Cultura & Lazer Titulo
Glória Maria: 'legal é começar do zero'
Por André Bernardo
TV Press
07/08/2004 | 22:08
Compartilhar notícia


  Em 32 anos de jornalismo, Glória Maria acumulou mais milhagem do que muito comandante de companhia aérea. Desde que estreou na Globo, em 1972, a atual âncora do Fantástico já visitou 123 países. Só o Brasil, ela já percorreu quatro vezes. “Se eu passo 15 dias sem viajar, já começa a me dar um negócio esquisito”, diz. A próxima parada de Glória é a Grécia. A partir do dia 13 deste mês ela participa da cobertura das Olimpíadas de Atenas, a terceira de sua carreira. “Costumo dizer que o passado é história e o futuro, interrogação. O legal é sempre começar do zero a cada nova reportagem”, afirma a repórter, que cobriu as Olimpíadas de Los Angeles (1984) e de Atlanta (1996).

PERGUNTA – Você já cobriu de guerra a Copa do Mundo. Qual é a emoção de cobrir uma Olimpíada?
Glória Maria – Em termos de reportagem, não vejo diferença nenhuma. Para mim, é tudo igual. Tanto faz cobrir uma guerra ou uma Olimpíada. É mais uma oportunidade para eu aprender coisas novas. Cada trabalho, aliás, é sempre uma novidade. O legal é começar do zero. Tudo é uma grande descoberta para mim.

PERGUNTA – E como você costuma se preparar para um evento como esse?
Glória – Aqui na Globo, a gente tem até palestra. O pessoal se prepara mesmo. Mas, na minha opinião, não adianta você pesquisar, se preparar... Quando você chega lá é que vai ter de se virar. Nessas horas, o que faz a diferença é a alma de repórter. Eu, pelo menos, só funciono assim. Gosto de ter noção da minha ignorância para sempre poder aprender um pouco mais.

PERGUNTA – Qual sua lembrança mais emocionante nos Jogos Olímpicos?
Glória – O dia da abertura da Olimpíada de Los Angeles. Eu fui escalada para ficar do lado de fora do estádio, acompanhando a movimentação do público. Enquanto isso, o Armando Nogueira avisou os repórteres que estavam no estádio que o corredor Edwin Moses faria o juramento olímpico e que seria bom se alguém o entrevistasse. A essa altura, passei pelo lugar onde paravam os ônibus que conduziam os atletas até o estádio. Foi aí que o meu radinho caiu. Quando me abaixei para pegá-lo, vi duas pernas na minha frente. Quando me levantei, achei que estivesse louca. “Você é o Edwin Moses?”, perguntei. “Por acaso, sou!”, respondeu ele. Fizemos o juramento ali mesmo. Depois, peguei avisei o pessoal pelo rádio. Acontece que ninguém ninguém acreditou em mim. Peguei uma moto e levei a fita até o caminhão de transmissão.

PERGUNTA – E de toda a sua carreira? Qual seria a sua reportagem favorita?
GLÓRIA – Ah, tem tantas. Essa do Edwin Moses é uma. Outra de que eu me orgulho muito foi quando cobri a tomada da embaixada japonesa no Peru por terroristas. Fiquei 12 dias lá com o meu cameraman. Passei o Natal no meio da rua. Lá pelas tantas, começou o tititi sobre uma possível libertação de reféns. Todas as equipes se plantaram na frente da embaixada. Mas não sei o que me deu. Virei para o camera e disse: “Vamos para o outro lado!”. E ele me falou: “Você enlouqueceu? Até a gente chegar lá, eles já saíram.”. Eu respondi: “Vamos arriscar.”. E saímos, que nem loucos, correndo até o outro lado da embaixada. Quando chegamos lá, demos de cara com o embaixador brasileiro, responsável pelas negociações. Gritei e ele veio na minha direção. Às vezes, me dá umas coisas do tipo: “Vai e faz”. Aí, eu vou e faço. Nem discuto.

PERGUNTA – E “roubada”? Você já temeu alguma vez por sua própria vida?
GLÓRIA – Temer pela própria vida, não. Mas já tive medos absurdos. Quando viajei para o Havaí, por exemplo, fiz uma matéria sobre o vulcão Kilauea, que está permanentemente em erupção. Um piloto da região aceitou sobrevoar o vulcão. Sugeri que pousasse e o piloto, que era mais maluco do que eu, pousou. A temperatura era tão alta, mas tão alta que pensei: “Caceta, acho que vou pegar fogo”. A impressão que eu tinha é que estava incandescente. Depois que alçamos vôo, o piloto disse que não sabia porque fez aquilo. Afinal, o helicóptero poderia não conseguir levantar vôo por causa do calor. Foi arriscado à beça.

PERGUNTA – Você se transformou em uma pioneira na prática de esportes radicais. Como surgiu a idéia de praticar vôo duplo de asa-delta em 1982?
GLÓRIA – O jornalista Zózimo Barroso do Amaral, que era um grande amigo meu, foi convidado para fazer um comercial em São Conrado. Como ele nunca tinha feito, pediu para ajudá-lo. Lá, um dos meninos da asa-delta veio conversar comigo e falou do tal vôo duplo. Quando cheguei na redação, boba que sou, fui falar com o Luizinho, o Luiz Nascimento. “Imagina, voar naquilo...”. E ele falou: “Mas é claro que você vai. Vamos fazer uma matéria para o Esporte Espetacular”. Em menos de 24 horas, ele armou tudo. E lá fui eu, morrendo de pavor. Felizmente, deu tudo certo.

PERGUNTA – Você ficou famosa exatamente por interagir com as reportagens que faz. Como manter a isenção num momento de tensão como aquele do vôo livre?
GLÓRIA – Ah, mas não dá mesmo. Certa vez, fui cobrir uma enchente em Jacarepaguá, no Rio. Chegando lá, os bombeiros tentavam resgatar uma senhora que tinha acabado de ter dar a luz. De repente, o barco virou, com a mulher e o bebê dentro. O que eu podia fazer? Continuar a minha matéria como se nada estivesse acontecendo? Não. Comecei a berrar por socorro. Os bombeiros tinham de salvar aquela mulher. E, graças a Deus, salvaram. Eu berrei o tempo todo. Vou deixar uma mulher morrer na minha frente só porque sou repórter? Existem coisas que estão acima do meu trabalho. A vida de uma pessoa, por exemplo. Seja ela quem for. Não dá para manter a isenção. Aliás, isenção de quê? De responsabilidade? Não posso pensar só no meu bem-estar. Isso não é viver. Isso não faz parte do meu show.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;