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Sai livro em que Ariano Suassuna trabalhou por 33 anos
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16/12/2017 | 07:00
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EBC


Foram 33 anos de uma escrita precisa, seletiva - em meados dos anos 1980, o escritor Ariano Suassuna (1927-2014) começou a rascunhar o que se tornaria o Romance de Dom Pantero no Palco dos Pecadores, publicado agora pela Nova Fronteira. Trata-se de uma caixa com dois volumes, que trazem uma espécie de testamento literário do autor do Auto da Compadecida. Um trabalho monumental, cuja narrativa inclui elementos com os quais Suassuna mantinha familiaridade: teatro, poesia, prosa e ensaio.

Inicialmente previsto para quatro volumes, o romance terminou com dois (O Jumento Sedutor e O Palhaço Tetrafônico) e oferece uma reavaliação muito particular da própria obra a partir da narrativa de Dom Pantero, cujo nome verdadeiro é Antero Savreda. Escritor frustrado, Pantero (ou Savreda) tem a ambição de conquistar a glória literária a partir da obra bem-sucedida de seus irmãos, muito mais conhecidos: o romancista Auro Shapino, o poeta Altinho Soares e o dramaturgo Adriel Soares. Note-se que todos os nomes dos irmãos começam com as letras A e S, ou seja, despontam como heterônimos mal disfarçados de Ariano Suassuna.

"O romance se apresenta como uma autobiografia, mas uma autobiografia deformada - deformadíssima, diríamos melhor - pelo espelho da arte, posto que é 'Musical, Dançarina, Poética, Teatral e Videocinematográfica'", observa, em texto introdutório, Carlos Newton Júnior, pesquisador que vem organizando a obra inédita de Suassuna, ao lado do filho do escritor, o artista plástico Manuel Dantas Suassuna, e do designer Ricardo Gouveia de Melo. "Uma autobiografia em que o autor passa em revista toda a sua diversificada obra, cuja autoria é atribuída, por gênero, a seus diversos heterônimos, todos membros da família Savedra."

Suassuna era um artista fundamentalmente enraizado na cultura brasileira, defendendo-a com clamor, mas também com rigor, separando o joio do trigo. E, sempre em busca da perfeição, não se importava em reescrever parte da própria obra, quando julgava necessário. "Não foram poucas as alterações que empreendeu no plano da obra até chegar a uma forma final que o satisfizesse plenamente", ainda escreve Newton Júnior. "Perfeccionista declarado, Suassuna burilou o texto o quanto pôde. Impossível quantificar os episódios e cenas cortados e acrescentados, os nomes de personagens alterados, as passagens inteiramente reescritas ou simplesmente descartadas."

"No Romance, Ariano Suassuna nos permite imergir nos seus continentes imaginais, nas suas angústias, esperanças e alegrias. Instigado pela plenitude da cosmicidade, nos entrega um Sertão mais primordial, mágico, invisível, íntimo, profético, circense, desértico, mortal. Um Sertão que é o Mundo", comenta, em texto publicado na contracapa de um dos volumes, a pesquisadora Maria Aparecida Lopes Nogueira.

Newton Júnior fala também que os papéis deixados pelo escritor esclarecem em detalhes o seu processo de trabalho. "Os milhares de páginas manuscritas conservadas em seu gabinete de trabalho revelam que bastante coisa ficou de fora da versão final - o que nos leva à inequívoca conclusão de que o romance cresceria muito, caso Ariano não tivesse começado a passar, em 2013, pelos problemas de saúde que o forçaram a colocar um ponto final na obra", argumenta.

No livro, Pantero ministra o que chama de "aulas espetaculosas", algo semelhante às deliciosas aulas-espetáculo com as quais Ariano percorreu o País enquanto teve forças, alcançando um enorme sucesso. Enquanto escrevia, Suassuna temia por uma certa rejeição da obra. "É por causa da minha escrita, cheia de rudeza, digressões, venho por aqui, vou por ali", disse ele à reportagem, em 2011. "Houve um tempo em que as pessoas reclamavam porque eu não escrevia como Graciliano Ramos ou Guimarães Rosa. Tenho minha personalidade, sou incapaz da concisão. Preciso de horizontes mais amplos."

"Assim Suassuna pensava a sua obra: como um marco do Brasil verdadeiro e profundo, que apontasse para o nosso povo um novo caminho a seguir; mais justo e fraterno, do ponto de vista social, do que o que trilhamos até agora; e mais belo e original do que o caminho da vulgaridade, da descaracterização e do mau gosto, apontado pela massificação cultural e pelos apóstolos da globalização", afirma Newton Júnior, que participa ainda da equipe que prepara o lançamento em livro de peças inéditas do escritor paraibano.

São, ao menos, cinco textos dramatúrgicos e o mais antigo data de 1950: O Auto de João de Cruz, que adapta tanto o clássico Fausto, de Goethe, como o cordel A História do Estudante Que Vendeu a Alma ao Diabo. A peça promove uma ligação com o Auto da Compadecida, especialmente na cena em que João, ainda vivíssimo, vai ao local onde são julgados os mortos. O texto recebeu apenas uma montagem, amadora, em 1958, no Recife.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.




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