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Prefeitura acusa médico por erro

Secretária passou informação para familiares
de pacientes afetados por mutirão da catarata

Daniel Macário
Do Diário do Grande ABC
Nelson Donato
especial para o Diário
23/02/2016 | 07:00
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Celso Luiz/DGABC


Mesmo sem o resultado oficial da sindicância, a Prefeitura de São Bernardo e o Instituto de Oftalmologia da Baixada Santista buscam se eximir de culpa por mutirão da catarata malsucedido e, de forma indireta, responsabilizam o médico Paulo Barição pela infecção em 21 pacientes que passaram pela cirurgia no dia 30 de janeiro, no Hospital de Clínicas.

Em reunião realizada na sexta-feira com familiares de pacientes prejudicados pelo procedimento, a secretária de Saúde, Odete Gialdi, tratou de tirar a responsabilidade da Prefeitura ao culpar o profissional por qualquer erro cometido no mutirão. Dos 27 pacientes que realizaram o procedimento, 18 ficaram cegos e dez removeram o globo ocular após infecção pela bactéria Pseudomonas aeruginosa. “Ela (secretária) informou que as investigações ainda estão em curso, mas se houve qualquer erro no dia, disse que foi do médico. A informação foi reforçada mais de uma vez, inclusive”, diz a advogada Letícia Maykoga, 35 anos, filha de uma das pacientes que perderam a visão.

As acusações contra Paulo Barição também foram expostas pelo Instituto de Oftalmologia da Baixada Santista, que contratou o profissional. Em nota, a empresa afirmou que “de acordo com o contrato firmado entre as partes, o material instrumental utilizado pelo médico cirurgião é de sua exclusiva propriedade e responsabilidade. Todos os profissionais médicos-cirurgiões têm o seu próprio equipamento e cabem a eles os cuidados necessários de esterilização.”

Procurado pelo Diário para comentar o assunto, o advogado José Luiz Macedo, que representa o instituto, afirmou que a nota só quis estabelecer de quem eram as competências. “O texto deixou claro que cada um tem sua responsabilidade, o instituto forneceu insumos, enquanto o médico usou seus instrumentos.”

Questionado se a clínica fiscaliza os cuidados com os materiais usados pelos seus profissionais em atos cirúrgicos, Macedo não soube informar.

O Diário tentou entrar em contato com o médio Paulo Barição para comentar as acusações, mas ele não atendeu aos telefonemas nem retornou.

 

DESCASO

Enquanto Prefeitura e instituto buscam se eximir de possível culpa, familiares de pacientes prejudicados pelo mutirão aguardam respostas da administração municipal.

Entre sexta-feira e ontem a secretária de Saúde de São Bernardo, Odete Gialdi, realizou quatro reuniões com parentes de pacientes que participaram do mutirão. Entretanto, mais uma vez a Prefeitura deixou perguntas não respondidas. Em alguns casos, foi solicitado prazo de 15 dias para o Executivo dar posicionamento sobre algumas questões.

“Ela não soube informar, por exemplo, como a Prefeitura irá proceder no caso de pessoas que precisam de ajuda de um cuidador em suas residências. Além disso, no caso de famílias que vão precisar colocar corrimão em casa para locomoção do idoso, ela não soube informar se as outras secretarias vão dar esse suporte”, relata familiar do aposentado Expedito Batista, 66, um dos pacientes infectados pela bactéria Pseudomonas aeruginosa.

Para o autônomo Ricardo Pereira Souza, 36 anos, filho da aposentada Elza Pereira Souza, 64, o encontro realizado com Odete também deixou evidente o quanto a Prefeitura não quer abrir diálogo com os familiares. “Em nenhum momento tivemos a oportunidade de mostrar nossa opinião. Eles disseram que dão assistência médica na rede municipal de Saúde, mas ninguém questionou se não preferíamos uma clínica particular, tendo em vista que todos estamos inseguros com a rede do SUS (Sistema Único de Saúde) depois do que aconteceu no mutirão. Eles só falaram o que já sabíamos. Ninguém quis nos escutar”, relata.

Na visão da advogada Letícia o encontro foi improdutivo. “Ela (Odete) falou coisas sobre as quais já estávamos cientes. Foi uma conversa só para ressaltar o que está sendo feito, mas ela, por exemplo, não soube dizer se todos os custos com tratamentos serão reembolsados. Já os prontuários só serão entregues daqui uma semana para as famílias que ainda não receberam.”

A Prefeitura de São Bernardo foi questionada sobre os assuntos abordados nos encontros, mas não retornou até o fechamento desta edição.

Segundo a advogada, no sábado familiares de pacientes irão se reunir para debater os encontros realizados com a secretária e dar encaminhamento em ação judicial que o grupo deve abrir nas próximas semanas.

 

Vítima é cremada em São Bernardo

 

“Meu pai foi fazer uma cirurgia simples e acabou em um caixão”, desabafa Danilo Glauco Riatto, 39 anos, filho do aposentado Pelegrino Focher Riatto, 77, a primeira vítima fatal após infecção contraída em mutirão da catarata, que ocorreu no dia 30 da janeiro, em São Bernardo. O corpo de aposentado foi cremado às 16h de ontem no Cemitério e Crematório Jardim da Colina, também na cidade, sob comoção e indignação de familiares e amigos. Riatto foi um dos 21 pacientes infectados pela bactéria Pseudomonas aeruginosa, dos quais 18 ficaram cegos e pelo menos dez removeram o globo ocular.

Do procedimento cirúrgico realizado no dia 30 de janeiro no Hospital de Clínicas de São Bernardo, até a noite de sábado, quando o aposentado morreu, ele e a família viveram dias de tensão. Além da perda da visão, o aposentado sofreu AVC (Acidente Vascular Cerebral) e precisaria amputar uma perna por conta de uma trombose. “Precisávamos ir para o hospital (das Clínicas, na Capital) todos os dias. O deslocamento era longo, mas a parte mais complicada era chegar lá e não saber como o meu pai estaria. Às vezes estava bem, mas em outros dias, muito debilitado”, diz o filho de Riatto.

Ainda de acordo com ele, seu pai sempre foi uma pessoa ativa e independente. O jeito brincalhão conquistou os médicos e enfermeiros que cuidaram dele em seus últimos dias. “O pessoal (a equipe médica) sempre me dizia que ele era o xodó da UTI. Era comum chegar lá e vê-lo cantando ou recitando um poema para a minha mãe. Os dois eram muitos apegados e havia muito amor entre eles. Por enquanto ela está forte, mas sei que logo precisará muito de nós.”

A dor da perda se mistura com a indignação. A família acredita que a morte do aposentado está diretamente ligada ao mutirão da catarata. “Ele tinha problemas de saúde que estavam controlados. O corpo trabalhava em equilíbrio. O médico que cuidou dele no Hospital das Clínicas disse que o AVC e a trombose vieram à tona após a infecção e isso foi fatal”, detalha Danilo.

A notícia da morte de Riatto abalou os outros 20 pacientes que contraíram a bactéria durante o procedimento cirúrgico. “Estão todos em choque e ainda mais revoltados. Nos unimos muitos nestes últimos tempos. Estou sentindo como se alguém da minha família tivesse morrido. Estamos ainda mais revoltados e queremos justiça”, conta o autônomo Ricardo Pereira Souza, 36, filho da aposentada Elza Pereira Souza, 64, que precisou remover o globo ocular após também participar do mutirão.

Souza conta que sua mãe tenta retomar a rotina aos poucos. “Ela ainda está sofrendo. Tenho medo que esse tipo de notícias possa prejudicar sua recuperação.”

 

 




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