Setecidades Titulo Memória
Paranapiacaba arrematada

No balanço da Memória 2020, a participação ilustre do professor José de Souza Martins, sempre com boas descobertas e ótimos textos. Nascido em São Caetano, nome universal, Martins não esquece a região, que tem no Congresso de História do Grande ABC a marca maior do professor em se falando das sete cidades

Por Ademir Medici
04/01/2021 | 07:00
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O acadêmico José de Souza Martins guarda a linguagem objetiva do jornalista que foi, como chefe da sucursal do News Seller em São Caetano, na virada dos anos 1950 para 1960, quando se ensaiava a construção do Diário do Grande ABC. Acompanhem no texto que se segue, ilustrando a bela foto descoberta.
Nhá? Nhanhã? Não, era mademoiselle
Texto: José de Souza Martins
 

Repasso-lhe cópia de um postal do Alto da Serra, de 1912, que arrematei num leilão realizado no Interior de Santa Catarina. É raro porque representa Paranapiacaba em perspectiva diversa da dos postais da época, em que a localidade era vista pelo privilegiamento do equipamento ferroviário, o do trabalho e da tecnologia.
 

Neste postal, a ferrovia é adjetiva, não é o centro da foto. O centro da foto é o povoado, a paisagem bucólica, sua temporalidade pré-moderna, o contraponto ao ritmo e ao tempo da intensa combinação de trabalho e tecnologia.
 

O equipamento ferroviário e os que ali trabalham estão lá, num canto da foto, mas em repouso, à espera. Quando os trens aparecem nos outros postais, são trens de passageiros, dos que estão passando ou esperando o momento do locobreque levar para o pé da serra três carros de passageiros de cada vez.
 

Já neste postal, o olhar do fotógrafo se demora no cenário; é um olhar contrapontístico, metodologicamente revelador do lado secundário da dinâmica da SPR (EF São Paulo Railway). Nos outros postais, o olhar do fotógrafo não se demora no cenário, na localidade, no lugar em que vivem os que lá trabalham. Concentra-se nos indícios do ser oculto que move a ferrovia.
 

Como era próprio da época, o cartão está escrito em francês, endereçado a uma mademoiselle residente na Rua Voluntários da Pátria, no Rio de Janeiro. Era a língua cotidiana de muitos dos passageiros que usavam o trem para se movimentar entre os extremos da ferrovia.
 

Quando, por essa mesma época, artistas e escritores franceses vinham a São Paulo, não era incomum que o noticiário dos jornais a eles se referissem em francês porque só nessa língua os brasileiros achavam que era possível tratar dos grandes temas da cultura e do espírito.
 

Já antes da ferrovia, o poeta Álvares de Azevedo, aluno da Academia de Direito de São Paulo, escrevia aos pais, no Rio, em francês. Nossa língua portuguesa, impregnada de palavras da língua ‘nheengatu’, era considerada pela elite uma língua pobre para tratar dos assuntos da civilidade.
 

A SPR foi a revolução que dotou a realidade paulista do instrumental da modernidade. País saído muito recentemente da escravidão, entendiam muitos que não era país em condições de caminhar e desenvolver-se na direção do mundo moderno.
 

A ferrovia trouxe o mundo moderno até nós. Ainda nos anos 1930, nos trem Cometa, só era possível viajar de terno e gravata. Passei por isso em meados dos anos 1950. Ou então, nos trens comuns, na segunda classe.
 

Nas três primeiras décadas do século XX, quando passageiros especiais eram transportados em carros especialíssimos, verdadeiros palácios (carros que estão guardados num galpão na Lapa), nos quais já viajei, havia telefones internos e mordomos e só se viajava de traje correspondente ao ambiente palaciano. E, claro, muitos falando francês ou inglês. Neca de ‘nheengatu’.
 

O postal que lhe mando, documenta esse momento. O olhar do fotógrafo é um olhar paisagístico, conservador e tradicional no considerar lateral a modernidade da máquina. E nada de ‘nhá’ ou ‘nhanhã’, mas mademoiselle, que ninguém é de ferro.
NOTA DA MEMÓRIA – Bela aula do professor Martins, não? Memória dá uma dica: em novembro de 2020, o professor abriu uma série de depoimentos que relembram os 30 anos do Congresso de História do Grande ABC, projeto do Consórcio Intermunicipal Grande ABC.
 

Acompanhem. O professor José de Souza Martins, idealizador do Congresso, tem sua fala no canal do órgão intermunicipal no Youtub. É só acessar (https://www.youtube.com/consorcioabc).

Diário há meio século...

O acadêmico José de Souza Martins guarda a linguagem objetiva do jornalista que foi, como chefe da sucursal do News Seller em São Caetano, na virada dos anos 1950 para 1960, quando se ensaiava a construção do Diário do Grande ABC. Acompanhem no texto que se segue, ilustrando a bela foto descoberta.

