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Para especialistas, decreto para reabrir comércio fere Constituição

Advogados constitucionalistas dizem que municípios não podem
atropelar Estado e precisam apresentar estudos técnicos

Por Raphael Rocha
do Diário do Grande ABC
28/04/2020 | 00:14
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Especialistas em direito constitucional alertaram para os riscos jurídicos – imediatos e futuros – de municípios que afrouxarem agora as regras da quarentena imposta pelo governo do Estado até o dia 10 de maio para conter o novo coronavírus em território paulista. O problema iminente envolve derrotas na Justiça sobre ações de suavização do isolamento físico. O posterior envolve até ações de improbidade administrativa.

Algumas cidades do Estado editaram decretos municipais ampliando o leque de comércios que poderiam abrir as portas, mas sofreram derrotas na Justiça. Uma delas foi Diadema, que na quinta-feira publicou regra autorizando funcionamento de salão de cabeleireiro, escritórios de advocacia e contabilidade. Na sexta-feira, o Ministério Público foi à Justiça para barrar a nova norma. No mesmo dia, liminar invalidando o decreto foi concedida.

Na avaliação de Antônio Carlos de Freitas Júnior, advogado do escritório Torres e Freitas Advogados e professor de direito constitucional da Rede LSG e Uninove, jurisprudência do STF (Supremo Tribunal Federal) impede que municípios reduzam rede de proteção na saúde. O especialista lembrou que foi com base nessa jurisprudência que o ministro Alexandre de Moraes, do STF, chancelou o direito de Estados e municípios de adotarem a quarentena, a despeito de o governo federal defender a reabertura do comércio.

“Os entes (União, Estados, Distrito Federal e municípios) são autônomos entre si, mas a Constituição Federal atribuiu a eles algumas missões em assuntos importantes. Meio ambiente e saúde são dois deles. Neste caso, a União traça as normas gerais. Estados, um pouco mais concretos. Municípios lidam com os problemas locais. Nesses casos, o Estado não pode editar nomas que minimizem os impactos das ações federais. Nem os municípios as ações dos Estados. Os municípios poderiam aumentar os efeitos da quarentena. Não tentar reduzir”, analisou Freitas Júnior. “É jurisprudência pacífica no STF de longo tempo.”

Advogada constitucionalista Vera Chemim, mestre em direito público administrativo, avaliou que municípios têm autonomia para editar decretos, inclusive a respeito do novo coronavírus. Entretanto, alertou que qualquer medida de afrouxamento do isolamento precisa vir acompanhada de estudos técnicos que garantam que a reabertura do comércio não trará danos à sociedade local.

“O Supremo reforçou uma tese de que, em relação à saúde, é necessário haver cooperação técnica e financeira entre União, Estados, Distrito Federal e municípios. Os prefeitos conhecem a realidade local, as peculiaridades e a Constituição lhes dá essa autonomia. Mas para qualquer decisão desse tamanho é preciso haver elementos para comprovar (a segurança para afrouxar). Tem de ter respaldo técnico. Se a realidade do município com relação ao coronavírus não permitir a flexibilização, o prefeito pode ser responsabilizado por isso. Ele terá de pagar a conta se aumentar o número de mortes porque o comércio abriu, por exemplo”, disse a advogada. Um dos riscos é responder por improbidade administrativa.”

No caso de Diadema, o juiz André Mattos Soares, da Vara da Fazenda Pública da cidade, entendeu que a Prefeitura havia infringido a Constituição, uma vez que o artigo 30º, inciso 2º, da Carta Magna versa que os municípios têm competência legislativa meramente suplementar. Ou seja, podem atuar em lacunas deixadas em legislações federais ou estaduais. No episódio, o decreto do governo paulista é claro em proibir o funcionamento de estabelecimentos de serviços não essenciais, entendeu o magistrado.

Ao pedir a derrubada do decreto, o Ministério Público informou que o município, “além de afrontar as orientações da OMS (Organização Mundial da Saúde), do Ministério da Saúde e a diretriz da saúde pública do Estado de São Paulo, a Prefeitura estava na contramão da contenção da doença. Aduz que o réu (Paço diademense) não conta com estrutura suficiente e aceitável para a realização de uma flexibilização ou mitigação da estratégia de quarentena social, pois é um dos municípios com maior densidade demográfica do País e possui apenas dez leitos de UTI adulto, quatro infantil e sete neonatal.”

O MP já ajuizou ações similares à de Diadema contra as prefeituras de Jundiaí, Marília, Sorocaba, Itanhaém e São José dos Campos.
 




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