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Brasileiro produz um quilo de lixo por dia
Por Nathalia Nonato e Nayara Fernandes*
16/11/2009 | 07:00
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Você já pensou para onde o lixo é levado depois que o lixeiro passa pela sua casa? E na quantidade de resíduo que se acumulam ao longo de uma semana? O brasileiro gera, em média, um quilo de lixo por dia. Uma família de cinco pessoas, por exemplo, produzirá 35 quilos em uma semana. Em todo o mundo, os Estados Unidos são os maiores produtores de resíduos. Os americanos respondem por 31% do total de lixo do planeta. O Brasil contribui com cerca de 7% do resíduo domiciliar do mundo.

Os números são assustadores. Mas pouca gente deve refletir sobre o assunto, pois, certamente, a preocupação com a sujeira e o mau cheiro acaba após o lixeiro passar. De acordo com a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), órgão ligado à Secretaria do Meio Ambiente, 80% do lixo produzido pela Grande São Paulo é encaminhado para aterros sanitários.

"Ainda assim, parte do lixo que não é encaminhada para aterros tem disposição final inadequada, ou seja, vai parar debaixo de viadutos, córregos, rios, e até mesmo em pontos ilegais", afirmou o ambientalista e professor do programa de pós-graduação em gestão ambiental da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de Minas Gerais Maurício Waldman.

Nas sete cidades do Grande ABC, os mais de 2,5 milhões de habitantes produzem 2.000 toneladas de lixo todos os dias. O serviço de coleta, transporte, triagem e descarte de todo este material custa cerca de R$ 51 milhões por ano. Seis dos sete municípios, exceto Santo André, que tem aterro próprio, destinam o lixo domiciliar ao aterro sanitário Lara Central de Tratamento de Resíduos Ltda, em Mauá.

Por sua vez, o aterro de Santo André já ultrapassou, em maio deste ano, sua capacidade. O Semasa (Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André), que gerencia o serviço na cidade, recebeu o aval da Cetesb para ampliar o aterro no dia 16 de setembro. Com o aumento, o aterro ainda terá vida útil por período estimado de 13 anos.

O terreno, de 217 mil metros quadrados, é utilizado para receber lixo desde 1986. A expansão autorizada pela Cetesb dará uma área a mais de 40 mil metros quadrados. Nesse espaço, atualmente, funcionam a administração do depósito e duas cooperativas de reciclagem de lixo, que deverão ser removidas. "A Prefeitura de Santo André deveria discutir mais sobre questões como a diminuição da produção de lixo e como fazer para amenizar o volume de lixo. A questão do aterro viria por último", disse o pesquisador. O Semasa não quis comentar a resposta.

Ainda assim, não é novidade que a produção de resíduos aumentou nos últimos anos. Porém também não é novidade que todo este lixo que se acumula, dia após dia, em qualquer cidade do mundo, é de responsabilidade dos cidadãos.

A situação ainda é mais crítica no que diz respeito aos hábitos e costumes adquiridos ao longo dos anos pela população. Há quem diga que esse aumento também esteja ligado ao nível de desenvolvimento e consumo de um país, Estado, ou cidade.

O perfil desta produção também mudou ao longo dos anos. No Brasil, até pouco tempo atrás, as crianças, por exemplo, não usavam fraldas descartáveis nem o leite era vendido em embalagens Tetrapack.

Até pouco tempo, o resíduo doméstico de qualquer casa brasileira, por exemplo, era composto principalmente por materiais orgânicos e restos de comida. Hoje, o cesto de lixo é destino de embalagens de plástico, pilhas, baterias de celular. A culpa é do avanço tecnológico ou de uma sociedade sem valores definidos, onde tudo é facilmente jogado na lata de lixo?

Para o professor da PUC-MG, a questão é mudar hábitos de consumo e costumes. "As pessoas terão que repensar o que comem, o que cozinham, repensar quanto estão consumindo, ou seja, teremos que colocar o meio ambiente em pauta", afirmou. Segundo ele, o papel da administração pública nessa história é incentivar programas de coleta seletiva de lixo e educação ambiental, por exemplo.

Ainda assim, definir qual é o melhor destino para o lixo é um dos grandes dilemas das administrações públicas em todo o mundo. No Japão, por exemplo, não há lixões e a maioria dos detritos é encaminhada para países vizinhos, que cobram pelo serviço prestado. No Brasil, a situação é bem diferente. Basta caminhar um pouco pelas grandes cidades do País para perceber que ainda há muito o que se fazer.

Ainda há pessoas que acreditam que um pequeno papel de bala ou mesmo um folheto distribuído no farol não fará diferença se jogado na rua. O problema é que esse lixo entope bueiros e galerias de águas pluviais, provoca inundações em épocas de chuva.

De acordo com a Sabesp, cerca de 35% da poluição acumulada na bacia do Rio Tietê não vem de redes de esgoto, mas sim do lixo jogado nas ruas. Todos os dias, as águas do rio recebem toneladas de sacolas plásticas, garrafas, latas e outros tipos de lixo abandonados por moradores da Grande São Paulo.

Por isso, é importante que as cidades pensem e também comecem a investir de forma mais eficaz numa solução definitiva. Ainda não há no Brasil políticas públicas que incentivem a educação ambiental em escolas, por exemplo.

Mas a questão é que todas as pessoas, aquelas que produzem cerca de um quilo de lixo por dia, comecem a pensar em soluções. Uma saída para o problema pode ser a reciclagem. "Ainda assim, a reciclagem é um passo dentro da minimização do problema; primeiro temos que repensar, reduzir, reutilizar, e por último reciclar", explicou Waldman.