Nhá? Nhanhã? Não, era mademoiselle
Texto: José de Souza Martins
 

Repasso-lhe cópia de um postal do Alto da Serra, de 1912, que arrematei num leilão realizado no Interior de Santa Catarina. É raro porque representa Paranapiacaba em perspectiva diversa da dos postais da época, em que a localidade era vista pelo privilegiamento do equipamento ferroviário, o do trabalho e da tecnologia.
 

Neste postal, a ferrovia é adjetiva, não é o centro da foto. O centro da foto é o povoado, a paisagem bucólica, sua temporalidade pré-moderna, o contraponto ao ritmo e ao tempo da intensa combinação de trabalho e tecnologia.
 

O equipamento ferroviário e os que ali trabalham estão lá, num canto da foto, mas em repouso, à espera. Quando os trens aparecem nos outros postais, são trens de passageiros, dos que estão passando ou esperando o momento do locobreque levar para o pé da serra três carros de passageiros de cada vez.
 

Já neste postal, o olhar do fotógrafo se demora no cenário; é um olhar contrapontístico, metodologicamente revelador do lado secundário da dinâmica da SPR (EF São Paulo Railway). Nos outros postais, o olhar do fotógrafo não se demora no cenário, na localidade, no lugar em que vivem os que lá trabalham. Concentra-se nos indícios do ser oculto que move a ferrovia.
 

Como era próprio da época, o cartão está escrito em francês, endereçado a uma mademoiselle residente na Rua Voluntários da Pátria, no Rio de Janeiro. Era a língua cotidiana de muitos dos passageiros que usavam o trem para se movimentar entre os extremos da ferrovia.
 

Quando, por essa mesma época, artistas e escritores franceses vinham a São Paulo, não era incomum que o noticiário dos jornais a eles se referissem em francês porque só nessa língua os brasileiros achavam que era possível tratar dos grandes temas da cultura e do espírito.
 

Já antes da ferrovia, o poeta Álvares de Azevedo, aluno da Academia de Direito de São Paulo, escrevia aos pais, no Rio, em francês. Nossa língua portuguesa, impregnada de palavras da língua ‘nheengatu’, era considerada pela elite uma língua pobre para tratar dos assuntos da civilidade.
 

A SPR foi a revolução que dotou a realidade paulista do instrumental da modernidade. País saído muito recentemente da escravidão, entendiam muitos que não era país em condições de caminhar e desenvolver-se na direção do mundo moderno.
 

A ferrovia trouxe o mundo moderno até nós. Ainda nos anos 1930, nos trem Cometa, só era possível viajar de terno e gravata. Passei por isso em meados dos anos 1950. Ou então, nos trens comuns, na segunda classe.
 

Nas três primeiras décadas do século XX, quando passageiros especiais eram transportados em carros especialíssimos, verdadeiros palácios (carros que estão guardados num galpão na Lapa), nos quais já viajei, havia telefones internos e mordomos e só se viajava de traje correspondente ao ambiente palaciano. E, claro, muitos falando francês ou inglês. Neca de ‘nheengatu’.
 

O postal que lhe mando, documenta esse momento. O olhar do fotógrafo é um olhar paisagístico, conservador e tradicional no considerar lateral a modernidade da máquina. E nada de ‘nhá’ ou ‘nhanhã’, mas mademoiselle, que ninguém é de ferro.
 

NOTA DA MEMÓRIA – Bela aula do professor Martins, não? Memória dá uma dica: em novembro de 2020, o professor abriu uma série de depoimentos que relembram os 30 anos do Congresso de História do Grande ABC, projeto do Consórcio Intermunicipal Grande ABC.
 

Acompanhem. O professor José de Souza Martins, idealizador do Congresso, tem sua fala no canal do órgão intermunicipal no Youtub. É só acessar (https://www.youtube.com/consorcioabc).

Em 4 de janeiro de....

1916 – O juiz de paz da estação Rio Grande (hoje ‘da Serra’), Guilherme Pinto Monteiro, foi agredido com golpe de foice pelo escrivão Arthur Jorge a mando do seu cunhado, o delegado de polícia. A foiçada atingiu o punho direito do juiz e decepou dois tendões.
1921 – Monteiro Lobato estava lançando um livro infantil: Menina do Narizinho Arrebitado.
1931 – O empregado da São Paulo Railway, Alfredo Dias Felippe, 29 anos, caiu de um trem em movimento quando colocou a cabeça para fora e bateu num poste. O empregado foi ao solo e ficou sob as rodas de um vagão. Sofreu esmagamento da perna esquerda, sendo internado na Santa Casa. O acidente ocorreu entre Paranapiacaba e Piaçaguera.

Hoje

Dia Nacional da Pessoa Portadora de Hemofilia

Santa do dia

 Ângela de Foligno (Itália, Foligno, 1248-1309). Admiradora de São Francisco de Assis, ela procurava imitá-lo na pobreza e no serviço aos irmãos.
 




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