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Prejuízo com trotes ao Samu passa dos R$ 7 mi

Gasto contabiliza casos em que ambulância é
deslocada, conforme estudo do Senado Federal

Por Vanessa de Oliveira
Do Diário do Grande ABC
30/11/2015 | 07:00
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Claudinei Plaza/DGABC


Brincadeira nem sempre é sinônimo de diversão. E quando envolve serviços de Saúde, é de muito mau gosto. Das 152.985 ligações recebidas no primeiro semestre deste ano pelo Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) do Grande ABC, 14.387 eram trotes. Mais que a perda de um tempo precioso, o prejuízo também é financeiro: pode passar dos R$ 7 milhões. O cálculo é feito com base em estudo do Senado Federal, que estima R$ 500 de prejuízo por trote quando há deslocamento da ambulância, devido à mobilização desnecessária de recursos com alto custo à sociedade (veja mais sobre a análise abaixo).

O panorama equivale à média de três telefonemas inverídicos por hora, ou um trote passado a cada 18 minutos. Em todo o ano de 2014, dos 257.574 chamados, 19.326 foram zombarias que, de acordo com os artigos 266 e 340 do Código Penal, podem render de um a três anos de detenção e multa, no primeiro caso, e de um a seis meses de detenção e multa no segundo. "O valor traduz todo o custo médio de deslocamento da equipe: gasolina, manutenção de viatura, equipamentos, comunicações, salário, entre outros", explica o consultor legislativo do Senado Federal para a área de direito penal e um dos autores do estudo “Combate ao trote telefônico: Uma questão de emergência”, Tiago Ivo Odon.

O Samu de Mauá é referência também para as cidades de Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. No ano passado, dos 30.814 registros, 2.331 foram trotes, sendo que, destes, em 105 casos a ambulância foi deslocada. Nos primeiros seis meses de 2015, o índice de brincadeiras foi ainda maior: 6.600, em universo de 25.623 telefonemas.

O coordenador geral do Samu mauaense, Adalberto Silva Cerqueira, ressalta que, além do prejuízo que isso traz aos atendimentos reais, a situação afeta ainda os profissionais. “Toda vez que a ambulância sai, já mexe com o emocional da equipe que se prepara para a ocorrência. Todos vão com aquela adrenalina.”

Em Santo André, que recebe ligações também de São Caetano, os trotes representaram, de janeiro a junho, 12% das chamadas. O nível, porém, já foi maior, segundo o coordenador de enfermagem do Samu andreense, Fernando dos Santos Morales. “A média anterior era de 15%”, fala.

No município de São Bernardo, no primeiro semestre, das 79.004 ligações,1.660 não se tratavam de nenhuma necessidade. Em Diadema, o Samu fez 19.442 atendimentos telefônicos, mas 2.658 eram falsas chamadas, o que corresponde a 13,67%.

A maior parte dos trotes é passada por crianças, especialmente no período de férias escolares. Mas os pequenos não são exclusividade. “Tem quem liga e fica cantando as telefonistas”, conta Morales.

Como o aprendizado começa desde cedo, o Samu leva conscientização às escolas. Em Mauá, o projeto foca no Ensino Fundamental, apresentando teatro de fantoches em que os personagens dão dicas de prevenção e abordam os riscos que envolvem a realização de trotes telefônicos. “A criança a gente molda até uma certa idade”, salienta Cerqueira.

O Samu andreense apresenta duas propostas de orientação. “Para o público infantil, levamos personagem chamado Samuzinho e, em peça teatral, mostramos os prejuízos que o trote pode causar. A partir dos 11 anos, fazemos palestras orientativas e também apresentamos noções de primeiros socorros e, aos adultos, entregamos folders explicativos”, diz Morales.

DESCONHECIMENTO

Outra situação enfrentada pelo Samu são as chamadas que fogem da alçada do serviço. Criado no Brasil em 2003 como parte da Política Nacional de Atenção a Urgências, o coordenador de Santo André pontua que muitas pessoas ainda desconhecem em quais casos o 192 deve realmente ser acionado (confira arte ao lado). “Chamam para levar um paciente em consulta médica ou pedem orientação de uso de medicamento, por exemplo. Infelizmente, ainda usam o Samu de forma inadequada.”

