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'Falta política para a juventude', diz professor de pedagogia
Por José Carlos Pegorim
Do Diário do Grande ABC
27/04/2002 | 16:43
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Professor de Pedagogia da Fundação Santo André, Elmir de Almeida, 43 anos, é um especialista em políticas para a juventude. Ele conheceu adolescente a região, onde veio para jogar basquete, e depois voltou, em 1989, já como professor na Fundação. Foi diretor de Cultura em Diadema de 1993 a 1996. No ano passado, terminou o doutorado na Universidade de São Paulo com a tese Políticas Públicas para a juventude em Santo André – proposta para um condição juvenil. Veja, abaixo, trechos da entrevista que concedeu ao Diário.

DIÁRIO – Quem são os jovens hoje?

ELMIR DE ALMEIDA – Não se pode pensar que haja um jovem símbolo de todos. É melhor pensarmos que estamos diante de jovens, que têm origens, práticas e inserção sociais diferentes, e que se aproveitam das políticas públicas de formas diferentes. Não é possível pensar como se fazia na década de 50 e 60: o jovem é o estudante. É preciso pensar o jovem no plural.

DIÁRIO – Quais são os anseios desses jovens?

ALMEIDA – O anseio dessa juventude muda em função da sua diversidade econômica, cultural – de suas opções culturais. Não tenho dúvida de que todos eles buscam a escolaridade, mas com perspectivas muito diferenciadas, até porque não dá para dizer hoje que o jovem passa pela escola e vai para o trabalho – porque não há trabalho. Para alguns, passa pela escola porque certamente haverá trabalho, e esses vêm de um estrato social mais elevado, com capital cultural, com inserções muito claras. Mas para outros não é assim. Para esses, a escola acaba por ser uma única coisa: um credenciamento, e não questão de formação.

DIÁRIO – Que impacto tiveram sobre as expectativas da juventude três fenômenos interligados: a metropolização do país, que agregou os jovens nos grandes centros urbanos, a indústria cultural de massa e a universalização da educação, que já nos anos 80 determinou um quadro muito diferente dos anos 50 e 60?

ALMEIDA – Tenderam a ampliar expectativas. Daí a necessidade de falarmos de jovens. A questão da escolaridade é boa: por que até a década de 70 ser jovem significava ser estudante? Porque ainda poucos podiam permanecer da infância à vida adulta somente estudando. A massificação do ensino fundamental, o acesso aos meios de comunicação de massa, sobretudo à televisão – ou à indústria cultural, como chamou – mudam o perfil do jovem estudante. Hoje não há mais apenas o estudante. Você montou um tripé com o qual concordo. Muda completamente não só a forma de ser jovem, mas também tornou esse conjunto mais complexo, não permitindo mais que se diga: jovem é isto. Dá para forçar a barra e dizer que jovem vai de 12 a 14 até 20 ou 24 anos, o que é um critério demográfico. Jovem é um conjunto marcado internamente pela diversidade, seja do ponto de vista social, cultural, regional, religioso.

DIÁRIO – Você diz que o Grande ABC, já nos anos 80, mas de forma “tateante”, empreendeu políticas para a juventude. E como está a região hoje?

ALMEIDA – Santo André, na primeira gestão de Celso Daniel, trabalhou com grafiteiros e roqueiros. Mas essa era uma preocupação de todo o governo? Não. O (programa) Rock in Rua, daquela gestão, foi pioneiro a entender essa diversidade. São Bernardo fez a mesma coisa na gestão do Luiz Roberto Alves (secretário de Educação na primeira gestão Maurício Soares) com os rappers. A mesma coisa fez Diadema, que começou o trabalho com a juventude em cima do movimento hip-hop. São nesses governos do final da década de 80 e início dos anos 90 que começamos a perceber uma escuta sensível às demandas que os jovens. O governo de Santo André do período de 1997 a 2000 foi o que deu o salto em termos de ter um olhar mais conseqüente em termos de juventude, sem pegar apenas pelo veio daquele que está em posição social de risco. E São Bernardo também veio nessa esteira. A ação de Santo André não é do tipo fiat lux, mas tem raízes deitadas nas ações pontuais de Diadema, São Bernardo e Santo André. O trabalho com hip-hop e com os astrônomos (do Observatório Municipal) em Diadema já tem mais de dez anos. O trabalho com hip-hop de Diadema depois foi para Mauá, São Bernardo, Santo André, está em Ribeirão Pires.

O Brasil é extremamente moderno na sua legislação que protege a criança e o adolescente. Mas, depois dos 18 ou 21, ele deixa de ser jovem? Vira adulto, mas está estudando, está sem emprego, vive com a família, e portanto continua sua condição juvenil. Ele ainda não assumiu um modelo adulto, é dependente da família, e portanto de políticas para a juventude também. A legislação é avançada numa determinada fatia, mas depois há um completo silêncio. Quando o Estado compreende que a juventude está expandindo os seus limites etários – hoje, ser jovem é ter 30 ou 35 anos – é muito positivo, porque chama a atenção para um problema que já está proposto, e para o qual não se tinha políticas.

DIÁRIO – Como você avalia a política estadual para a juventude?

ALMEIDA – Nem o governo do Estado nem governo federal têm políticas para a juventude. A saída recente encontrada pelo Estado foi colocar a área de juventude com esportes. Isso te diz alguma coisa? Claro que sim – esporte é importante de zero a 80 anos, e também para o jovem. As políticas de primeiro emprego estão colocadas há muito tempo na Espanha e na França, dois países para os quais deveríamos olhar, e só agora estão chegando ao Brasil. E, surpreendente, mais pelos governos locais do que pelo Estado e pelo governo federal. Mas não dá para pedir tudo para o município. O município pode dar conta de um pedaço do problema. Certamente não dará conta do problema da violência. Ou se tem uma política pública que pegue os níveis federal, estadual e municipal, ou não há solução para a violência.

DIÁRIO – Qual o retrato da juventude hoje e o que mudou no Brasil sob a epidemia da violência para a ela?

ALMEIDA – O modelo da juventude hoje é o mosaico. Não diria de jeito nenhum que temos uma juventude no Brasil, mas nós temos juventudes no Brasil. E cada vez mais ela está sendo recrutada por segmentos que têm na violência o seu fazer. O que fazer, eu não sei. Mas eu sei que sobretudo com esse jovem, que encontrou no mundo da violência a possibilidade de se satisfazer do ponto de vista material. Eu não sei o que fazer. Mas sem dúvida nenhuma que a ausência de interlocutores no âmbito da sociedade e no âmbito do Estado, na ausência de escutas sensíveis, na ausência de políticas, resta para ele o mundo da violência.




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