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Golpistas vendiam carros fantasma
Artur Rodrigues
Do Diário do Grande ABC
07/10/2005 | 08:19
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Pelo menos mil pessoas compraram pelo telefone carros zero quilômetro que não existiam de uma mesma quadrilha, que se passava pelo banco de financiamentos da General Motors. O prejuízo das vítimas só nos primeiros meses deste ano, segundo levantamento da verdadeira GM, é de R$ 300 mil. Quinta-feira, policiais da Delegacia Seccional de São Bernardo acabaram com a farsa. Prenderam em Jundiaí, na sede do falso banco, o líder do grupo, Luis Carlos Bravim, e o comparsa, Marcos Moreno. Os dois detidos usavam nomes falsos, publicavam anúncios de venda dos veículos em jornais e internet e forjavam contratos de compra e venda, segundo a polícia. A clientela só percebia o golpe no portão da GM, na avenida Goiás, em São Caetano, local combinado para a entrega dos veículos. A essa altura, o valor pago já havia sido espalhado por várias contas fantasmas da quadrilha.

O grupo atuava há três anos, segundo o delegado seccional Marco Antônio de Paula Santos. Eles prometiam desconto de 10% no pagamento à vista dos carros. A central telefônica, com números de São Bernardo, recebia cerca de 20 ligações diárias de possíveis vítimas. “Entre as 20, de três a quatro pessoas caiam no golpe”, afirma o seccional. Na semana passada, um fazendeiro perdeu R$ 89 mil. Pagou a vista por um Toyota Hilux que nunca chegou a ver. Além da GM, a quadrilha anunciava eventualmente carros da Toyota e outras marcas.

Encenação – Bravim, o líder do grupo, se passava por várias pessoas diferentes ao telefone. Fazia voz fina e enrouquecida para encarnar a atendente Rose e sotaque quando fingia ser o diretor do banco da GM, chamado em cada ocasião por um nome: Hiroshi, Nakagima etc. “Carro aqui é que nem macarrão, tem que comer enquanto está quente”, diz Bravim em uma das ligações gravadas pela polícia, com autorização judicial, nos últimos dois meses.

Em algumas ocasiões, muda várias vezes de voz em uma única ligação. Rose passa para outro funcionário, que negocia no lugar do diretor Hiroshi. Quando as vítimas percebem o golpe, Bravim tira sarro. “O doutor Hiroshi foi sapecar por aí com o seu dinheiro”, diz gargalhando, imitando voz de mulher, para mais uma vítima do golpe. Durante as negociações, Bravim era calmo. Não insistia para que o cliente fizessa a compra de imediato. Pedia para ligar amanhã ou depois. Os negócios iam bem.

A polícia identificou cerca de cem contas bancárias da quadrilha, a maioria de bancos do Paraná. “Pessoas abriam a conta em seus nomes e vendiam para ele (Bravim)”, explica o delegado Marco Antônio de Paula Santos. Quinta-feira, o patrimônio bruto da organização era de R$ 400 mil, afirma a polícia. Fora a casa de Bravim, em um condomínio fechado em Alphaville, que vale cerca de R$ 1 milhão. Com os dois presos, também foram encontrados uma Mercedez Classe A e um Mitsubishi Brave 4. Nenhum dos dois detidos têm passagem anterior pela prisão.

Estrutura – O escritório da quadrilha ficava em um condomínio em Jundiaí. Uma filial ficava em Mogi-Guaçu, no interior do Estado. No local, a polícia achou na manhã de quinta-feira computadores, celulares e documentos falsos. Outras três pessoas, identificadas, faziam parte da cúpula da organização fugiram do local. Entre os procurados, está Valter Antônio da Silva, o Puff, que já tem mandado de prisão expedido.

A estrutura da quadrilha era complexa. Algumas pessoas eram contratadas somente para comprar as linhas telefônicas com documentos falsos. Todos os números eram de São Bernardo. As linhas eram programadas para que as ligações fossem transferidas para a central telefônica, formada por dezenas de celulares roubados. Segundo informações da polícia, Santo André e São Caetano teriam servido, em anos anteriores, como sede para as centrais de vendas da quadrilha.

Todos os serviços utilizados por Bravim eram ‘terceirizados‘ no mundo estelionato. Algumas pessoas eram pagas para fazer saques e depósitos nas contas fantasmas, para não despertar suspeitas. Outros apenas publicavam anúncios na internet e nos jornais. “Eles tinham uma estrutura enorme por trás deles”, comenta o delegado seccional de São Bernardo.

Agora, a polícia tentará descobrir para onde ia todo o lucro da quadrilha. “O dinheiro era pulverizado nas contas. Mas vamos tentar ressarcir as vítimas”, afirma o delegado Marco Antônio de Paula Santos. Até agora, as vítimas identificadas chegam a 400. Mas, segundo a polícia, o número deve ultrapassar mil.

Transação

Vítima tenta convencer Bravim (que usava o nome de Hiroshi) a devolver o dinheiro depositado. O estelionatário, então, explica por que comete crimes. A transcrição da conversa foi editada pela reportagem.

Vítima – Hiroshi, exatamente, acho que joguei e é jogo e eu perdi, entendeu. Não adianta eu querer...

  

Bravim – Não, entendeu..., inclusive eu até fiquei esperando... não saí pra ficar esperando ele, na sexta-feira, né. Mas, aí, depois ele ligou e falou: “infelizmente não deu pra vir não, eu tive um problema aqui, tô retornando agora”, né.

  

V – Hiroshi, veja bem você, ficando no zero a zero, como eu falei pra você, sei lá, agora evidentemente que eu tô na tua mão.

  

B – Entenda o seguinte, isso não é nada pessoal, infelizmente a gente tenta, tenta ganhar, como eu já tentei ganhar honestamente, entendeu? Falta oportunidade, então isso ocorre devido ao próprio modelo nosso econômico, modelo político. Aí a gente as vezes tem que ir pro outro lado, mas, não que a gente seja bandido, entendeu? Que queira mal as pessoas, não é por aí.

  

V – Exatamente neste aspecto, que eu tô conversando com você, ih... é isso aí cara... você tá com a faca e o queijo na mão, você sabe o que faz... é mais um ato de consciência, que qualquer outra coisa. Eu imagino como é que joga o jogo. Eu errei, deixa pra lá. Agora vê como nós combinamos. Você pode passar uma borracha, tocar sua vida pra frente que eu vou ficar na minha, tá. Eu sei até que ponto eu errei, até que ponto foi, confiei em excesso e confiar em excesso é o grande erro, não adianta...

  

B – Isso daí também não adianta você ficar se martirizando... isso daí não é só com você.



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