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Como escrever

Eu poderia apenas falar de sua importância para nosso acesso à comunicação

Carlos Ferrari
01/09/2010 | 00:00
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Eu poderia apenas falar de sua importância para nosso acesso à comunicação. Escrevendo então minha coluna semanal, eu contaria que foi por causa de suas incansáveis lutas, que nós cegos passamos a ter contato com conteúdos publicados em jornais e revistas. Foi graças a sua convicção de que seria importante garantir o Braille como um direito, que desde muito jovem eu já recebia em casa, guardadas as limitações de produção da época, revistas e livros produzidos na escrita de seis pontos, que me faziam sentir parte de um mundo que a todo tempo se comunica por imagens, gráficos e outras estratégias visuais.

As novas tecnologias e o dinamismo das mídias contemporâneas também não a intimidaram. Por meio do trabalho da fundação idealizada por ela na primeira metade do século 20, cegos de todo o Brasil, e tantos outros fora daqui, também passaram a ter acesso a revistas faladas, livros em formatos digitais, e ao protocolo Daisy, o que trouxe não apenas a possibilidade de novas formas de leitura como também a praticidade para realização de pesquisas e desenvolvimento de trabalhos acadêmicos.

Escrevendo esse texto, não teria como eu, militante do movimento de pessoas com deficiência, deixar de compartilhar com vocês leitores, a importância daquela que foi a grande precursora do protagonismo efetivo de nós usuários de serviços e programas oferecidos pelo estado e pela sociedade. Dizia ela que nós poderíamos e deveríamos participar da concepção e da construção de tudo aquilo que nos diz respeito. Para além do discurso, nos deu o exemplo trabalhando efetivamente da organização nacional e internacional do movimento de cegos e de tantas outras áreas de deficiência. Com a defesa de um terceiro setor moderno e autossustentável, ela chegou a seus últimos dias de vida, com um discurso moderno e alinhado as novas demandas sociais.

Para além de colunista, e de militante ainda, não teria como eu terminar esse texto escrevendo como um cidadão convicto de que é momento de agradecer, reconhecer e continuar. No domingo faleceu a professora Dorina de Gouveia Nowill. Aquela que junto com Mauricio de Sousa acreditou que por meio dos quadrinhos também poderia fomentar a inclusão. Foi sem dúvidas graças a seus sonhos que minhas conquistas e de tantos outros cegos puderam se tornar realidade.

Em seu aniversário de 90 anos, escrevi uma crônica que trazia por título Um simples Obrigado. Hoje, no entanto, escrevendo em um momento triste e oposto ao anterior, o nome dado a essa coluna traz consigo todo o sentimento de responsabilidade por mim manifestado diante da perda de alguém que fez tanto por seu segmento.

Professora Dorina tornou-se uma personalidade internacionalmente reconhecida. Dava orgulho ao Brasil sempre que se manifestava, e da mesma forma que lutava por acessiblidade se mostrava acessível a todos aqueles que a procurassem para perguntar, abraçar ou, simplesmente, como eu muitas vezes já fiz, manifestar seu carinho e admiração.

Fica-nos então a missão de continuar. Sem medo de errar ela nos pediria que deixássemos o luto por sua luta.




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