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Combate ao câncer infantil

Pensar que o diagnóstico de câncer é o fim do mundo é comum. Principalmente se o paciente for criança

Por Miriam Gimenes
Do Diário do Grande ABC
19/10/2008 | 07:02
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Pensar que o diagnóstico de câncer é o fim do mundo é comum. Principalmente se o paciente se tratar de uma criança ou adolescente. Para amenizar os efeitos tanto psicológicos quanto físicos que esta patologia pode ter na vida da família toda, existe o chamado tratamento paliativo. Trata-se de uma série de medidas tomadas por pessoas especializadas a fim de ajudar em todas as situações difíceis que podem surgir a partir da constatação da doença.

Na última semana um congresso realizado em São Paulo discutiu a importância que este tipo de ajuda pode ter durante um tratamento. Segundo a fundadora da ABCP (Associação Brasileira de Cuidados Paliativos) e psicóloga especializada em oncologia, Ana Georgia Cavalcanti de Melo, um dos fatores mais importantes destes cuidados é o controle da dor.

"Todo mal estar, com o tratamento que realizamos, vai ser aliviado e assim promovemos uma maior qualidade de vida", explica.

Mas a questão física não é a única abordada neste tipo de intervenção. Na maioria das vezes, o abalo ao receber a notícia interfere em diversos aspectos da família. A mãe deixa o emprego para viver em função do doente, o pai pode ficar com problemas no trabalho, os irmãos têm medo de perdê-lo. Para resolver isso, uma equipe de psicólogos, assistente social, advogados, ajudam os familiares a resolver os mais variados tipos de problemas. "Até mesmo os cuidadores dessas crianças recebem orientação para saber lidar melhor com a doença", acrescenta Ana.

Mais perto - No Grande ABC, este tipo de trabalho é prestado na Casa Ronald McDonald, criada com a renda do Mc Dia Feliz, em que toda renda do sanduíche Big Mac é revertida para crianças com câncer. A sede fica dentro da Fundação de Santo André.

Segundo o presidente da instituição, Adriano Valente, cerca de 70 crianças são atendidas atualmente, sendo que 80% delas da região. "Nós não fazemos um trabalho que visa apenas a cura, mas também uma melhora na situação do doente e da família", diz.

A realização da equipe da Casa Ronald começa a partir do diagnóstico. Mesmo as crianças que não ficam internadas na instituição - atualmente são cinco - equipes de médico, voluntários e assistentes sociais visitam as famílias para saber também a situação financeira delas. "Não adianta focar exclusivamente na doença e ela não ter condições de higiene ou alimentação decente", justifica.

Histórico
A Casa Ronald McDonald teve a sua primeira sede montada no Rio de Janeiro em 1994. Segundo o superintendente do instituto Ronald no Brasil, Francisco Carlos Neves, este sonho só foi possível com por conta do dinheiro proveniente da campanha McDia Feliz, ocasião em que o valor de todo Big Mac comprado é revertido para campanha. Alguns anos depois - mais precisamente em 2007 -, a unidade de Santo André foi inaugurada. "Observou-se a necessidade de uma casa de apoio para dar suporte às crianças que estavam sendo atendidas nos ambulatórios de Santo André e de São Bernardo", explica Francisco. Além de outra unidade em São Paulo, a idéia é até 2012 fazer mais sete Casas de apoio em todo o Brasil. O instituto atende 2.500 novos casos ao ano.

Sintomas
Nas leucemias, pela invasão da medula óssea por células anormais, a criança se torna suscetível a infecções, fica pálida, tem sangramento e sente dor óssea.

No retinoblastoma, um sinal importante de manifestação é o chamado "reflexo do olho do gato", embranquecimento da pupila quando exposta à luz. Pode se apresentar, também, por meio de fotofobia ou estrabismo. Geralmente acomete crianças antes dos 3 anos.

Algumas vezes, os pais notam uma massa no abdome, podendo tratar-se nesse caso, também, de um tumor de Wilms ou neuroblastoma.

Tumores sólidos podem se manifestar pela formação de massa, podendo ser visível e causar dor nos membros, sintoma, por exemplo, freqüente no osteossarcoma (tumor no osso em crescimento), mais comum em adolescentes.

Tumor de sistema nervoso central tem como sintomas dor de cabeça, vômitos, alterações motoras, alterações cognitivas e paralisia de nervos.

Leucemia é a maioria dos casos
Entre os casos mais comuns de câncer que acometem as crianças e adolescentes estão a leucemia - segundo o Inca (Instituto Nacional do Câncer) em mais de 60% dos casos - e os linfomas (gânglios linfáticos).

O oncologista infantil Roberto Augusto Plaza Teixeira, do Hospital das Clínicas da USP, diz que o problema se dá devido a divisão errada das células. "Mas a boa notícia é que o avanço tecnológico permite que a cada dez crianças com câncer oito sejam curadas. Basta constatar o quanto antes."

Assistência à família é essencial

Suporte jurídico, psicológico, financeiro, assistencial. Além do atendimento necessário aos doentes portadores de câncer, a atenção do tratamento paliativo também é voltada à família. "Enquanto a criança estiver em tratamento, por exemplo, ensinamos a mãe a ter uma outra forma de se manter financeiramente", explica o presidente da Casa Ronald McDonald Adriano Valente.

Além disso, uma equipe multidisciplinar faz visitas periódicas à casa dos pacientes para verificar as condições da família in loco.

