Economia Titulo Na lei
Judiciário ainda é caminho para garantir direitos aos LGBTs

Sem ter legislação específica, obtenção de benefícios previdenciários depende de ações

Por ARTHUR GANDINI
do Portal Previdência Total
03/02/2020 | 07:00
Compartilhar notícia
Claudinei Plaza/DGABC


 O número de casamentos entre pessoas do mesmo sexo no Brasil cresceu 61,7% em 2018, segundo levantamento do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O estabelecimento de um contrato jurídico de união entre LGBTs, além de suscitar discussões sobre igualdade e tolerância a diferentes grupos na sociedade, também permite com que seja estabelecido o direito a benefícios previdenciários a pessoas do mesmo sexo que se casam ou mantêm união estável.

Entretanto, de acordo com especialistas e a despeito dos avanços na discussão nos últimos anos, tais direitos ainda geram dúvidas entre a população LGBT e dependem do Poder Judiciário para que sejam garantidos, em razão da ausência de legislação específica. Exemplos são a garantia ao direito à licença-maternidade, o salário-família e o auxílio-reclusão.

“Todos os direitos trabalhistas e previdenciários devem ser garantidos, sem distinção de gênero ou orientação sexual, aos cidadãos LGBTs, tal e qual são garantidos aos cidadãos cisgêneros e heterossexuais. O fato de haver um relacionamento entre pessoas do mesmo sexo ou de um trabalhador se identificar como transexual não limita em nada o seu direito a um benefício. Logo, a eles também são garantidos os benefícios, desde que completem todos os requisitos exigidos pela legislação”, afirma Leandro Madureira, advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Mauro Menezes & Advogados.

As dúvidas surgem, por exemplo, quando se trata dos requisitos mínimos para a aposentadoria dos cidadãos transsexuais, já que são diferentes as regras para homens e mulheres. O que o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), os regimes de previdência dos servidores públicos e o Poder Judiciário têm feito é analisar a data de preenchimento dos requisitos e compará-la com o momento em que o trabalhador ou a trabalhadora passou a se identificar, do ponto de vista jurídico, por outro gênero. Ainda assim, acontecem casos como o noticiado recentemente, em que um agente penitenciário transexual teve o pedido de aposentadoria indeferido em razão de haver ‘dúvida jurídica relevante’ a respeito de sua identificação, conforme alegado pela autarquia estadual São Paulo Previdência.

Segundo Madureira, a solução para resolver um problema desse tipo é verificar se o processo de transição de gênero já foi completado no momento em que foram alcançados os direitos de aposentadoria. “Esse é exatamente o caso do agente penitenciário, tendo completado os requisitos quando ainda era uma mulher cisgênero. No caso, deve ser aplicada a legislação que contempla os requisitos indicados para as mulheres, ainda que o servidor tenha transicionado de gênero logo em seguida. Para fins de elegibilidade ao benefício, vale a regra aplicável no momento em que foi solicitada a aposentadoria”, analisa.

O especialista, contudo, ainda lembra que os problemas dos trabalhadores transexuais vão atualmente além do pedido de aposentadoria. “O índice de pessoas transexuais em empregos formais é baixo, em razão do evidente preconceito que a nossa sociedade carrega. O maior problema que a população transexual enfrenta é conseguir um trabalho formal”, alerta.

JUDICIALIZAÇÃO
O indeferimento do pedido de aposentadoria, tal como no caso mencionado, pode ser contestado pela via administrativa ou judicial. O caminho de ingressar com ações na Justiça também tem sido utilizado por trabalhadores e segurados para garantir benefícios e direitos. “Não há uma previsão expressa quanto à licença-maternidade para o grupo LGBT, porém é de entendimento jurisprudencial que esse direito pode ser concedido, uma vez que é dado o benefício para quem adota ou recebe a guarda judicial. Ocorre que, na maioria dos casos, a concessão se dá apenas por vias judiciais”, exemplifica Thiago Luchin, advogado previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados.

Segundo o especialista, o mesmo ocorre com o salário-família e o auxílio-reclusão. “O salário-família, juntamente com o salário-maternidade, são benefícios que visam a cobertura dos encargos familiares e têm por objetivo a substituição da remuneração da segurada gestante durante os 120 dias de repouso, referentes à licença-maternidade, bem como a adotante que deverá se dedicar à criança pequena. O benefício é devido às seguradas e segurados que adotarem ou obtiverem guarda judicial para efeito de adoção. Desta forma, o casal homoafetivo que adota também possui esse direito e apenas um do casal terá o benefício. Já o INSS reconhece o direito à pensão por morte e auxílio-reclusão ao parceiro homossexual, mas somente após determinação da Justiça”, destaca.

Brasil é pioneiro na causa homossexual
O advogado Anderson Santos afirma que o Brasil tem um histórico de reconhecimento dos direitos LGBTs que teve início no ano de 1830, quando o País foi a primeira nação das Américas e uma das primeiras do mundo a descriminalizar a homossexualidade. Nas últimas décadas, tem avançado o debate sobre a igualdade de direitos entre casais LGBTs e heterossexuais e a respeito do combate à discriminação, de modo que o Brasil, apesar de ser considerado o País onde mais ocorrem crimes de ódio contra LGBTs no mundo, criminaliza hoje a homofobia.

Para o advogado, contudo, ainda que haja diversos projetos em tramitação no Congresso Nacional a respeito do tema, a falta de atuação do Legislativo contribui para o processo de judicialização. “A violência e a discriminação ainda ocorrem em níveis inaceitáveis, que somente poderão ser reduzidos por um conjunto de fatores, que incluem medidas legislativas e, principalmente, o fortalecimento da educação para o respeito à diversidade. Apesar dos desafios, não resta dúvida de que o Brasil tem avançado a passos largos rumo à cidadania plena da população LGBT.”

Atualmente, a lei autoriza a união civil entre pessoas do mesmo sexo, além de tratar a discriminação aos LGBTs como crime. Já o casamento e a adoção de crianças são garantidos apenas pela Justiça. “Todos os direitos conquistados pela população LGBT vieram por meio de decisões do Judiciário. O caminho normalmente acontece assim: alguém entra na Justiça pedindo que seus direitos sejam respeitados. Um juiz acata o pedido. Cria-se uma jurisprudência e, a partir de então, muitas outras pessoas passam a usufruir dos direitos.”

Na visão da advogada trabalhista Bianca Canzi, o Judiciário ainda deixa a desejar quando se trata da igualdade de direitos aos LGBTs. “O reconhecimento ainda é tímido. O tema é de muita relevância, tendo em vista não haver uma regulamentação clara ou precedentes dos tribunais superiores. O caminho é buscar o Judiciário para ter garantido o seu direito.” 




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;