Demandas clínicas, acidentes e casos psiquiátricos são maioria das ligações

As principais ocorrências atendidas pelo Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) do Grande ABC são os casos clínicos (crises convulsivas, doenças cardiovasculares e diabetes).

Em seguida estão as causas externas (quedas, acidentes de trânsito, agressões/violência), os atendimentos psiquiátricos (surtos, alcoolismo e drogadição) e os ginecológicos/obstétricos (trabalho de parto).

Somando as cidades de Santo André, Mauá e São Bernardo, o Samu conta com 632 funcionários, envolvendo coordenador geral, coordenador médico, coordenador de enfermagem, coordenador de frota, auxiliares administrativos, auxiliares de apoio operacional, telefonistas, operadores de rádio, médicos reguladores, médicos intervencionistas, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e condutores socorristas. Diadema não informou a quantidade de profissionais que compõem a equipe.

Na questão veículos, os quatro municípios contam com 35 unidades de suporte básico; oito de suporte avançado (duas em cada cidade); e seis motolâncias (Diadema não informou se possui).

As ligações ao Samu feitas em São Caetano caem na Central de Regulação que fica em Santo André, mas o município tem uma base regional, no bairro Santa Paula. A estrutura é composta por três ambulâncias, sendo duas de suporte básico e uma de suporte avançado, e nove profissionais: um médico, três enfermeiros, dois técnicos em enfermagem e três socorristas.

Os funcionários estão divididos em três equipes: SAV (Suporte Avançado de Vida), SBV (Suporte Básico de Vida) e SIV (Suporte Intermediário de Vida). A Prefeitura ressalta que, na região, apenas São Caetano possui este último serviço.

No País, custo chega a R$ 1 bi por ano

Publicado em setembro, estudo feito para o Senado Federal analisou o impacto das falsas chamadas de socorro a serviços de emergência. Estimativas colhidas em alguns Estados do País apontam para prejuízo anual de R$ 1 bilhão. A projeção de cifra nacional partiu de informação do valor de R$ 500 de prejuízo por trote, calculado no Amapá, multiplicado pelo número estimado de trotes no País.

“Não existem dados oficiais sólidos sobre o assunto. O único órgão que nos ofereceu estimativa foi a Polícia Militar do Amapá. Considerando a realidade de lá, julgamos que o valor seria um bom parâmetro para oferecer uma estimativa mínima para todo o País. Possivelmente, em grandes cidades brasileiras, o custo seja maior”, disse o consultor legislativo do Senado para a área de Direito Penal e um dos autores da análise, Tiago Ivo Odon.

A publicação mostra que em 2014, no Estado de Alagoas, o número de trotes recebidos pelo Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) chegou próximo a 490 mil chamadas, quase 70% do total. Multiplicando-se esta quantidade pelo custo do atendimento indevido, o prejuízo pode ter atingido o montante de R$ 229 milhões.

Atendendo também a outros dois municípios (Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra), o coordenador geral do Samu de Mauá, Adalberto Silva Cerqueira, sabe bem dos prejuízos financeiros que resultam o envio de ambulância a uma falsa chamada. “Se for uma ambulância UTI (Unidade de Terapia Intensiva), que fica em Mauá, o deslocamento para Rio Grande da Serra, por exemplo, tem um desgaste maior, pela distância.” Recentemente, o serviço mauaense passou a contar com um gravador e identificador de chamadas, que também alerta se determinado número já ligou várias vezes.

Em 2012, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) sancionou lei que estipula multa de R$ 1.428,21 para quem passar trote em telefones de emergência. Há ainda projeto que tramita na Câmara Federal com objetivo de criminalizar o trote. A punição seria detenção de um a três anos e multa.

O estudo oferece ainda outro tipo de punição. “Propomos uma via mais rápida e eficiente por meio do bloqueio da linha telefônica.” Para desbloquear a linha, o titular procuraria a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) ou o órgão prestador do serviço de emergência afetado, a fim de receber o auto de infração pelo trote.




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