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‘Brasil precisa de consenso, sem polarização estéril’
Raphael Rocha
Do Diário do Grande ABC
02/08/2020 | 18:13
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Claudinei Plaza/DGABC


Terceiro colocado na eleição presidencial de 2018, Ciro Gomes (PDT) não poupa críticas ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Mas também dispara contra o PT. Para o pedetista, o Brasil só voltará a crescer quando um projeto consensual, longe do que ele classificou como polarização estéril, chegar ao poder. Ciro declara que a disputa entre lulismo e bolsonarismo é “vazia ideologicamente”. O político não descarta ser candidato a presidente em 2022, questiona duramente as ações de Bolsonaro durante a pandemia de Covid-19 e assegura não estar arrependido de não ter subido no palanque de Fernando Haddad (PT) em 2018: “Não foi decisão fácil, mas se mostrou acertada”.

Qual avaliação o senhor faz do governo Bolsonaro nesses quase dois anos de mandato?
É, objetivamente, com base em números, o pior governo da história do País sob qualquer aspecto que se avalie. No aspecto criminal vivemos sob a sombra de grandes escândalos não apurados, como o escândalo da Itaipu Binacional, que levou à abertura do processo de impeachment contra o presidente paraguaio (Mario Abdo), e a venda de cerca de R$ 3 bilhões de créditos a receber por pouco mais de R$ 300 milhões para o BTG, banco fundado pelo próprio ministro Paulo Guedes (Economia). Além disso, apurações da Polícia Federal e da Polícia Civil do Rio de Janeiro evidenciam rede de corrupção de Bolsonaro, seus filhos e assessores, como o já preso Fabrício Queiroz. O ataque às instituições é inédito, com a tentativa de aparelhamento da Polícia Federal, ataques ao Supremo, humilhação do Ministério Público e submissão do Exército às milícias. A Amazônia está sendo transformada em cinzas. A economia, como previ no início do governo, foi destruída e já estava destruída antes da pandemia. A ação do governo contra o isolamento e retardando o apoio e crédito às pequenas empresas promoveram o maior extermínio de pequenos negócios da história. A equipe de governo é a de mais baixo nível técnico da história do Brasil, um aglomerado de puxa-sacos e ignorantes. Mas, de longe, a atuação na pandemia faz do governo o mais criminoso de nossa história, a pior mancha na reputação internacional e autoimagem do Brasil, que será dificílimo recuperar. Só para ilustrar o efeito da luta do governo, pública, contra o confinamento, podemos citar que o Brasil tem 208 milhões de habitantes e a China, mais de 1 bilhão. A Covid começou lá três meses antes de chegar ao Brasil. Pois bem, na China morreram cerca de 5.000 pessoas de Covid e, no Brasil, mais de 90 mil. Enquanto o mundo, em média, deve experimentar queda de cerca de 4% nas suas economias, no Brasil a expectativa é de um impacto de queda de cerca de 8% no PIB. Em suma, é o pior governo brasileiro de todos os tempos.

No começo do governo, Bolsonaro apostava na polarização que o ajudou a vencer o pleito. Agora, tem cedido cargos ao Centrão, mudou a postura de ataques às instituições. Qual avaliação o senhor faz dessa mudança? Ele tem mais a ganhar ou perder politicamente com essa alteração de postura?
Ele estava caminhando a passos largos para o impeachment antes desse recuo. Negociar e compor com outras forças políticas não é ruim, é da natureza da democracia. A questão é em nome de que e em troca de que se faz acordos. Sua hipocrisia ao se apresentar como antipolítica e antiCentrão e agora governar com base em corrupção e fisiologia vai cobrar seu preço, se não com um impeachment, ao menos em 2022.

Como o senhor avalia o fato de o governo não ter ministro titular da Saúde na pandemia?
Um dos maiores crimes já praticados contra o povo brasileiro. É profundamente revoltante, causa imensa indignação. É inaceitável também que alguns ex-militares, ou, até mesmo da ativa, desesperados pelo fato de nenhum profissional da área de saúde querer mais se associar aos crimes anticientíficos exigidos por Bolsonaro, tentem assumir a condução da saúde neste momento, mas eles não têm competência técnica para isso e estão arrastando a reputação do Exército para a lama.

O senhor teria qual condução diante da pandemia de Covid-19?

Tenho falado disso insistentemente. Primeiro teria fechado o País para viajantes dos destinos com mais casos, desde o começo, exigindo testes para entrada. Segundo, antes de a doença chegar aqui, teria negociado preferências com a China para termos os materiais de segurança para os profissionais de saúde, os respiradores e, principalmente, os testes em volume que precisávamos para controlar a expansão da doença. Posteriormente, aprovado grande pacote anticíclico para garantir que as pessoas ficassem em casa e as empresas tivessem crédito direto sem juros com o governo com o compromisso de não demitir. Por fim colocaria todos os esforços científicos do País na direção do desenvolvimento e produção de uma vacina para a doença.

