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Pixote 30 anos
Por Nelson Albuquerque
Do Diáro do Grande ABC
08/11/2009 | 07:01
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Obra emblemática do cinema nacional, Pixote - A Lei do Mais Fraco retratou o universo de crianças que, sem perspectiva, encontravam abrigo no crime. O longa-metragem de Hector Babenco foi lançado em 1981, mas todas as filmagens ocorreram dois anos antes.

Foi em 1979 que a seleção de atores mirins realizada para compor o elenco encontrou Fernando Ramos da Silva, de Diadema, para viver o papel de Pixote. "Ele (Fernando) não faltava nunca, se envolveu bem com o trabalho", conta Babenco.

Outros atores e histórias relacionados à região fazem parte da carreira do filme. Fernando fez participação na Globo e, depois, atuou em peças do grupo MCTA (Movimento Cultural, Teatral e de Artes), de São Caetano. Sem conseguir para si o mesmo sucesso de Pixote, Fernando seguiu os passos de seu personagem, se envolveu com o crime e acabou assassinado por policiais em 1987, aos 19 anos.

A história repercutiu estrondosamente e chegou a gerar outras obras: Quem Matou Pixote? (1996), de José Joffily, e o documentário Pixote in Memoriam (2006), de Felipe Briso e Gilberto Topczewski.

Diadema prepara homenagem ao artista e aos 30 anos da realização do filme. A programação prevê participações como a de Babenco e do ator diademense Gilberto Moura, além de Cida e Jaqueline Venâncio, respectivamente viúva e filha de Fernando.

 Hoje, Pixote daria um conto da Disney

Com extremo realismo, Hector Babenco decidiu "contar a história de personagens que não faziam parte do cinema brasileiro". Baseado no livro A Infância dos Mortos, de José Louzeiro, o diretor concebeu Pixote - A Lei do Mais Fraco para retratar menores envolvidos com o submundo do crime. Era fim dos anos 1970, uma época bem diferente da de hoje. "O máximo que aquelas crianças faziam era cheirar cola", diz Babenco.

Se tivesse que gravá-lo nos tempos atuais, quando menores "são cooptados pelo crime organizado", o diretor garante que o filme seria outro. "Pixote ficou datado. Hoje é um conto de Walt Disney. O que ainda é válido nele é o universo sentimental daquelas crianças, que queriam se inserir na sociedade e iam se marginalizando cada vez mais", entende o autor.

Babenco diz ter se entusiasmado ao ler A Infância dos Mortos e resolveu visitar uma unidade da Febem, no Tatuapé. "Troquei muitas ideias com os meninos e dei meu endereço a eles. Dias depois, houve uma fuga em massa e muitos deles apareceram no meu escritório, conta.

Alguns deles chegaram a fazer figuração no filme e se juntaram a Fernando Ramos da Silva (que fez Pixote) e Gilberto Moura (Dito), ambos de Diadema. Estes foram aprovados na seleção realizada por Fátima Toledo, que desenvolveu trabalho semelhante em Cidade de Deus, de Fernando Meirelles.

DOCUMENTÁRIO
O projeto era apenas gravar extras para um relançamento do filme de Babenco, mas acabou virando o documentário Pixote in Memoriam (2006). "Pela importância artística e pelos desdobramentos na vida de quem participou do filme, entendemos que a história havia sido dissolvida através do tempo", explica Felipe Briso, diretor ao lado de Gilberto Topczewski no documentário com depoimentos de Babenco, Fátima, Moura, Marília Pêra (interpretou a prostituta Sueli) e familiares de Fernando Ramos.

FALTA PERSPECTIVA
Artista e ex-arte-educador de Diadema, Marcelo Felipe Sampaio acredita que Babenco conseguiu retratar muito bem sua cidade de décadas atrás. Mas ainda há resquícios daquela época. "Ser artista é difícil, é um convívio constante com a falta de perspectiva. Infelizmente alguns artistas meus foram para o crime", diz.

Cineasta, Sampaio afirma que leis de incentivo e escolas de arte podem salvar vidas. "O Estado poderia evitar muitas histórias como essa do Pixote". (Nelson Albuquerque)

‘Fernando nunca foi bandido'

"Fernandinho não teve estrutura para ver o filme fazer sucesso e ele não ser ninguém". É assim que o diretor teatral Carlinhos Lira, de São Caetano, lembra de Fernando Ramos da Silva, o Pixote.

Lira participou da produção de Pixote - A Lei do Mais Fraco, na seleção de atores. "Na época, eu fazia a peça Wilsinho Galiléia, no Teatro Brigadeiro, que versava sobre garotos de rua. Por isso, (Hector) Babenco me chamou para esse trabalho", conta.

Ainda se recorda como o menino de Diadema foi selecionado: "O olhar dele foi que cativou Babenco".

A amizade com a família d'o ator de Pixote se prolongou. "Depois que ele voltou do Rio, aluguei uma casa em São Caetano para ele morar, para se afastar dos irmãos que eram envolvidos com o crime. Sua mãe sempre achou que ele era o bilhete premiado da família", lembra Lira.

Fernando Ramos participou de duas peças (Garotos de Aluguel e Inútil Pranto dos Anjos de Cara Suja) do grupo MCTA (Movimento Cultural teatral e de Artes), com sede em São Caetano e dirigido por Lira. Sua terceira montagem foi como protagonista em Ataliba, Meu Amor, sobre a vida de um pistoleiro paraibano que no final morre em troca de tiros com policiais.

"Fizemos uma apresentação na Paraíba no dia 25 de julho de 1987 e, exatamente um mês depois (25 de agosto), Fernando morreu na vida real, num exemplo cruel de que a vida se mistura com a arte", afirma o diretor.

Emocionado, Lira ainda lembra de outros momentos em que conviveu com Pixote e sua família. "Fernandinho nunca foi bandido, era um menino como qualquer outro, carente, sem pai. Foi mais um que o sistema capitalista engoliu", diz. NA
Diadema prepara homenagem

Diadema, a cidade onde nasceu Fernando Ramos da Silva, prepara para este mês homenagem aos 30 anos das filmagens de Pixote - A Lei do Mais Fraco. O evento prevê exibições gratuitas do filme de Hector Babenco e do documentário Pixote in Memoriam.

Está previsto para ser realizado entre os dias 13 e 15, em centros culturais da cidade, com participações de Babenco, Gilberto Moura e familiares de Fernando Ramos.




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