Setecidades Titulo Efeitos da pandemia
Pesquisa projeta que perdas educacionais vão durar anos

Alunos do ensino médio serão os mais afetados; especialistas recomendam retorno seguro às atividades presenciais

Por Aline Melo
Do Diário do Grande ABC
21/06/2021 | 00:01
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Celso Luiz/DGABC


A estudante Marília Gabriela de Sousa, 17 anos, terminou o ensino médio em 2020. De uma hora para outra, precisou estudar de maneira remota, como todos os alunos do País, por causa da pandemia de Covid-19. A adaptação não foi fácil e o estresse da situação aliado a perdas familiares por causa da doença fizeram com que a jovem tivesse dificuldades como nunca antes nos estudos.

“A pandemia veio no meu 3º ano do ensino médio e todos os planos que eu havia feito foram por água abaixo. Além das pressões de uma vestibulanda, o medo e as incertezas trazidas por esse vírus tumultuaram a minha vida escolar”, afirmou.

Marília, que mora em Santo André, está entre os alunos que serão os mais prejudicados pela pandemia de Covid-19, segundo estudo Perda de Aprendizagem na Pandemia, elaborado por professores do Insper, instituição de ensino e pesquisa, e o Instituto Unibanco. Publicado em junho, o levantamento mostrou que os efeitos dessa troca repentina no modo de estudar e o fato de que muitos jovens simplesmente não conseguirem acompanhar as aulas, seja por falta de internet, equipamentos ou estrutura em geral, devem ser sentidos por muitos anos, talvez ao longo de toda a vida, especialmente entre os alunos do ensino médio.

O trabalho usou dados do Ministério da Educação e das avaliações como Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica). Segundo a professora do Insper e coautora do estudo Laura Machado, alunos do ensino médio são os que devem ser mais prejudicados, uma vez que terminaram os estudos básicos no ano passado ou vão terminar neste ano ou no próximo. Já os alunos do ensino fundamental terão mais tempo para recuperar, ao longo da sua jornada escolar, os prejuízos do período.

De acordo com cálculos do estudo, os alunos aprendem, em média, 15 pontos na escala Saeb em matemática e 20 pontos em português, em cada um dos três anos do ensino médio. Baseados na informação de que os alunos perderam, em média, no ano passado, dez pontos na escala Saeb em seu aprendizado, a maioria dos estudantes que vão se formar no ensino médio em 2022, se continuar apenas no ensino remoto, pode concluir a última etapa da educação básica com o mesmo nível de conhecimento que tinham quando concluíram o 9º ano.

Para além das perdas de aprendizagem, a coautora do estudo e professora do Insper Laura Machado afirma que esse resultado tem potencial para impactar na remuneração desses jovens, quando vierem a entrar no mercado de trabalho. “Temos estudos que mostram que a cada ponto perdido na escala Saeb, o estudante vai ter uma perda de 0,5% na sua renda ao longo da vida produtiva. Dois anos em pandemia, seriam 20 pontos perdidos, ou 10% de impacto negativo na sua remuneração”, pontuou Laura. Em moeda corrente, considerando o número total de alunos que estavam no ensino médio em 2020, se trata de impacto de R$ 1,3 trilhão, calcula a professora. “Isso é mais do que o impacto que tivemos com o desemprego durante a pandemia.”

Apesar dos dados negativos, a docente afirma que há formas de mitigar esse impacto. “É preciso melhorar o ensino remoto. Temos falado muito sobre vacina, sobre distanciamento e pouco sobre como vai a educação”, alertou. “É preciso voltar, com urgência e segurança, com todos os protocolos, ao ensino presencial. No mínimo ao ensino híbrido. E garantir que todos os alunos, especialmente os mais carentes, tenham condições de continuar os seus estudos.”

Concentração é desafio das crianças menores

Ainda que tenham mais tempo para recuperar o aprendizado perdido, as crianças menores tiveram dificuldade com o ensino remoto, implementado de uma hora para outra. Professora do Insper, instituição de ensino e pesquisa e coautora do estudo Perda de Aprendizagem na Pandemia, Laura Machado destacou que comprovadamente o ensino remoto é menos eficiente do que o presencial.

As dificuldades foram vivenciadas por Bianca Ribas Rodrigues, 8 anos, aluna do 3º ano de uma escola privada em São Caetano. Para a criança, problemas como conexão com a internet e até o barulho dos vizinhos atrapalham o aprendizado. A mãe da garota, a analista de sistemas Patricia Pinheiro Ribas, 46, avalia que a dificuldade, na verdade, é a dispersão. “Não é a mesma coisa que com a professora. Ela começou a não fazer as lições”, explicou. “O ano passado fiquei em casa boa parte do ano, mas este ano que não estou lá, ela não fazia nada”, completou.

A falta de supervisão também foi sentida por Alana de Almeida Bertolini, 10, do 5º ano em escola privada de Santo André. De boa aluna, que se interessava pelas matérias, ela passou a ter dificuldades. “No ensino remoto ela se distrai. Mesmo em ambiente silencioso, sem interferências, ela conseguia se distrair, muitas vezes usando aba do navegador para jogos”, contou a mãe, a assistente de caixa Mariana de Almeida Bertolini, 31. “Ficou impossível deixar ela fazer aula sem supervisão”, completou. A solução foi a mãe mudar de horário no trabalho e atuar apenas meio período.

Mariana avalia contratar professora particular ou serviço de reforço quando as aulas presenciais forem retomadas, como forma de recuperar o atraso. “Vejo o esforço da professora, mas muitas vezes ela só entende o conteúdo quando sento para explicar”, concluiu. 




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