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Rapapés e salamaleques
Carlos Brickmann
Para o Diário do Grande ABC
03/12/2014 | 07:00
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Um País curioso, o nosso: aqui o treinador de futebol é chamado de “professor”, o professor de “tio”, e falar em mãe é xingamento. Uma República curiosa, a nossa: tem mais de um século e continua obrigando a população a usar nomes pomposos para quem se julga superior aos outros. Juiz, por exemplo, é “meritíssimo”, tenha ou não mérito, tenha ou não sido reprovado em concurso. Um reitor deve ser tratado, acredite, por “vossa magnificência”. Ocupantes de cargos executivos são “excelentíssimo senhor governador” (ou prefeito, ou presidente), independentemente da excelência de sua administração, de seus conhecimentos ou de seus princípios. Tanto é excelentíssimo um governador competente e ilibado quanto um que tenha deixado o palácio para merecidamente habitar um presídio.

Às vezes a nossa maneira de denominar os cidadãos mais iguais se torna involuntariamente engraçada. Assista a um debate parlamentar e ouvirá coisas como “Vossa Excelência é um ladrão”, ou “Vossa Excelência falta à verdade e tenta ocultar suas ignóbeis intenções”. Onde está a excelência do ladrão, do mentiroso, do dissimulado que oculta suas ignóbeis intenções? Há ótimos casos no Congresso: Carlos Lacerda, um dos maiores oradores do País, teve certa vez o discurso interrompido por um adversário, aos berros de “Vossa Excelência é um purgante”. Respondeu em cima: “E Vossa Excelência é o efeito”.

Mas ambos eram Excelências. Já o cidadão comum, no Congresso, é só “Vossa Senhoria”. Não é nobre o suficiente. E os outros se julgam nobres demais.

A origem das palavras
Salamaleque é a adaptação do ritual árabe de saudação, em que tradicionalmente quem chega diz “Salaam Aleikum” (a paz seja convosco) e quem o recebe responde “Aleikum Salaam” (seja convosco a paz). Virou, em português, sinônimo de cumprimentos exagerados. O mesmo que rapapé – uma antiga saudação em que, em sinal de respeito, arrastava-se o pé para trás. Não confundir com pés-rapados. Esses, que exigem tratamento especial, pés-rapados é que não são.

Fica combinado assim
O diretório nacional do PT decidiu expulsar qualquer filiado envolvido comprovadamente em casos de corrupção. Mas só vale da Operação Lava Jato para cá. Casos anteriores, de réus condenados e cumprindo pena, são casos anteriores.

É hoje!
Hoje, no finzinho da tarde, sai a primeira indicação de como será a economia brasileira na era Dilma 2.0: o Banco Central comunica a nova taxa de juros, que hoje está em 11,25%. Se subir (fala-se entre 0,25% e 0,5%), a presidente não terá esperado sequer que Guido Mantega vá para casa antes de inverter o jogo.

Ministros cadentes
Guido Mantega foi demitido em entrevista coletiva, no início de setembro, mas não há vassoura atrás da porta que o convença a ir embora. E não é o único dos ministros de Dilma a receber tratamento de segundo time. Ministros que foram ignorados pela presidente por pelo menos um ano (se o caro leitor não lembrar dos nomes, não faz mal. A presidente também não lembra, apesar de sua memória excelenta): Garibaldi Alves, Previdência; Mauro Borges, Desenvolvimento; Eduardo Lopes, Pesca; Manoel Dias, Trabalho; Jorge Hage, Controladoria Geral da União; Laudemir André, Desenvolvimento Agrário; Clélio Diniz, Ciência e Tecnologia; Luiza Helena Barros, Igualdade Racial; e o general José Elito, Segurança Institucional, não tiveram qualquer audiência com Dilma em 2014. Vinícius Lage, Turismo, deixa o cargo sem jamais ter sido recebido.

Mal como nunca, bem como sempre
Os rumores são terríveis: de que haveria uma investigação especial sobre a Odebrecht, que seus diretores estariam preparados para receber voz de prisão, que os advogados da empresa se manteriam em alerta permanente. Até pode ser.

Mas, tirando as suposições, há um fato real: no sábado, a Odebrecht inaugura o aeroporto de Nacala, em Moçambique, construído com US$ 140 milhões de dólares do BNDES. Moçambique assume a dívida com o banco brasileiro, mas os recursos para a construção do aeroporto foram entregues diretamente à construtora, para evitar burocracia e atrasos. Aliás, certamente para evitar burocracia e atrasos, não houve nem licitação: a obra foi direto para a Odebrecht. 




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