedade deve encabeçar movimento que esclareça aos menores e adolescentes porque dizer ‘não' às drogas. "Não podemos nos limitar ao simples ‘não, porque não'. O adolescente, principalmente, que saber o motivo do perigo, causas e consequências. É nada, absolutamente nada, limitar-se a dizer mero ‘não'. A negativa é tentadora e, diante desse ‘não', muitos acabando indo só pelo prazer de contrariar. E se ele for propenso ao vício, infelizmente, teremos mais um viciado. Portanto, é importante conversar, esclarecer, dirimir dúvidas. Assim funciona a prevenção."


ONG Delta - Telefones para Contato: (11) 2897-0500 / (11) 9805-9290 / (11) 7890-2686
Id Nextel: 9 *16545 (Atendimento 24 horas)
Grupo Invert - Rua Mediterrâneo, 290 - Sala 27 - Centro, São Bernardo
(11) 2897-0500 / (11) 7890-2686 / Id Nextel 93*16545 - (Atendimento 24 horas)


Do futuro, ao buraco; do buraco para renascer ao futuro
Um menino. Uma família. Um futuro. Uma pedra. Os ingredientes para consolidar a vida. Ou destruí-la. Daniel de Almeida, hoje, 30 anos, optou pelo segundo caminho. Perdeu tudo. O respeito, a dignidade, o afeto e a confiabilidade dos irmãos. Foi internado em clínicas para dependentes por 15 vezes. Fugiu em várias oportunidades, sempre voltando para as drogas, para o crack. Trocou o macio da cama pela sarjeta, para ele, naqueles anos todos, mais aconchegante e mais tentadora.

A droga é uma doença, que derruba não só o viciado como também consome a família e os amigos. Daniel só percebeu isso quando, em um lapso de razão, viu-se, no meio de uma favela da periferia de São Paulo, farrapo humano, prestes a trocar sua alma por algumas pedrinhas. Por fração de segundos, um flash de seu passado iluminou sua mente e ele teve forças para telefonar para o pai: "Vem me buscar, senão vou fumar até o que não tenho mais para vender". Fim de 15 anos de escuridão, degeneração e precipício social. Início do recomeçar diário. Daniel renasceu.

A vida deste rapaz pode ser definida como espinhosa e montanhosa, com altos e baixos. Lógico que isso não justifica ter se embrenhado pelos caminhos das drogas, mas... Pequeno, foi adotado e cresceu em meio a muitos mimos, carinhos e poucos limites. Sem que percebessem (ou perceberam, mas deixaram pra lá), ele pegava escondido dinheiro da carteira da mãe para gastar em bobeiras na rua. "Talvez um sinal que eles deveriam ficar mais atentos? Talvez, não sei."

Aos 12 para 13 anos, a glória. Daniel foi aprovado no teste e passou a treinar nas categorias de base do São Paulo FC, seu Tricolor de coração. Quem o viu jogar, assegurava que ele teria futuro no mundo da bola. Ironicamente, foi no clube que descobriu outra bola, a de ficar bolado, pirado... "Sabe como é, 14, 15 anos, época de baladinha, de curtir. Primeiro, um gole na cerveja, depois bebida mais forte. Tudo curtição, que seguiu em frente, primeiro maconha, cocaína e, por fim, o crack", detalha Daniel.

O futebol, bem, o futebol, ele trocou por aspirar pedras. Os amigos foram substituídos por amizades nebulosas entrelaçadas pelo binômio dinheiro-crack. A tranquilidade familiar transformada em sofrimento, discussões e vergonha.

Diante da repulsa social, os pais internaram o filho em clínicas preocupadas em extorquir na mesma proporção do sofrimento do casal, com tratamento zero. "Sofri muito, fui maltratado, amarrado, dopado. Sem direito a falar, a opinar. Tratado como se fosse contagioso. Fui levado muitas vezes e, a cada internação, ficava pior, porque boa parte dessas clínicas nem têm pessoal capacitado."

Ao dar um basta ao crack, Daniel encontrou nos grupos de apoio seu remédio para encarar um dia por vez sem álcool nem crack, aliás limpo, sem qualquer droga ilícita. "Hoje estou limpo, amanhã, não sei... É uma luta diária, de batalhas e conquistas, porque sou dependente químico e tenho de conviver com isso para sempre. Não há cura, apenas determinação, fé e ajuda da família, dos amigos verdadeiros e dos grupos de apoio."




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