Economia Titulo Avião-caça
Primeiro voo do Gripen estimula economia da região

SAM, braço brasileiro da sueca Saab em São Bernardo, já tem data para entregar primeira encomenda para fabricação de caça: em dezembro

Soraia Abreu Pedrozo
Do Diário do Grande ABC
26/09/2020 | 00:05
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Divulgação


Bastou uma hora e três minutos para que o primeiro Gripen E Brasileiro, chamado de F-39 Gripen pela FAB (Força Aérea Brasileira), concluísse seu voo inaugural em ares brasileiros, ao percorrer os quase 900 quilômetros que separam Navegantes (Santa Catarina) de Gavião Peixoto, interior paulista, cujo trajeto, se fosse feito de carro, levaria 11 horas. Com isso, foi dado importante passo ao processo de transferência de tecnologia da empresa sueca Saab ao País e à região. A fábrica de aeroestruturas de São Bernardo, a SAM (Saab Aeronáutica Montagens), que começou a operar em julho, já tem data marcada para entregar sua primeira encomenda, o cone de cauda, à Embraer, responsável pela montagem final do caça: dezembro de 2020.

O processo de renovação da frota da FAB teve início em 2013, quando o governo brasileiro anunciou a compra de 36 aeronaves da Saab por 39,3 bilhões de coroas suecas (hoje US$ 4,3 bilhões ou R$ 24,3 bilhões)  para executar a defesa e segurança das fronteiras do País.

Em um primeiro momento, 13 Gripen E (monoposto)/F (biposto) virão prontos da Suécia e oito começarão a ser fabricados no país nórdico e serão finalizados no Brasil, com a participação de técnicos e engenheiros brasileiros – é onde a fábrica do bairro Cooperativa entra. A SAM será responsável pela produção de seis peças estruturais complexas para o Gripen, além do cone de cauda, de freios aerodinâmicos, caixão de asas, fuselagem dianteira para as versões de um assento e dois assentos, além da fuselagem traseira para a versão monoposto da aeronave. Os componentes serão enviados a Gavião Peixoto e Linköping, na Suécia.

A partir do ano que vem, as aeronaves passarão a ser montadas totalmente no País. Tanto que o braço brasileiro da Saab, até o fim de 2021, irá ampliar seu quadro de funcionários, dos atuais 70 para 80 – a maioria de montadores aeronáuticos. E, a partir de 2024, serão contratados 200 profissionais.

“A chegada do Gripen do Brasil é um marco para Saab Aeronáutica Montagens, que tem capacidade para nos próximos anos expandir sua atuação no setor de aviação militar e civil. Tudo isso graças à operação de transferência de tecnologia enorme da matriz na Suécia, que expande horizontes”, assinala Marcelo Lima, diretor geral na SAM. “A nossa localização em São Bernardo foi escolhida estrategicamente devido à sua localização e à qualidade de sua força de trabalho industrial, sua proximidade de universidades e indústrias. Com a entrega da aeronave, seguimos dentro do cronograma da nossa parceria de longo prazo com o Brasil, que também inclui criar empregos e apoiar o desenvolvimento da indústria de defesa local.” Do total de fornecedores nacionais da SAM, cerca de 60% estão na região.

MAPA DA TRANSFERÊNCIA

Para o ex-prefeito de São Bernardo e atual candidato ao Paço, Luiz Marinho (PT), a cidade e o Grande ABC só têm a ganhar com esse acordo, uma vez que a escolha pelo Gripen se deu justamente pela garantia de transferência total de tecnologia. Um dos responsáveis pela vinda da Saab a São Bernardo, Marinho se aproximou da fabricante ainda em 2008, quando foi realizado pedido de oferta da Aeronáutica para a renovação de sua frota. À época, a Saab cogitava apenas a cidade de São José dos Campos, no Interior, para promover negócios, pois era famosa por sediar a Embraer e ter muitas empresas atuantes no segmento da defesa. Ele então passou demonstrar interesse em diversificar a vocação local para a indústria da defesa – além de fazer lobby junto ao governo federal para que ela fosse a preferida em relação às outras duas concorrentes, a Dassault (com o Rafale) e a norte-americana Boeing (com o Super Hornet F-18).

“Como se tratava de projeto de longo prazo, eu vislumbrei a possibilidade de trazer investimentos para São Bernardo. E não se tratava de olhar qual máquina era a melhor, mas de qual projeto poderia ser mais duradouro e render mais frutos ao País e, consequentemente, à cidade. Ao transferir a tecnologia, é possível construir toda uma cadeia de suprimentos e ganhar em inteligência e na área de engenharia. Mesmo com o fato de o Grande ABC não ter tradição no setor, era uma chance que não poderia deixar passar, já que a região reúne fabricantes de alta qualidade e poderíamos criar rede de fomento e gerar empregos de qualidade”, lembrou Marinho. “Então conversei com Lula, que preferia o Rafale, e Dilma, que gostava do avião da Boeing. Mas apenas a Saab oferecia a transferência nesse formato, com a oportunidade de desenvolvermos tecnologia de ponta. Não fosse o Gripen, dificilmente teríamos fábrica de componentes de caça na região.”

Ainda em 2010, a Prefeitura e a Saab selaram acordo para a criação do Cisb (Centro de Pesquisa e Inovação Sueco-Brasileiro), em que a fabricante sueca investiria US$ 50 milhões em cinco anos, para aproximar empresas e universidades. Foi o primeiro passo para que a Saab viesse a São Bernardo.


Grande ABC possui dois cursos na área

Com a transferência de tecnologia para fabricar aviões-caça, não foi só o setor industrial que se animou e passou a se especializar para abocanhar fatia do segmento da defesa. O ramo da educação também vislumbrou chance de obter lugar ao sol e formar mão de obra qualificada.

Hoje o Grande ABC oferece dois cursos universitários no segmento da defesa. Um deles é o de engenharia aeroespacial, ministrado na UFABC (Universidade Federal do ABC), em Santo André. A disciplina forma engenheiros para atuar no desenvolvimento tecnológico do segmento aeronáutico. Outro é o de ciências aeronáuticas da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), que prepara profissionais que possam atuar como pilotos e como gestores do sistema de aviação civil.

Na avaliação de Volney Gouveia, gestor e professor do curso de ciências aeronáuticas da USCS, ambos são complementares em suas funções e vão permitir que, no futuro, o País e a região dominem a tecnologia da fabricação de aviões-caça com profissionais brasileiros à frente dos processos.

Gouveia conta que, atualmente, no Estado de São Paulo, existem apenas três locais em que a disciplina de ciências aeronáuticas é lecionada. Além da região, São Paulo e Bauru, no Interior. Quanto à engenharia aeroespacial, existem sete, sendo seis públicas e uma privada.

“O acordo entre Brasil e Suécia avança muito na questão do desenvolvimento tecnológico brasileiro. O Brasil é um dos maiores exportadores de aeronaves do mundo, aos US$ 9 bilhões ao ano. No entanto, parte expressiva dos componentes que são usados na montagem é importada. E isso demonstra nosso grau de dependência tecnológica. Hoje, temos de 25% a 30% dos insumos vindos de fora; 25% a 30% são fabricados aqui por empresas estrangeiras que remetem seus ganhos a suas matrizes e, o que nós incorporamos como conhecimento e agregação de valor, gira em torno de 15% a 20%”, assinala. “Nós temos, portanto, um amplo campo a explorar que permitirá participar mais ativamente dessas cadeias de valores globais e utilizar dessa tecnologia que possuímos não apenas no Vale do Paraíba, como no Grande ABC.”




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