Na flor da idade ela estava quando entrou no ônibus para uma viagem aparentemente sem importância. Como toda criança, talvez gostasse de aventuras como esta de andar de coletivo. Acompanhava mamãe e irmãzinha, e a tranquilidade aparente do percurso enchia de alegria a alma infantil que sequer imaginava que a crueldade do mundo conspirava contra ela naquele momento, e que seu destino fora colocado nas mãos da besta que repentinamente surgiu armada de toda a valentia que o revólver confere ao ser humano de parco saber. Não haveria, pois, a menina de comemorar o sétimo aniversário. Um homem, não Deus, determinou isso.
Ele, ostentando com muito orgulho o título de bandido, entrou no veículo e vociferou, e ameaçou, e logo teve a companhia de outros da mesma espécie feroz, para levar a cabo o seu intento de praticar, cheio de paixão, o terror. Como aqueles que ocorrem em oriente não muito distante. É possível até que estivesse calmo, convicto de que fazia o certo, afinal, queimar um ônibus foi instrução que recebera e que cumpriria com o mesmo empenho e eficiência do sujeito que aciona o gatilho das bombas amarradas na própria cintura. Pena que o assassino nacional não dispusesse de tal dispositivo que o conduzisse ao inferno. Problema é que, se assim fosse, o número de mortos seria ainda maior! Não, melhor seria se sua mãe tivesse morrido antes de ter a nefasta ideia de concebê-lo.
Meu Deus! O que faço, afinal? Novamente brutalizo-me, concedendo asas à minha imaginação ora pervertida! Mas que posso fazer se não sou Deus, autoridade municipal, estadual, federal ou eclesiástica? Indignar-me, é só o que me resta, humano que sou.
E a câmera dentro do ônibus ainda teve o capricho de registrar a cena que tem o selo de garantia de qualidade original concedido por aquele que se incumbiu de torná-la pública. É, pois, de uma violência sem par a imagem. Escandaliza só de imaginá-la verdadeira (é provável que seja). Foi parar na internet, como tudo vai. Diga-se de passagem, câmera é artefato construído exclusivamente para isso, para expiar, registrar e transmitir o que vê para muita gente, até mesmo atrocidades contra o semelhante, prato predileto do sentimento hipócrita. Aliás, o holocausto do meu País vem sendo registrado dia-a-dia e apreciado por quem se revolta e esquece. Esquece porque tem muito com o que se preocupar, e se importar com o horror a que fora submetida a criança não lhe convém. Preocupa-se sobremaneira com o andamento das obras da arena Corinthians, com o provável rebaixamento de seu time, com quem sairá da casa mais visitada, com os rumos das novelas, enfim.
O que sobrou do corpo da criança, também revelado pela rede, é algo que esfriou e esfriou também na mente das pessoas a quem compete colocar um freio nesta máquina de fazer mortos.
Mas o que importa é que a Copa vem aí, e é no Brasilsilsil!!!
*Rodolfo de Souza nasceu e mora em Santo André. É professor e autor do blog cafeecronicas.wordpress.com
E-mail para esta coluna: souza.rodolfo@hotmail.com.