Setecidades Titulo Educação
Ensino que transcende a sala de aula

Escolas apostam no aprendizado de habilidades cognitivas, sociais e éticas por meio de jogos

Bianca Barbosa
Especial para o Diário
28/10/2018 | 07:00
Compartilhar notícia
André Henriques/DGABC


Quem olha de fora pensa que os alunos estão apenas brincando na sala de aula. Eles manejam peças em tabuleiros, dão risada e conversam. Mas não se trata só de diversão. Os jogos fazem parte de programa cujo objetivo é trabalhar aptidões e temáticas que vão além do aprendizado teórico determinado no currículo escolar, as chamadas habilidades socioemocionais, tais como empatia, trabalho em equipe, resolução de problemas e planejamento, que vêm sendo ‘esquecidas’ com o advento da tecnologia.
Semanalmente, crianças de 4, 5 e 6 anos da Emeief (Escola Municipal de Ensino Infantil e Ensino Fundamental) Machado de Assis, no Parque Miami, em Santo André, passam 50 minutos debruçados nos jogos de raciocínio. O primeiro passo, assim que a tarefa é apresentada ao grupo, é a contextualização da brincadeira. A partir daí, os estudantes são liberados para agir. Se necessário, o professor repassa estratégias essenciais para a resolução do problema. Sempre a partir do questionamento de qual o objetivo da partida e o porquê não estão conseguindo solucioná-lo. “No começo, não achamos que fosse repercutir tanto, mas os alunos se envolveram e hoje nem pensam em faltar na aula”, observou a professora da Educação Infantil Bruna Tatiane Tumiati, 36 anos.

Os estudantes de Santo André têm acesso a 24 jogos, que propõem discussões sobre diversidade, ética, respeito e que trabalham para a melhoria das habilidades sociais da criança. A partir do aprendizado lúdico, os alunos têm oportunidade também de lidar com sentimentos como medo, euforia e frustração, observa o coordenador pedagógico da Mind Lab, criador do programa, Wagner Moralez. “Uma aluna disse que a atividade era como pedir perdão. Às vezes, é preciso voltar e pensar para, depois, seguir em frente”, destacou. Para a coordenadora de serviços educacionais andreenses, Elizabete Filomena dos Santos, o projeto colabora para que nas próximas gerações não existam tantos adultos com ansiedade. “Agimos muito por impulso. Não sabemos lidar com desafios do dia a dia. Esses jogos ajudam a combater isso.”

A filosofia denominada Mente Inovadora foi desenvolvida por especialistas israelenses e brasileiros que atuam no campo da psicopedagogia, neurociência e educação em 1994 e já é utilizada em, pelo menos, 15 países, como Austrália, China, Espanha, Estados Unidos, Itália, Japão e Reino Unido. O projeto chegou ao Brasil em 2005 e hoje atende 20.550 alunos e 697 professores – está presente nas redes municipais de Santo André e São Caetano.

MÃO NA MASSA
A equipe do Diário testou o jogo Castelo Lógico para entender melhor a dinâmica do projeto. A proposta é montar um castelo com oito peças, divididas em blocos e pinos. A atividade parece simples: observar uma figura e reproduzi-la. No entanto, a primeira tentativa, afoita, foi falha. Nem todas as peças escolhidas estavam de acordo. A partir de questionamentos sobre o que estava errado na tentativa, a equipe do Diário pôde observar o problema com calma, alterar a estratégia e montar o castelo corretamente.

Moralez aproveitou a brecha para intervir. “No dia a dia, passamos por momentos semelhantes. Esse é o objetivo. A transcendência de experiências. Fazer com que o aluno aplique na vida aquilo o que foi vivenciado na aula”, completou.

Famílias ‘aposentam’ televisão em casa
Além da notada melhoria comportamental, tanto em sala de aula quanto em casa, pais de crianças que participam do projeto revelam outro ganho: a união familiar em prol de atividades longe da tecnologia. Na residência da autônoma Edileuza Sousa Silva Almeida, 47 anos, mãe do Ezequiel, 5, a televisão foi ‘esquecida’ aos fins de semana. “A gente nem lembra que ela (TV) existe. Passamos o dia inteiro jogando”, contou a andreense, que considera ainda que o filho passou a ter mais disciplina e também a cobrar mais. “Ele nos repreende quando avançamos, por exemplo, o sinal vermelho. Diz que aprendeu no Mind Lab.”

“As mudanças foram muitas. Ele melhorou no aprendizado, na questão de compartilhar as coisas. O jogo trabalha o social e o emocional das crianças”, disse a dona de casa Letícia Regina Ferrancini, 28, sobre o filho Raul, 5, fã dos jogos. “Até chamo minha mãe para jogar comigo”, revelou o aluno.

Segundo a professora Verônica Buguino Fernandes, 30, os alunos passaram também a ajudar os coleguinhas que têm mais dificuldade para realizar o trabalho. “Eles aprenderam que conseguem ter mais sucesso quando atuam em equipe. E para a equipe dar certo, todos precisam se ajudar”, contou.

As educadoras recebem treinamentos mensais, com dicas e novas formas de abordar os jogos. “Não é uma aula de jogo, mas sim uma forma lúdica de trabalhar questões mais sérias”, disse o coordenador pedagógico da Mind Lab, Wagner Moralez.

Para as crianças agitadas, trabalhar regras foi importante, considerou a professora Ariana Ferreira Marques, 33. Ela lembra que um dos primeiros desafios foi ensinar aos alunos sobre o funcionamento do semáforo. A partir de então, ela aplica a mesma filosofia nas aulas. “Quando vamos ler uma história, a gente coloca no sinal vermelho, que significa parar e ouvir. No verde, eles podem falar. No amarelo, devem prestar atenção. Isso é educação.”




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;