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Tema da escravidão permeia novo CD de Caetano Veloso
Leonardo Blaz
Do Diário do Grande ABC
06/01/2001 | 15:17
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A tese de Joaquim Nabuco (1849-1910), explícita no livro Minha Formação, de que a escravidão, mesmo com seu fim, permaneceria por muito tempo no Brasil, permeia boa parte de Noites do Norte (Universal, R$ 23 em média), o novo álbum de Caetano Veloso. O músico chegou a transformar um trecho do ensaio do jornalista na faixa-título que, assim como na maioria das canções de Livro, seu último álbum de estúdio, ganhou uma bela combinação entre instrumentos sinfônicos e uma estrondosa percussão.

A questão da escravidão também é exaltada em Zumbi e 13 de Maio, faixa que, com uma letra simples, mas muito eficiente, retrata as contradições que envolvem a abolição assinada pela princesa Isabel. A canção de Jorge Benjor, cuja presença na percussão é marcante, apresenta uma bela letra em que a citação de colônias africanas se mistura com a lembrança de que a riqueza brasileira é fruto do trabalho de mãos negras.

Mas se a questão racial está presente em três canções, são tratadas ainda outras formas de escravidão. Rock’n’Raul, além de homenagear Raul Seixas, contém versos que tratam da supervalorização do modo de vida norte-americano disseminado em outros países, que não deixa de ser uma forma de subordinação. O que era para ser uma crítica, no entanto, transforma-se em agradecimento. Admirador da obra de Raulzito, Caetano anunciou: “Ainda bem que o músico tinha uma vontade fela da p... de ser americano”. Caso contrário, a música brasileira não teria recebido tamanha contribuição.

O tema também não deixa de ser tratado em Zera a Reza. Fruto da melhor poesia de Caetano, a canção é uma ode à contemplação da vida em detrimento dos dogmas religiosos que fazem seus fiéis de escravos. Diz – semelhante a um rapper – no meio da canção: “Não quero ter religião, seja católica, seja evangélica, seja hare krishna ou candomblé (...) Minha reza é barulho, minha reza é silêncio, minha reza é movimento. Não venham torrar a minha paciência (...) engabelar a minha inteligência”.

Freqüentemente criticado, muito mais por suas polêmicas opiniões, que vão além de assuntos musicais, Caetano mostra novamente que é um dos maiores artistas brasileiros. Noites do Norte comprova que a verborragia inteligente do músico encontra momentos de brilhantismo quando é associada a sua arte. Pena que muitas vezes ele se esqueça disso.




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