É sabido que, no pós-pandemia, a economia terá de ser olhada com carinho diante do rombo econômico que surgirá. Ao mesmo tempo, são registradas baixas no Ministério da Economia – o mais recente foi Caio Megale. Qual sua perspectiva para essa área no pós-pandemia? O que o senhor faria?
O que eu faria está detalhadamente expresso no meu livro Projeto Nacional: O Dever da Esperança. Precisamos acabar com o teto de gastos e gastar muito em infraestrutura e criação de empregos que realizem obras necessárias para aumentar a produtividade do País. Para que a dívida, no entanto, não saia de controle, precisamos diminuir as desonerações fiscais e aumentar os impostos dos ricos, que vivem num paraíso fiscal no Brasil sem investir no País. Nesta crise, os ricos ficaram simplesmente mais ricos. Precisamos de um programa de crédito para recuperação de empresas, e de pessoas físicas que estão no SPC e Serasa, para restaurar a condição de consumo das famílias. Mas medidas imediatas não nos tirarão desse buraco de forma sustentada. Precisamos celebrar um novo projeto de País que queremos ser, setores que queremos desenvolver e produtos que precisamos passar a produzir. Sem isso nosso destino será muito pior do que a grande fazenda que a elite pensava que seríamos.

A política internacional do governo Bolsonaro se baseia muito na aproximação com o governo dos Estados Unidos. Neste ano, há eleições por lá e pesquisas indicam a possibilidade de Donald Trump perder o pleito. Soma-se a esse quadro a deterioração da imagem brasileira perante a comunidade internacional por causa do afrouxamento das medidas para mitigar as queimadas na Amazônia. É possível recuperar essa imagem internacional? E qual peso uma derrota de Trump trará ao Brasil?

Aproximação não, submissão completa. Estamos pagando militares para servirem ao país mais rico do mundo. Bolsonaro está destruindo a reputação de nossas Forças Armadas. Reverter o dano que a eleição de um criminoso, fascista e ignorante como Bolsonaro causa a um País como o Brasil será muito difícil. Ninguém mais nos verá a sério como Estado, apesar de um novo governo poder recuperar o respeito e colaboração da comunidade internacional. É provável que Trump perca as eleições nos Estados Unidos, apesar de (Joe) Biden ser um candidato com fragilidades. Nesse caso, o Brasil estaria completamente isolado no mundo. É só mais um desastre produzido por este governo incompetente.

O senhor é candidato a presidente em 2022?
Posso ser, mas isso ainda não está configurado. Depende de meu partido e do ambiente político. O que vou trabalhar enquanto viver é defender que o Brasil precisa ter um projeto, ser soberano e se livrar de sua condição de dependência, miséria e desigualdade brutal.

Qual quadro o senhor vislumbra que acontecerá na eleição presidencial de 2022?
Ainda está muito longe para se prever um cenário. Mas a preço de hoje, acho que se Bolsonaro sobreviver no cargo às revelações que virão de Paulo Marinho, Queiroz, da morte de Marielle (Franco), Adriano da Nóbrega, das fake news e dos crimes que seu governo vem praticando, chegará muito fraco ao pleito, bem distante dos índices que tem hoje. Acho que a eleição estará fadada a uma disputa pelo centro, entre um candidato de meu campo, desse novo campo desenvolvimentista de centro-esquerda surgido da aliança do PDT, PSB, Rede e PV, e um candidato fabricado pela grande mídia. Não haverá espaço para dois deles. Por fim, haverá o candidato do lulismo, já que o PT só pensa em sua bancada de deputados e na liderança da oposição. O único objetivo do PT em 2022 deverá ser impedir que esse novo campo progressista chegue ao segundo turno. Isso porque ele voltou a ser um partido sem perspectiva de poder.

É possível vislumbrar a formação de uma frente de esquerda?
Para as eleições em 2022 não vejo essa possibilidade. Eu, por exemplo, não mais me aliarei à atual burocracia lulopetista. Como o PT não tem a grandeza de dar a passagem a outro projeto, teremos que enfrentá-los e derrotá-los. E para esse novo projeto que o País precisa, temos que trazer o centro e uma parte do centro-direita, porque não basta ganhar as eleições, tem que ter a unidade mínima do País em torno de uma agenda. O projeto que o País precisa é o mais próximo possível do consenso, e não a perpetuação da polarização estéril e vazia ideologicamente de lulismo e bolsonarismo.

O senhor é até hoje criticado por petistas pelo fato de não ter declarado explicitamente apoio à candidatura de Fernando Haddad em 2018 no segundo turno. O senhor se arrepende daquela postura?
Não, não me arrependo. A eleição estava decidida pelo antipetismo, o apoio do meu partido já tinha sido declarado, meu grupo político apoiou Haddad. O que eles queriam, depois de terem jogado o País no colo do bolsonarismo para continuar como polo de oposição, era me associar a eles de forma a que eu fosse visto como força auxiliar do petismo. Não foi decisão fácil, mas se mostrou acertada. O Brasil hoje não teria alternativa progressista ao bolsonarismo se eu tivesse me submetido a eles. Bolsonaro não se elegeu no segundo turno, mas no primeiro, quando o PT chegou em segundo lugar.

O senhor acha que o PT deveria abrir mão de uma candidatura presidencial em 2022 para impedir a reeleição de Bolsonaro?
Pensando moralmente, não há dúvidas, já que o antipetismo é a única força no Brasil que ainda pode reeleger Bolsonaro. Mas não acho que a natureza do PT permita tal coisa.

Qual peso do ex-presidente Lula em uma eleição presidencial?
É grande, ele ainda tem o carinho e o reconhecimento, em grande parte merecido, de uma boa fatia do eleitorado brasileiro, particularmente no Nordeste. Mas hoje é menor do que em 2018, que foi menor do que em 2014, e será ainda menor em 2022. Quem diz isso não sou eu, são as pesquisas e os mapas de votação.
 




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