Reciclagem não deve ser única alternativa

A reciclagem pode ser uma alternativa, mas não deve ser a única. Para Fabrício França, diretor do Instituto Triângulo, que recicla óleo de cozinha, antes de reciclar, qualquer pessoa precisa fazer algumas reflexões. "Primeiro é reduzir o consumo. Não adianta consumirmos essas coisas que têm várias embalagens. Tudo isso gera resíduos de forma desnecessária", ressaltou.

A reutilização também deve ser pensada. Garrafas de plástico podem ser reutilizadas para guardar outros líquidos, potes de sorvete são reaproveitáveis, papel pode ser utilizado dos dois lados. No Brasil, cerca de 70% dos resíduos de uma residência são recicláveis ou reaproveitáveis, enquanto outros 30% são materiais orgânicos ou não recicláveis.

Se comparado a países desenvolvidos, o Brasil apresenta elevados índices de reciclagem. Em todo o País, segundo o Cempre (Compromisso Empresarial para Reciclagem), em 2005, reciclavam-se 49,5% do papel de escritório; 77,4% do papelão; 20% dos plásticos em geral, exceto pet; 47% de pet; 96,5% do alumínio; 29% de embalagem de aço; 46% da embalagem de vidro e 58% dos pneus.

Ainda assim, de acordo com o livro Os Bilhões Perdidos no Lixo (Ed. Humanitas, USP, 1997), do economista Sabetai Calderoni, o Brasil deixa de arrecadar bilhões de reais por desperdiçar boa parte do seu lixo. Ele calcula que a coleta seletiva poderia render aos municípios até R$ 135 por tonelada, além de representar redução nos gastos da prefeitura com aterros sanitários, por exemplo. Mais da metade do lixo poderia ser reaproveitada.

No Grande ABC, as sete cidades reciclam cerca de 1% de todo o lixo produzido na região. Segundo a Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, o índice é menor do que o de Curitiba, por exemplo, que recicla 20% do lixo coletado. "O papel do poder público é fazer a coleta seletiva, mas ele acaba, muitas vezes, transferindo essa obrigação para cooperativas de reciclagem", ressaltou França.

Para ele, a população precisa cobrar iniciativas do governo. "Se eles recolhem o resíduo domiciliar, por que não recolhem o reciclável também?", questiona. A reciclagem é opção após o consumidor reutilizar e repensar toda a questão do lixo.  

Histórias de catadores que venceram

Sujeira, falta de respeito e pobreza. Esse é o retrato da imensa desigualdade social e intolerância vividas diariamente por catadores das grandes cidades. Mais de 140 famílias viviam das montanhas do lixão do Alvarenga até seu fechamento, em junho de 2002. O local era um dos maiores da América Latina, com 40 hectares de lixo urbano a céu aberto, e ficava na divisa entre São Bernardo e Diadema. O terreno de 750 mil metros quadrados era utilizado desde 1972 como depósito de lixo, entulho e resíduos.

Sobreviver dele. Essa era a opção dessas famílias. Considerados seres sujos, os catadores têm em sua história de vida a marca do preconceito e do desamparo social. E essa realidade não é apenas vivida pelos catadores do Grande ABC. Em todo o País, os cerca de 500 mil catadores de papéis, metais, plásticos e vidros sofrem com o preconceito e o descaso.

A ex-catadora Neize Rodrigues, que começou a trabalhar no lixão junto com o pai, aos 8 anos, conta que o preconceito ainda é grande, mas na época em que começou era bem maior. "O pessoal chamava a gente de lixeira, tampava o nariz quando passávamos e eu tinha muita vergonha disso."

Neize diz que sua situação começou a mudar quando a Associação Refazendo foi criada em 2002, depois que o lixão foi desativado pela Prefeitura de São Bernardo. Essa mãe de 38 anos, que trabalhava lá para se livrar da fome, hoje, após oito anos vivendo da cooperativa de reciclagem, conhece os direitos de qualquer cidadão comum e comemora sua vitória.

"Sinto que estou fazendo um bem para o mundo e tenho muito orgulho de trabalhar com materiais recicláveis. Lixo? Essa palavra já ficou para trás", comemorou.

A presidente da Associação, Francisca Silva, conta que chegou ao lixão do Alvarenga após ficar desempregada. "Lá era muito sofrido, não tínhamos escola para as crianças. Todo mundo trabalhava sem equipamento de segurança, no sol, na chuva, sem luva, sem nada. Era uma vida que morrer era até melhor", contou.

Agora, Francisca faz questão de ressaltar que, mesmo sendo presidente, tem os mesmos direitos dos cooperados. Na associação, todos têm os mesmos direitos e deveres e ganham conforme o que produzem durante o mês.

"Trabalhar numa cooperativa é um grande orgulho, porque eu aprendi muita coisa sobre reciclagem, entendo os meus direitos, a minha vida melhorou e eu sei da importância que esse trabalho tem", disse a presidente.

Agora é momento de repensar sobre esse problema social e econômico e como aliviá-lo. Apenas 2% do lixo de todo o Brasil é reciclado, sendo que mais de 50% do lixo é composto de materiais que podem ser reutilizados.

*O conteúdo editorial destapágina é de responsabilidade da Universidade Metodista de São Paulo, com supervisão editorial da jornalista Margarete Vieira Pedro.




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