Se constatado problema financeiro, cesta básica e orientação dos direitos que a criança em tratamento tem são algumas das saídas apontadas pelos profissionais.

Outro fator também enfatizado é a orientação psicológica. "A família pode ficar desestruturada com a notícia. É importante dar uma ajuda emocional e espiritual para que o tratamento seja feito da melhor forma", finaliza Valente.

Diagnóstico precoce salva vidas
Quanto mais cedo um câncer é diagnosticado, maior é a chance de cura. Embora seja uma afirmação óbvia, muitas pessoas deixam passar desapercebido qualquer sinal da doença, já que têm a idéia de que "isso nunca acontecerá na minha família".

O presidente da Casa Ronald Adriano Valente alerta que, principalmente nos casos infantis, as possibilidades de cura são grandes. "Nos casos de leucemia (câncer no sangue), por exemplo, um mês de atraso no diagnóstico pode ser fatal", alerta o especialista.

Para tentar amenizar este problema no Grande ABC, a Casa Ronald, junto com a Prefeitura de São Bernardo, criou um curso de capacitação para 136 profissionais. "Eles foram a campo em abril deste ano e, depois de todas as orientações, constataram casos de câncer em três crianças que estavam sendo atendidas pela rede pública. O índice de acerto no diagnóstico entre o grupo subiu de 30 para 90%."

Ter conhecimento de qualquer sinal da doença aumenta muito as chances de vida das crianças e adolescentes já que, geralmente, os cânceres característicos dessas faixas etárias não são sólidos.

Dúvida - A única dúvida que permeia entre os especialistas, segundo Valente, é sobre o aumento do número da patologia entre os pequenos. "Não sabemos se é a doença que aumentou ou se estamos conseguindo diagnosticar o que não fazíamos no passado."

Antes as crianças tinham doenças graves, faleciam, e os médicos não conseguiam identificar a causa. Mas o número de diagnósticos atualmente é grande. Segundo o especialista, em estatística realizada em São Bernardo, são cinco novos casos a cada 100 mil habitantes por ano.

Depoimentos

"O Rian (Lima Mateus, 5 anos) começou a ter fortes dores no abdômen. Corria em diversos médicos e falavam que era verme, mas não investigaram mais profundamente. Depois de quatro meses que o problema havia começado, o levei para o (Hospital) Mário Covas. Conversei com a médica, que entendeu minha situação, e na hora foi feita uma série de exames que constataram o tumor. Rian ficou internado para fazer mais exames. A partir daí comecei o tratamento, ele nem andava. Mas rapidamente os resultados foram sendo satisfatórios e ele teve uma melhora significativa. Como o câncer fica próximo à coluna, não tinha como operar. Após examinar ficou constatado que uma parte dele não estava mais em atividade, mas a outra ainda está, então temos de continuar o tratamento. Ainda bem que ele é uma criança superfeliz e não precisou nem de acompanhamento psicológico. Não quero pensar no amanhã, quero cuidar dele hoje. O amanhã deixo para Deus. Por isso que ele está sempre bem, não deixo ele trancado dentro de casa. Mas se o diagnóstico tivesse sido feito antes, acredito que esse processo seria mais rápido."
Roseli Ferreira Lima, 41, autônoma, de Santo André

 

"Há dois anos descobri que o Igor (Esteves Leite da Silva, 6 anos) tinha um tumor na cabeça. Fizemos quimioterapia e radioterapia até que o problema havia sumido. Em agosto, em novo exame, foi constatado que o tumor voltou. Mas em todo esse tempo, ele teve todo tipo de assistência aqui (Casa Ronald Mc Donald). Meu filho passou por psicóloga, ganhamos cesta básica e tivemos visitas em casa. Isso ajuda muito já que o gasto com ele ultrapassa R$ 1.000, porque é preciso alimentação reforçada, o suco tem de ser de soja, tudo da melhor forma para que Igor fique bem."
Sara Spagnol Esteves da Silva, 23, dona-de-casa, de São Bernardo

 

"A Cássia (Lourenço Guimarães, 6 anos) sentia muitas dores nas pernas e tinha uma febre alta. Sempre a levava ao médico e não constatavam o que ela tinha. Quando resolveram fazer um exame, viram que ela tinha leucemia. Há um ano estamos fazendo tratamento e, neste período, não estou trabalhando. O auxílio que recebo daqui, um lugar onde tratam muito bem a minha filha, ajuda e muito já que também tenho outra criança para sustentar e sobrevivo apenas com o benefício que a Cássia recebe por conta da doença, que é R$ 415. Só conseguimos isso por orientação da assistente social aqui da Casa Ronald McDonald."
Antonia Vanilza da Silva Lourenço, 33, dona-de-casa

 

"Desde que descobri que Maclison (Thiago do Nascimento, 10 anos) tinha câncer tive de parar de trabalhar. O tempo todo tenho de estar disponível para ele, que tem um câncer no pulmão, abdômen e tórax. Assim que ficou constatado, após ele ter diversas vezes uma crise de tosse, teve de ficar internado e passar por tratamento de quimioterapia e radioterapia. Durante este tempo tivemos duas vezes a visita de assistentes sociais em minha casa, ganhamos cesta básica e tratamento psicológico para superar este momento. E tudo isso vai me ajudar muito, já que o tratamento dele deve durar cinco anos e não tenho como trabalhar neste período."
Eliane Alexandre Nascimento, 45 anos, dona-de-casa, de São Bernardo




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