Setecidades Titulo Segurança pública
Defasagem na Polícia Civil tem alta de 7,65% em um ano na região

Falta de concursos públicos e salários baixos agravam cenário; deficit é de 732 profissionais

Flavia Kurotori
Do Diário do Grande ABC
30/12/2019 | 07:00
Compartilhar notícia
André Henriques/DGABC


A Polícia Civil do Grande ABC atua com apenas 62,4% do efetivo ideal, ou seja, 1.216 dos 1.948 postos preenchidos. O deficit de 732 profissionais é 7,65% maior do que o registrado há um ano, quando faltavam 680 policiais. Os dados foram levantados pelo Sindpesp (Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo) a pedido do Diário. Para especialistas, a situação reflete na população, que sofre com aumento da espera por atendimento e atraso nas investigações.

O pior cenário é o da delegacia seccional de Diadema, onde apenas 57,1% das vagas – 205 de 359 – estão preenchidas. Em Santo André, que inclui Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, o efetivo está trabalhando com 508 dos 819 policiais necessários (62%). Em São Bernardo, responsável por São Caetano, a situação é parecida, já que o quadro tem 503 dos 770 funcionários necessários. Em toda a região, faltam 732 profissionais, número que é praticamente equivalente à soma do efetivo atual das seccionais de Diadema e Santo André.

Raquel Kobashi, presidente do Sindpesp, avalia que os dados são reflexo da falta de investimento no setor. “No Estado com a maior arrecadação do País, a polícia tem uma estrutura caótica e é tratada com descaso absoluto. É um cenário calamitoso e preocupante”, afirma. Segundo ela, o governo do Estado não abre concurso para recrutar novos profissionais e, quando isso ocorre, faltam interessados, pois o salário é o 26º mais baixo do País – um escrivão, por exemplo, recebe R$ 3.743,98 em São Paulo, enquanto no Amazonas, Estado melhor colocado, a remuneração é de R$ 9.613,14.

David Pimentel Barbosa de Siena, coordenador do Observatório de Segurança Pública da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), afirma que todo fluxo de trabalho policial é prejudicado com a falta de profissionais, afetando a população. “As informações chegam pelo plantão policial, que é a porta de entrada da delegacia. Com as equipes desfalcadas, há atraso na confecção de BOs (Boletins de Ocorrência), aumento do tempo de espera. Isso pode fazer as pessoas a desistirem de fazer o BO”, exemplifica.

O especialista aponta que os BOs exigem análise de informações e investigação por meio de inquérito policial. “Há falta de funcionários para a investigação, então, os inquéritos acabam seguindo ritmo aquém do desejado e, muitas vezes, as diligências ficam paradas justamente pela falta de efetivo”, assinala Siena.

A SSP (Secretaria da Segurança Pública) de São Paulo garante que trabalha para ampliar o policiamento em todo Estado, assim como valorizar as carreiras policiais. A nota destaca que o governador João Doria (PSDB) nomeou 1.815 policiais civis neste ano e abriu concurso para 2.939 vagas das polícias Civil e Técnico-Científica, sem detalhar prazos. Em relação à remuneração, a pasta afirma que reajuste e pacote de benefícios foram aprovados pela Assembleia Legislativa e entram em vigor em janeiro.

Faltam 14 policiais técnico-científicos

Conforme levantamento do Sinpcresp (Sindicato dos Peritos Criminais do Estado de São Paulo), a Polícia Técnico-Científica tem apenas 64 dos 78 (82%) cargos preenchidos na região. Na EPC (Equipe de Perícias Criminais) de Santo André, que atende Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, 32 das 44 (72,7%) vagas estão completas. Na EPC de São Bernardo, que inclui Diadema e São Caetano, 32 dos 34 (94,1%) postos estão ocupados.

Eduardo Becker Tagliarin, presidente do Sinpcresp, explica que a falta de pessoal implica na demora para a coleta de informações e, consequentemente, a conclusão de laudos. “Isso atrasa julgamentos que, caso sejam concluídos sem o laudo, podem ser anulados, pois todo local de crime com vestígios deve ser periciado, mesmo que o acusado confesse”, esclarece.

Falta de concursos públicos e salários baixos também são fatores que impedem o preenchimento das vagas. Para os peritos, o salário inicial é de R$ 8.285,66 e, para classe especial, alcançadas por cerca de 10% dos profissionais, é de R$ 10.530,50. No Amazonas, mesma categoria recebe entre R$ 16 mil e R$ 24 mil. “Isso faz com que muitas pessoas altamente qualificadas acabem indo para outro Estado”, observa Tagliarin. Ele estima que 60% do efetivo tenha mestrado ou doutorado e 80% tenha pelo menos duas graduações.

O presidente do Sinpcresp destaca ainda que a reposição destes peritos que saem do Estado de São Paulo requer tempo, uma vez que são até três anos de treinamento para que o policial possa ser incorporado em cargos iniciais e pelo menos seis anos para chegar aos cargos especiais.

PEC da aposentadoria pode agravar cenário regional

A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) número 18/2019 e o PLC (Projeto de Lei Complementar) número 80/2019 propõem reforma da Previdência dos servidores estaduais, podendo afetar a aposentadoria de policiais civis e peritos criminais. Os textos devem ser votados na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) em 2020.

Com a possibilidade de mudanças, a estimativa do Sindpesp (Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo) é a de que os pedidos de aposentadoria tenham aumentado 30% nos últimos meses. “Já temos uma defasagem e o cenário pode se agravar ainda mais nos próximos dois anos caso nada seja feito”, afirma Raquel Kobashi, presidente da entidade.

Atualmente, na Polícia Técnico-Científica, são 14 pedidos de aposentadoria em aberto. “A proposta retira direitos adquiridos, então a tendência é a de que mais profissionais entrem com o pedido (de aposentadoria) conforme o projeto avance na Alesp”, avalia Eduardo Becker Tagliarin, presidente do Sinpcresp (Sindicato dos Peritos Criminais do Estado de São Paulo).

Segundo David Pimentel Barbosa de Siena, coordenador do Observatório de Segurança Pública da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), há pelo menos 9.000 policiais em todo Estado que podem se aposentar atualmente. “Há risco de termos uma verdadeira debandada. Pelo menos a curto prazo, não temos perspectiva de melhorias, muito pelo contrário.”

Fiscalização do TCE aponta condições precárias nos DPs

Fiscalização realizada pelo TCE (Tribunal de Contas do Estado) em maio mostrou que moradores do Grande ABC têm passado por apuros para registrar boletim de ocorrência em delegacias. A fiscalização surpresa deflagrada constatpu que todas as unidades, selecionadas aleatoriamente pela Corte, apresentaram condições precárias no atendimento prestado à população.

Segundo apontamentos feitos pelo órgão, os problemas vão desde prédios deteriorados e longo tempo de espera até funcionários desmotivados, viaturas sucateadas e distrito policial fechado durante horário em que deveria atender. A situação foi flagrada no dia 30 de abril no 1º DP (Centro) de Mauá.

No geral, as nove delegacias vistoriadas apresentaram prédios com falta de acessibilidade, fiação exposta, infiltrações e situação generalizada de bolores em salas de atendimento. Os problemas foram constatados em distritos policiais de Santo André, São Bernardo, São Caetano, Diadema e Mauá. Policiais civis também apontaram condições precárias de trabalho nas delegacias devido à ausência de equipamentos e materiais básicos para o serviço.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;