Setecidades Titulo Educação
Professoras voluntárias dão aulas de reforço em Diadema

Turma de 16 crianças se reúne aos sábados, no quintal de uma casa no Sítio Joaninha, na periferia da cidade

Aline Melo
19/07/2021 | 07:19
Compartilhar notícia
Celso Luiz/ DGABC


“Tia, me ensina a ler e a escrever?”. Foi assim que começou, há cerca de três meses, um trabalho voluntário realizado por duas professoras no Sítio Joaninha, uma das áreas de maior vulnerabilidade social de Diadema. Todos os sábados, das 15h às 17h, 16 crianças e adolescentes entre 4 e 16 anos têm aula de reforço, ganham lanche e recebem motivação para seguir nos estudos.

O pedido foi feito pela pequena Ysabelle Pedroso dos Santos, 7 anos. Seu primeiro ano na escola coincidiu com o início da pandemia de Covid 19 e, sem acesso às aulas on-line, sem a tutoria da professora, sem a interação com os colegas, a criança não estava conseguindo se desenvolver. Quem recebeu o apelo – e a missão – foi a filósofa e pedagoga Mary Jane Brandão, 55, que estava na casa da família levando doações de alimentos. A professora prometeu voltar no sábado, e quando chegou, não apenas uma, mas então seis crianças queriam a sua ajuda.

Quando regressou no fim de semana seguinte, esse número já tinha aumentado, e foi preciso convocar a outra voluntária, a professora Lucineia Matias da Silva Bento, 53, para dar conta de todos. A última criança a se juntar a turma foi o pequeno Gustavo Alves de Almeida, 7. “No primeiro dia ele chegou e ficou no cantinho, com a mochila. Disse que podia ver a aula dali mesmo”, relembrou Mary Jane.

As primeiras aulas foram dadas com os alunos sentadas no chão do quintal da casa onde vivem mais de dez pessoas, entre adultos e crianças. Com o aumento da turma – graças apenas ao boca a boca da meninada –, cadeiras e mesas foram pedidas emprestadas para uma igreja. O material, os livros e o lanche que eles comem também foram frutos de doações. Todos os estudantes usam máscara e buscam manter distanciamento. E o sonho dessas duas professoras, que assistem de perto o impacto e a perda educacional provocados pela pandemia, é poder ter mais estrutura para atender essas e outras crianças, além de mobilizar novos voluntários.

“É um trabalho extremamente prazeroso. A gente acha que somos nós quem trazemos algo, mas na verdade, sempre saímos daqui com um aprendizado”, afirmou Lucineia. “Eles têm uma vontade muito grande de aprender, de compartilhar. São pessoas inteligentes, interessadas, mas que estão desassistidas”, completou a professora.

O desafio de trabalhar com uma turma multisseriada, na qual existem crianças que ainda não sabem ler e escrever e outras que já estão no fim do ensino fundamental, tem sido superado com a ajuda dos próprios estudantes.

“Os saberes são diferentes e eles se ajudam muito. Claro, é uma habilidade pedagógica poder atuar dessa forma, mas tem dado muito certo. Eles todos se integram e nós atuamos como facilitadores”, destacou Mary Jane.

A diferença depois do início das aulas foi sentida pelos alunos e pelos pais. Mãe de Ysabelle e de Gustavo Alves de Almeida, 7, Geane Cristina Pedrosa, 27, afirmou que os filhos têm evoluído muito. Ela mesma parou de estudar na 8ª série e quando as aulas de reforço chegaram, também auxiliaram na dificuldade que ela mesma tinha de acompanhar as atividades dos dois filhos, dois irmãos e dois sobrinhos, todos em idade escolar e morando na mesma casa.

A tímida Ysabelle, que há três meses pediu ajuda para ler e escrever, já começa a entender as palavras e acompanha com atenção as atividades propostas. “Precisamos despertar isso nas pessoas. Cuidar dos pequenos é cuidar do futuro. Se tivermos três, quatro, cinco grupos, com 15, 20 crianças, isso já ajuda a reduzir a defasagem”, concluiu Mary Jane.

Situação dos jovens é de alta vulnerabilidade

A casa onde a turma de crianças e adolescentes têm aulas de reforço aos sábados, no Sítio Joaninha, está localizada bem ao lado de um córrego que, não raro, inunda. A região é de alta vulnerabilidade e algumas crianças passam necessidades além da falta de acesso adequado à educação, como a fome. “Já teve dias de a gente chegar para dar aula e um deles falar: ‘tia, deixa eu comer o lanche antes das atividades?’”, contou a filósofa e pedagoga Mary Jane Brandão, 55 anos, uma das professoras voluntárias.

Mary Jane é presidente de uma instituição que atua na promoção de educação e cultura para crianças e adolescentes e tem tentado se aproximar das famílias. “A gente orienta a se cadastrar no Cras (Centro de Referência em Assistência Social) para receber uma cesta básica, a como pedir benefícios assistenciais para quem tem direito. É um trabalho de muitas frentes”, afirmou.

A professora contou que logo que iniciou as aulas, comunicou a Prefeitura de Diadema, na expectativa de obter alguma ajuda. “Disseram que, por conta da pandemia, não podem abrir as unidades. Mas nós estamos aqui, as crianças estão aqui e precisam de apoio. Todo apoio que houver”, afirmou.

Quem puder colaborar com o projeto, seja cedendo um espaço melhor para as aulas, doações de materiais didáticos, livros ou alimentos para o lanche, mas principalmente, com trabalho voluntário, pode entrar em contato com Mary Jane no telefone 98390-4973 ou pelo e-mail criagirassol@gmail.com.

A Prefeitura de Diadema informou que diretoras da escola municipal do bairro fizeram visita domiciliar para as crianças e as que já são alunas da rede municipal foram incluídas no programa Aprender Mais, de reforço escolar. No segundo semestre, as crianças poderão retornar às atividades presenciais, sendo assistidas cotidianamente.

Segundo a administração, está no planejamento da Secretaria de Educação o programa Escola Aberta/Ação Compartilhada, com abertura das escolas aos finais de semana. Neste programa, de acordo com a Prefeitura, as voluntárias serão absorvidas na própria unidade escolar, onde poderão realizar com maior estrutura sua ação social. E que, neste momento, a escola permanece sem atividade presencial, ainda aguardando determinação do comitê intersecretarial de combate à Covid-19. 




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;